ARTIGO | O Corpo de Cristo e os corpos dos homens e mulheres (Padre Carlos)*

Ninguém sabe quantos brasileiros conhecem a razão de hoje ser feriado nacional. Estou convicto de que esse número seja pequeno. Aliás, o mesmo se deve à maioria dos feriados religiosos e também aos outros. O que mais interessa já não é a referência do feriado, mas o feriado em si.

Na base do feriado que celebramos hoje, Festa do Corpo de Deus, está um banquete. Dois banquetes marcaram o Ocidente. Um é O Banquete de Platão com todos aqueles diálogos sobre o amor nas suas várias perspectivas.

O outro é a Última Ceia de Cristo, enquadrada também por um longo discurso sobre o amor e na iminência da morte. Jesus tomou o pão e o cálice com vinho, pronunciou a bênção e disse: “Tomai, comei e bebei, isto é o símbolo da minha vida entregue por amor e salvação de todos.”

Os primeiros cristãos, animados pela fé no Jesus crucificado e ressuscitado para a vida do Deus-Amor vivente, juntavam-se à volta da mesa numa refeição fraterna e festiva – quem presidia era o dono ou a dona da casa – e alimentavam-se do Pão e da Palavra, aprofundando a fé, a esperança e o amor.

Essas celebrações lembravam a Última Ceia e também aqueles banquetes que Jesus tivera ao longo da vida.

Banquetes frequentemente escandalosos, pois Jesus comia e convivia com pecadores e publicanos, marginalizados e gente de vida pouco recomendável. Por outro lado, tornava-se por vezes um hóspede inconveniente e até insolente, já que aproveitava a ocasião para denunciar a hipocrisia e o modo de vida das pessoas.

A Igreja Católica celebra, hoje, a festa do corpo de Cristo. A solenidade resgata a sacralidade do corpo e a unidade do ser humano. Foi em meados da década de 1990 que, ao celebrar esta data, Dom Celso Jose, chamou a atenção dos fieis para a necessidade de humanizar a nossa fé.

   
Apesar da fé e da piedade dos conquistenses naquele ano, o Corpo de Cristo tinha sido profanado. Seu Sangue verteu em dor e humilhação. Para mim essa não teria sido uma quinta-feira de Corpus Christi comum.

Despertamos para o dia com o amargor intragável da violência cometida contra dois jovens que ao serem assaltados, terminaram sendo mortos. Os assaltantes fugiram com carro da vítima. Aquele assassinato teve uma grande repercussão na cidade e diante disto, foi montado pelas polícias vários grupos de buscas ao assassino.

Ao serem interceptado pelos polícias, trocaram tiros e foram mortos. Até aí, parece um boletim policial do dia-a-dia, porém após a morte dos assaltantes, os polícias passaram pela cidade em carro aberto mostrando aquele corpo vazado com vários disparos, como se fosse uma caça ou um troféu e para o espanto de alguns, recebia aplausos de parte da população.

Os corpos daqueles jovens eram apresentados em carro aberto com orgulhos de seus executores, a crueldade com os corpos era visivelmente desumana. As responsabilidades do orgulho nefasto desses homens carregaram até hoje no nosso inconsciente, quando não rompemos com o que existe de pior no homem: nossa falta de humanidade.

Profanaram o Corpo de Cristo, arrancando dele sua dignidade e deixando, apenas, humilhação e terror.

Confesso a vocês que aquela homilia proferida por um pai espiritual como Celso José, teve e ainda hoje tem para mim um significado profundo sobre o corpo e a dignidade humana.

Assim, quando tomamos conhecimento que Hospitais de Manaus estão empilhando corpos de vítimas da covid-19 em contêiner e enterrando estes em vala comum, como poderia me calar se a Eucaristia é a comunhão com Jesus, e com o irmão.

É impossível estarmos em comunhão com Jesus sem estarmos em comunhão com o irmão. Não podemos perder nossa humanidade.

Como disse Dom. Celso José:  não podemos deixar o Corpo de Cristo ser violado desta forma.

SOBRE O AUTOR E O CONTEÚDO POSTADO
* (Padre Carlos Roberto Pereira, de Vitória da Conquista, Bahia, escreve semanalmente para esta coluna)

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