LITERATURA | Professor de português, Eleodoro lança primeiro livro aos 80 anos

Quem fez pré-vestibular nos cursinhos mais disputados de Salvador entre os anos 1980 e 2010 tem grandes chances de ter sido aluno desta figura que é Fernando Eleodoro, professor de língua portuguesa que marcou algumas gerações. Basta perguntar a alguém que foi seu aluno, que, muito provavelmente, terá alguma história para contar ou vai se lembrar de algum caso divertido em sala de aula que ele tenha contado.

Em suas aulas, Eleodoro, que hoje tem 80 anos, sempre tinha uma postura muito crítica às instituições. As críticas eram, por exemplo, às igrejas, aos políticos, ao capitalismo e ao trabalho. Por outro lado, valorizava as relações humanas, a solidariedade, a amizade, os amores… Então, quem foi seu aluno vai, inevitavelmente, lembrar de tudo isso quando estiver lendo Os Colares de Vó Docéu (Sendas Edições/ 340 págs/ R$ 65), primeiro romance publicado por ele.

O Livro

Como bem diz o jornalista Marcos Navarro no prefácio, o livro tem “cheiro de mato” e deve ser “degustado com calma, longe do tumulto digital do que se tornou a vida cotidiana”. Os Colares de Vó Docéu conta a história de duas famílias bem diferentes em suas origens que acabam se encontrando por causa de um casamento entre dois personagens de cada uma das famílias: Fátima e Vitorino.

Fátima é filha dos portugueses Alexandre e Docéu. O casal enriqueceu depois que Alexandre se tornou um grande empresário na Bahia. Por outro lado, Vitorino, filho de Zito e Sabina, é de origem muito simples, mas que, com esforço, conseguiu se formar em direito.

E, apesar de também serem muito diferentes um do outro, Alexandre e Zito – pais de Fátima e Vitorino – se tornam grandes amigos. Enquanto o primeiro é materialista e preocupado em acumular riqueza, o outro cultiva as relações humanas e as amizades, além de revelar uma grande preocupação social com os mais pobres.

Zito foi inspirado num taxista “de verdade” que tinha esse nome e eventualmente servia a Eleodoro: “Um dia, perguntei se ele tinha casa. Ele disse que tinha uma na Vasco da Gama, com dois quartinhos. E tinha uma outra perto de mim”, lembra-se o professor, que mora num condomínio em Lauro de Freitas.

Esperança

A surpresa veio em seguida, quando Eleodoro soube o fim daquela segunda casa que Zito tinha: “Ele alugava a casa para um homem e um dia, quando foi pegar o dinheiro do aluguel, descobriu que o inquilino tinha doze filhos. Então, me disse: ‘professor, esse homem precisava da casa mais que eu. Então, dei minha casa para ele”. Do episódio, Eleodoro guarda uma lição:

“Esse cara é que era gente. Ele era humano de verdade e eu quero pessoas assim, como Zito, que são bem melhores que nós.”

Fernando Eleodoro

autor de Os Colares de Vó Docéu

O afeto é outra marca dos personagens do livro, com uma única exceção, que é Fátima. “Se a vida não tem afeto, não vale a pena”, sentencia Eleodoro. Mas Fátima, uma mulher amarga que não nutria amor – nem era amada – por ninguém, era ainda mais materialista que o pai e tudo o que desejava era tomar o lugar dele na presidência na empresa. Mas nem isso consegue: para a infelicidade dela, é a própria filha, Amália, que é preparada para ocupar o posto desejado pela mãe. Ao contrário de Fátima, ‘Lalinha’ é uma pessoa afetuosa, querida e bem resolvida profissionalmente.

Os Colares de Vó Docéu é também um manifesto a favor do perdão e da convivência entre as diferenças numa época em que a tal “polarização” tanto afasta amigos e familiares. Um exemplo disso é que Alexandre e Zito, mesmo com personalidades e ambições tão diferentes, se tornam amigos. “As pessoas que têm grandeza são assim. Não é todo capitalista que é filho da p… Acho que a humanidade é boa e tem jeito, com certeza absoluta”, diz o escritor.

E não se choque com o palavrão dito por um senhor de 80 anos e professor de língua portuguesa. Na boca – e no livro – de Eleodoro, nenhum palavrão soa agressivo, porque ele defende que esse vocabulário está na linguagem do povo e não tem nada de pornográfico. E este jornalista assegura isso, por experiência própria, tanto que, quando telefonou para o ex-professor para marcar a conversa sobre o livro, ouviu um “oi, seu vagabundo!”. E tenha certeza: ele diz isso com o afeto que tem de sobra pelas pessoas. || Por Roberto Midlej/Correio.

Livro: Os Colares de Vó Docéu/ Autor: Fernando Eleodoro/ Editora: Sendas Edições/ Preço: R$ 65 | 340 págs./ À venda: no site kotter.com.br.


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