OPERAÇÃO DA PF | Produtores lesados por grilagem de terras na Bahia reclamam de morosidade do Incra

Por Mário Bittencourt – Produtores rurais que foram lesados por um suposto esquema de grilagem de terras no oeste da Bahia, possivelmente sustentado pela venda de sentenças no judiciário baiano estão, reclamam da morosidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na obtenção de documentos das propriedades.

Eles dizem que o órgão federal tem demorado para cancelar o cadastro de georreferenciamento das áreas transferidas para o borracheiro José Valter Dias, de mais de 366 mil hectares (cinco vezes o tamanho da cidade de Salvador), por meio de portaria administrativa do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), editada em 2015.
A transferência das terras causou enormes prejuízos a produtores que ocupavam a área desde a década de 1980 na região de Formosa do Rio Preto. Por conta disso, eles tiveram de pagar uma espécie de pedágio em forma de sacas de soja para permanecer produzindo em suas terras. Estima-se que mais de R$ 1 bilhão tenha sido pago.
Em março de 2019, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anulou a portaria, apontando uma série de irregularidades em sua edição. A partir da decisão do CNJ e de seus desdobramentos, os produtores retomaram a propriedade das terras. Porém, ainda dependem do Incra para que possam regularizar toda a documentação referente às matrículas.
O escândalo em torno das terras veio à tona em 19 de novembro de 2019, com a deflagração da Operação Faroeste, da Polícia Federal, que desvendou um esquema de grilagem e corrupção envolvendo setores do Judiciário baiano. José Valter Dias é citado na operação, assim como pessoas ligadas à holding JJF Investimentos, que se apropriou da área.
Em nota, o Incra declarou que “a disputa judicial em Formosa do Rio Preto não envolve áreas sob a gestão do Incra e a discussão acerca do domínio é tratada pelo Judiciário”. O órgão federal diz que a ele “compete realizar a certificação do georreferenciamento dos imóveis rurais e cumprir as decisões judiciais proferidas em relação ao caso”.
Segundo o Incra, “as certificações de imóveis rurais canceladas anteriormente na área em disputa foram executadas em cumprimento a decisão judicial”.
“Em decorrência da decisão do CNJ, que determinou o cancelamento de diversas matrículas de imóveis rurais em Formosa do Rio Preto, o Incra iniciou o cancelamento das certificações das áreas afetadas pela determinação do CNJ”, afirma o comunicado do órgão federal, que não informou prazo para finalizar o cancelamento das certificações.

Produtores em protesto contra a grilagem de terras no oeste baiano (Reprodução Tv Bahia)
Declaração falsa
Afastada desde 19 de novembro por conta de envolvimento na Operação Faroeste, a desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel Leal, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) virou alvo de uma investigação do CNJ por entregar declarações falsas de imposto de renda à Receita Federal em 2006, 2007 e 2008.
Um processo administrativo disciplinar (PAD) contra a desembargadora foi aberto no dia 18 deste mês pelo CNJ, onde a magistrada já responde a um PAD pelo envolvimento na venda de sentenças no judiciário baiano, em benefício de possível esquema de grilagem de terras no oeste do estado.
A defesa da desembargadora não foi localizada para comentar o caso. No CNJ, a aprovação da investigação contra a desembargadora foi aprovada por unanimidade pelos ministros, os quais votaram também, seguindo voto do relator do processo, ministro Humberto Martins, para que Maria da Graça seja também afastada do cargo.
Isso porque a decisão que a faz estar fora do posto no TJ-BA é do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pode ser derrubada a qualquer momento por meio de decisão liminar (temporária). Inicialmente, o afastamento da desembargadora era por 90 dias, mas no dia 4 de fevereiro o STJ decidiu mantê-la afastada por mais um ano.
Também estão afastados do cargo, por envolvimento na Operação Faroeste, os desembargadores Gesivaldo Britto, Maria do Socorro Barreto Santiago (presa no Presídio da Papuda, em Brasília) e José Olegário Monção Caldas, além dos juízes Sérgio Humberto de Quadros Sampaio e Marivalda Almeida Moutinho.
Todos foram denunciados ao STJ pelo Ministério Público Federal (MPF) por organização criminosa e lavagem de dinheiro. Ao todo, 15 pessoas foram denunciadas ao STJ, incluindo advogados, empresários e funcionários do TJ-BA.
Origem
O processo contra Maria da Graça teve origem em reclamação disciplinar instaurada a partir de ofício remetido pela Procuradoria Geral da República (PGR), noticiando a instauração de inquéritos perante o STJ para apurar irregularidades em declarações de impostos de renda da desembargadora.
De acordo com o CNJ, Maria da Graça teria incluído despesas não realizadas com a intenção de reduzir a base de cálculo do IRPF. No STJ, a ação penal foi suspensa, em decorrência de a magistrada ter aderido ao regime de parcelamento de débitos fiscais.
Mas, como as esferas penal e administrativa são independentes, o ministro Humberto Martins (o corregedor nacional de Justiça) votou no sentido de o CNJ prosseguir com as investigações para apurar possíveis infrações disciplinares cometidas pela desembargadora.
“Verificando que tais condutas configuram afronta, encaminho nesse voto proposta de instauração de Processo Administrativo Disciplinar contra a desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel Leal para o aprofundamento das investigações mediante o contraditório e a observância do devido processo legal, com vistas à aplicação das sanções eventualmente cabíveis”, concluiu o corregedor.
No dia 22 de fevereiro, o STJ manteve as prisões preventivas de Adaílton Maturino do Santos e Márcio Duarte Miranda, denunciados na Operação Faroeste. Adaílton é apontado como principal operador do esquema, e Márcio é genro da ex-presidente do TJBA, Maria do Socorro Barreto Santiago.
A defesa dos acusados queria o relaxamento da prisão, mas o STJ, atendendo a pedido do MPF, entendeu que eles representam perigo às investigações ainda em andamento.

COMPARTILHAR