Sem acesso à internet e material de apoio, ensino remoto exclui estudantes na sede e na zona rural em Vitória da Conquista. Foi o que constatou o Sindicato dos Professores (Simmp) ao apurar denúncias de pais de alunos.
Em incursões à algumas localidades, uma equipe do sindicato ouviu relatos e divulgou o que foi apurado. a reportagem do Sudoeste Digital teve acesso ao conteúdo integral (LEIA ABAIXO) e procurou a Prefeitura, por meio da Secretaria de Comunicação (Secom), para explicar as denúncias contra o sistema de ensino remoto, mas não foi atendida.
A família de 6 membros, que vive entre tapumes, início de construção e dois cômodos é a primeira que queremos trazer aqui. A mãe tem 4 filhos: uma recém-nascida, uma criança que não conseguiu vaga em creche e dois alunos da rede municipal, que se viram diante da “aula no celular”, como se tornou comum chamar o ensino remoto.
O mais velho, de 15 anos, ainda frequenta o 2° ano do Ensino Fundamental e, depois de 3 meses sem estudar, o pai comprou um celular para que ele pudesse fazer as suas atividades. Quando adentramos o quintal, vemos esse adolescente ajudando o seu pai a peneirar a areia usada para levantar as paredes da sua casa.
O outro menino tem 8 anos e vem recebendo as atividades impressas com um esforço tamanho de seus pais, que andam quilômetros para buscá-las. A mãe, de olho na menininha recém-nascida, nos conta que não sabe ler e que, para os filhos estudarem, pediu a ajuda da tia.
Não saber como ensinar é algo que vem afetando os lares. “Eu não tenho estudo, perco a paciência quando tenho que fazer tarefa com ele”, nos contou uma mãe que já desistiu das atividades de seu único filho. “Ele passa o dia com a avó e brincando na rua”, completou.
Estávamos caminhando pela periferia, conversando com moradores e vendo no chão esburacado e nas ruelas que Vitória da Conquista não se resume à Olívia Flores. A nossa visita tinha a intenção de conversar com as mães dos estudantes das escolas e creches municipais, mas, como tudo é providencial, encontramos uma coordenadora de escola, que logo nos disse que “se, em 30 alunos, apenas um faz as atividades, o nosso olhar deve ser para os 29 excluídos”.
A coordenadora, que logo se intitulou como aquela que representa toda a rede, apontou os descasos da Secretaria de Educação com o ensino remoto. Nos disse que está sendo obrigada a preencher chamadas e pareceres, mas que tem se preocupado com aquele pai que mal tem internet para baixar as atividades e, mais ainda, com a falta de interesse da administração pública para/com essas crianças.
Algo que as mães reclamaram foi que as atividades pedem que elas providenciem materiais que custam caro e elas não podem retirar o valor do alimento para bancar. A maioria das creches da rede municipal abrigam alunos da periferia conquistense e essa realidade deve ser pensada pelos planejamentos pedagógicos do ensino remoto. No entanto, isso não tem acontecido e a educação está sendo ainda mais excludente.
Uma outra mãe, grávida de 4 meses, nos fala que o seu celular queimou por causa da quantidade material enviado pela escola que dois dos seus filhos estudam. Os meninos já não fazem mais as atividades. Ao seu lado, a mãe de 6 filhos, com um bebê no colo, conta que um de seus filhos excluiu o grupo de sua turma, por não aguentar a quantidade de atividades.
A realidade do ensino remoto é complicada, mesmo para aquelas que têm apenas uma filha na rede municipal e assistência do filho mais velho para ensinar as atividades. O alimento que a criança tem acesso nas escolas e nas creches fazem falta na renda da família, que agora alimenta esse estudante durante todo o dia.
No caminho, falamos com mais duas mães, cada uma com 3 filhos na rede municipal de ensino. Entretanto, apesar de ter três filhos matriculados, em cada uma das duas distribuições de kits de alimentação, elas só tiveram direito a um. São três crianças dependendo dessa comida e a falta de uma alimentação adequada pode subnutri-las.
Uma dessas mães tem duas filhas em creche e um menino de 14 anos no ensino fundamental. “Até consigo ajudar em português, mas quando chega em matemática já não consigo”, ela nos explica. Ela disse que o menino já começou o ensino remoto atrasado, mas quando viu que estava na semana 6, enquanto já tinham atividades da semana 18, ela não insistiu mais para ele continuar. Segundo ela, o filho dizia “só eu estou fazendo, mãe, nenhum dos meus amigos estão”. E, então, desistiu.
A outra mãe nos explica a situação dos seus filhos. A mais nova estava frequentando uma creche e chora de saudade, às vezes pede para enviar uma foto para a professora. Os outros dois já iam à escola. Um deles logo desistiu, por falta de paciência para ler as atividades na tela do celular. O outro, que gostava de fazer as atividades, desistiu depois que tiraram a professora da sua turma, o menino já tem dois meses tendo aula com a coordenadora da escola.
Essa mãe também é aluna da rede municipal. “No começo, eu fazia as atividades com eles de manhã e as minhas pela noite”. Porém, ela desistiu depois que a maioria dos professores deixaram a turma. Ela comenta que a professora de inglês assumiu até a disciplina de matemática e, agora, mesmo juntando as turmas do EPJAI, apenas 4 continuam participando das aulas remotas.
A realidade das casas se resume à fome, crianças sem atividades e mães sem perspectiva do que fazer diante das dificuldades que assolam as suas rotinas. Em todas as casas, o que vemos é que há o acesso mínimo à tecnologia e vizinhos dividindo internet para que as crianças tenham o mínimo acesso ao ensino. Do outro lado, existem dados que não abarcam essas famílias. Nos olhos dessas mães, existe um grito escondido de socorro.