LARANJADA | Médicos, empresários, advogados e policiais perderam dinheiro em mais um golpe da Pirâmide

Um suposto esquema de pirâmide fez ao menos 100 vítimas espalhadas pelos estados da Bahia, Goiânia, São Paulo e Maranhão. Na Bahia, profissionais como médicos, empresários, advogados e até policiais perderam entre milhares e milhões de reais depois de investir em um fundo de investimento que, suspeitam eles, foi transformado em um esquema de pirâmide.

O dono do suposto fundo, Warley Godoi, comunicou a falência em maio. Até então, o fundo estava orçado em R$ 70 milhões. As pessoas eram atraídas pelo rendimento mensal de 5% – valor que está acima do rendimento dos maiores investidores do mundo. Houve quem investisse todo o patrimônio e largasse até o emprego para investir no fundo. Do Brasil, investidores buscam uma solução para o caso, já que Warley, antes morador da Pituba, hoje vive em Portugal.

Caso será remetido ao MP-BA

Para tentar equilibrar as contas sem perder clientes, ex-investidores acreditam que Warley fraudava relatórios e aceitava novos integrantes para remunerar os antigos. Essa é a definição de uma pirâmide financeira. No Brasil, não há legislação específica sobre o assunto.

O precursor desse tipo de esquema foi o italiano Charles Ponzi, radicado nos EUA, onde causou prejuízo estimado de 50 bilhões de dólares – ele morreu no Rio de Janeiro, em 1949, na miséria. A fraude, conhecida como “esquema Ponzi”, continua a ser aplicada em versões repaginadas.

Juridicamente, casos como esse são enquadrados como crime contra economia popular (lei de 1951), porque afetam a vida econômica de brasileiros e geram “desarmonia social” e prejuízo. A pena é de seis meses a 2 anos de prisão e pagamento de multa. A Polícia Civil não estimou, até o fechamento da reportagem, quantas pessoas foram presas pelo crime.

Entre os investidores que participavam do fundo de Warley, houve quem arriscasse todos os bens e abandonasse até o emprego para inflar os investimentos e conseguir um rendimento maior, o que tornou a queda mais alta quando Warley, de Cascais, comunicou a falência.

O brasileiro mora na Europa há três anos, com a esposa, o filho, o sogro e uma empregada doméstica, e falava com investidores por mensagens e ligações. Embora ele esteja fora do país, a polícia seguirá o rito do país onde os supostos crimes foram praticados.

Em Salvador, onde Warley tinha ao menos 35 clientes, é a Delegacia de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) que investiga o caso. Segundo o delegado José Bezerra, as primeiras pessoas são ouvidas, mas não informou quantas.

Finalizado o inquérito, o delegado remeterá o caso ao Ministério Público da Bahia (MP). Caso o órgão não ingresse com ação, os ex-investidores processarão Warley por estelionato, apropriação indébita, evasão de divisas e lavagem de capitais, contou Paulo Kleber Carneiro, advogado de investidores de Salvador. Na Justiça baiana, são 23 ações de cobrança.

Fundo era ‘grupo seleto’

Enquanto existiu, o fundo de investimento parecia operar normalmente, o que dissipava suspeitas. Mensalmente, até março deste ano, investidores sacaram os proventos. Eles não cogitavam a existência de um esquema de pirâmide.

Mas os capítulos da história não são diferentes de outros já registrados. Há três anos, Danilo Santana, natural de Itabuna, criou um esquema de pirâmide financeira – com rombo avaliado em R$ 200 milhões – e fugiu para outro país. O escolhido foi Dubai, nos Emirados Árabes, um dos paraísos fiscais mais sigilosos do mundo.

A aparente seletividade do fundo de Warley era um diferencial para os investidores. Ele dizia ser “importante” saber a “índole” do dinheiro que recebia e aplicava em açõesbitcoins e criptomoedas (moedas digitais)  e renda fixa, um modelo de investimento conservador que permitiria uma reserva em caso de oscilação exorbitante na Bolsa de Valores.

No fundo de Warley, as mudanças no estilo de vida de um investido atraíam mais um e assim por diante. É o caso de T., o goiano que suspeitou de Warley duas vezes, mas não o suficiente para retirar os R$ 3 milhões que rendiam R$ 60 mil mensais.

Impactados pela nova realidade dele, amigos e familiares perguntavam:

“O que está acontecendo?”. “Aí eu dizia: ‘rapaz, é um grupo de investidores’. Indiquei umas 18 pessoas”, lamenta.

Quando Warley avisou que estavam todos quebrados, T. e a família saíram do apartamento alugado – o antigo, próprio, venderam para inflar o investimento –, venderam o carro e comunicaram na escola dos filhos que não sabiam como pagariam a mensalidade. “Ele destruiu a vida de muita gente”.

“Quem arrisca mais, perde ou ganha mais”

Há uma premissa básica no mercado financeiro: quem mais arrisca mais pode ganhar e mais pode perder. Quem investia com Warley sabia da existência dos riscos. Existem dois modelos de investimento: o de risco, como compra e venda de ações na bolsa de valores, e livre de risco, como poupanças e títulos públicos. “Tudo que estiver acima da taxa Selic tem algum tipo de risco”, explica o economista Pedro Lang.

A taxa Selic está em 1,1% ao mês, entre cinco e sete vezes menor do que o fundo de Warley pagava aos investidores. Um investimento que rende 5% ao mês é considerado, portanto, de altíssimo risco.

Nem o norte-americano Warrent Buffet, um dos maiores investidores do mundo, lucra tanto. O rendimento anual dele é de, em média, 20%.

Os riscos não abalavam, na teoria, o fundo do mineiro, que sempre apresentava relatórios positivos. Uma parte da história estava oculta.

Desde 2021, Warley não comunicava que os negócios iam de mal a pior. Aos novos investidores, Warley passou a propor uma carência de seis meses para que o valor investido pudesse ser retirado.

“De início eu achei que fosse golpe. Mas dava certo para todo mundo. Um amigo meu tirava R$ 30 mil. E outra, pirâmide financeira acaba rápido, o fundo existia há um tempo, tinha gente que entendia muito de investimento participando”, conta M., outro investidor.

Em dezembro do ano passado, ele aplicou quase todo seu patrimônio – R$ 300 mil – no fundo, pois precisava complementar a renda para pagar a faculdade, em Salvador. “Me pegou numa maré ruim, porque eu realmente estava precisando do dinheiro”, conta. Antes de firmar contrato, ele e Warley conversaram.

Por ligação, M. disse: “não posso perder esse dinheiro de jeito nenhum”. Warley concordou. Como costumava fazer, explicou até como deveria declarar investimentos e rendimentos na declaração de Imposto de Renda – como contratos de empréstimos.

Para um especialista em finanças entrevistado sob anonimato, esse modelo de declaração ensinado poderia ser interpretado como um indício de golpe. “O correto seria bens e direitos”.

De ‘publicitário’ a investidor 

Warley da Silva Godoi nasceu em Ponte Nova, cidade rodeada pelo Rio Piranga, em Minas Gerais. A vida como investidor começou em Goiânia, para onde se mudou, em 2013, quando se tornou sócio de uma agência de publicidade. Em 2017, ele passou a fazer investimentos e chamou amigos para participar. A aplicação mínima era de R$ 10 mil – em maio, o mínimo era de R$ 100 mil.

As aplicações cresceram e Warley largou a agência, atualmente fechada. Ele não precisava convencer pessoas a entrarem no fundo. Os rendimentos falavam por si e eram repartidos, meio a meio, entre Warley e cada um dos investidores.

A personalidade dele também atraia: diferentemente do estereótipo dos gurus financeiros, esbanjadores e cheios de promessas, ela não ostentava propriedades de luxo nas redes sociais – morava num bairro de classe média baixa em Goiânia – e até negava investidores.

“O perfil dele era bem coerente, pé no chão. Era um perfil que atraia as pessoas. Olhando, hoje, eu penso que ou fingia tudo ou ficou completamente doido depois de perder tudo”, diz o advogado Frederico Coutinho, um dos investidores do antigo fundo.

Em 2018, Warley se mudou para Salvador, terra natal da esposa, à época grávida.  Na capital baiana, moravam na Pituba e circulavam numa Land Rover avaliada em R$ 400 mil. A mudança no padrão de vida indicava os frutos do fundo. A notícia de rendimentos altos de um tal fundo circulou pelas rodas de conversa de parte da classe média alta e rica de Salvador, como aconteceu em Goiânia.

Nos jantares, um Warley vestido de Hugo Boss – marca alemã de roupas de grife – indicava filmes, livros, lugares. Como viajava frequentemente com a família, tinha boas recomendações. Era tido como uma sumidade no tópico investimentos.

A estadia em Salvador também não durou. Ele deixou a cidade, em 2019, sob pretexto da violência e de que, em Portugal, estaria à frente do fuso brasileiro, o que poderia render bons frutos na bolsa de valores. Segundo um economista ouvido sob anonimato, dinheiro não depende de horário. Se assim fosse, a riqueza do mundo estaria concentrada onde o sol nasce primeiro.

Warley diz que provará inocência

Quando podia, Warley voava para Goiânia. Em 2021, ele e dois clientes investiram em um cantor sertanejo. Em três meses, a sociedade se desfez. “Nesse tempo, ele já queria ter o valor que foi investido”, conta um ex-parceiro.

Nas redes sociais, o investidor era ativo. No Instagram, por exemplo, Warley mostrava como os impactos do conflito no mercado. No youtube, dava dicas de investimentos. Desde que anunciou falência, Warley sumiu das redes sociais.

A reportagem enviou questionamentos a Warley. Ele retornou com uma nota pública, que disse ter enviado a todos os ex-cliente. O mineiro afirma que tem sido vítima, com a família, de ameaça, calúnia e injúria, o que foi comunicado à 16º Delegacia Territorial de Salvador. A atuação dele no mercado financeiro, informou, sempre teve “boa-fé e licitude”.

Todos os investidores, afirmou Warley, sabiam que as atividades eram de risco e firmaram contrato em que aceitavam as cláusulas.

Ele ainda disse que a pandemia e os “reflexos imprevisíveis na economia e no mercado financeiro” – aqueles que no jantar realizado em fevereiro deste ano ele defendia como positivos –  impactaram os negócios, o que ele “demonstrará de forma clara e transparente”. | Correio 24 h


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