Embora a chuva insistisse em cair, os integrantes do Terno de Reis Estrela do Oriente mantiveram o ânimo de sua apresentação na noite desta terça-feira (3), como parte da programação do Natal Conquista de Luz. Do palco montado na varanda frontal da Casa Memorial Governador Régis Pacheco, o mestre do grupo, Vitório Gomes, agradeceu às pessoas que, protegidos por guarda-chuvas, mantinham-se firmes, assistindo à performance do grupo.
“Estamos fazendo essa apresentação de coração. Agradecemos a vocês que estão aqui, debaixo de chuva. Viva Santo Reis!”, bradou Vitório, recebendo em seguida os aplausos do público. Assim que concluíram a apresentação no palco, os “reiseiros” desceram para a Praça Tancredo Neves e, sem parar de tocar, rumaram para o presépio sertanejo. Ali, diante da capela e das representações de Maria, Jesus e José (acompanhados por animais e outros “reiseiros” como eles), terminaram a segunda etapa do tradicional percurso. Em seguida, retornaram ao Memorial, onde encerraram a participação.
“É uma satisfação muito grande”, relatou o mestre Vitório, de 54 anos, que coordena o Estrela do Oriente ao lado da esposa, Lucidalva Chaves. Foi mais uma manifestação do roteiro que eles cumprem anualmente – e que se inicia na virada de novembro para dezembro, quando o grupo se reúne, no bairro Jardim Valéria, para começar a ensaiar os cantos e hinos que compõem o repertório. Dessa forma, conseguem manter a tradição do grupo, iniciada há pelo menos quarenta anos. “Começou com meu bisavô e passou para meu avô e para meu pai. Foram deixando um para o outro. E, até o dia em que Deus permitir, estamos aí na luta”, garantiu Vitório.
Além do esforço dos integrantes do Estrela do Oriente e dos outros ternos de reis ainda em atividade no município, essa tradição popular também se deve a pessoas como o casal Elma Dias, 39, e Vítor Alves, 44. Moradores do distrito de Iguá, eles vieram a Vitória da Conquista especialmente para ver de perto a ornamentação da Praça Tancredo Neves e as apresentações dos ternos de reis. “Viemos só para ver a beleza da praça e homenagear. Esta é a melhor ornamentação que eu já vi em toda a minha vida”, explicou Elma. “A prefeita botou pocando”, acrescentou Vítor.
Elma (de vermelho) e Vítor vieram do distrito de Inhobim com os filhos Rayane (de preto), Vinícius e Heloísa, especialmente para participar do Natal Conquista de Luz. “Esta é a melhor ornamentação que eu já vi em toda a minha vida”, disse Elma
Ao lado dos filhos Vinícius, 17 anos, Raiane, 15, e Heloísa, 7, eles não só assistiram à performance dos “reiseiros”, como também os acompanharam enquanto circulavam pela praça. Na parada diante do presépio, aproveitaram para fotografar e filmar o espetáculo. “Isso é cultura, é alegria, é tradição”, elogiou Vinícius, que admitiu ter um apreço especial por ternos de reis.
De artista para artista, a sensação de reviver
No interior da Casa Memorial Governador Régis Pacheco, as exposições de múltiplas linguagens artísticas atraíam as atenções dos visitantes – inclusive dos que entravam lá para se proteger da chuva, como o artista circense Antônio Carlos Silva, de 18 anos. “Achei incrível. Desde a semana passada, ouvi pessoas falando que era um lugar lindo. Achei muito da hora”, observou. “Esta sala, achei a mais linda, pela diversidade de quadros”, avaliou, referindo-se à antessala da casa, onde estão expostos trabalhos de fotografia, pinturas em óleo sobre tela, artes digitais, bordado, esculturas em argila, plastilina, madeira e ferro.
Antônio Carlos visitou o local ao lado dos companheiros do Circo 100 Lona, grupo circense formado em Poções, que se apresenta em escolas, eventos e praças públicas de diferentes cidades. Devidamente caracterizados como personagens de histórias em quadrinhos e de clássicos da literatura infantil, eles mantém na Praça Tancredo Neves um estande chamado “O Encanto do Natal”, onde os visitantes podem se fotografar ao lado de figuras como Mickey, Minnie, Cinderella e Branca de Neve.
Segundo a proprietária do Circo 100 Lona, Marcleide Menezes, o grupo está na quarta geração de artistas circenses: começou na época de seu avô, passou para seus pais e, atualmente, ela coordena os espetáculos ao lado de irmãos, filhos e cunhados. Ela gostou de apreciar as exposições presentes no Memorial – nas quais identificou uma espécie de resistência que ela, como artista, conhece desde que era criança. “Achei tudo muito bonito. Obras de arte muito bem feitas, cordéis bem elaborados”, disse. “Por mais dificuldades que possamos passar, não deixamos de produzir arte. Estamos revivendo, depois da pandemia”, concluiu.
O Memorial abriga artes plásticas, produções audiovisuais, espetáculos de dança e teatro, literatura, registros de performances em lugares públicos, entre outras manifestações artísticas. A dupla formada pelas artistas Noi Soul e Shirley Ferreira, por exemplo, oferece ao público uma exposição literária, inserida numa instalação que remete ao ambiente intrauterino. Quem adentra o espaço, ouve um som ambiente marcado por pulsações semelhantes a batimentos cardíacos e ao movimento de vísceras que se reviram – como se estivesse no interior do ventre materno. Até as cores do local, em tons de cor-de-rosa e lilás, reproduzem o que se imagina que seja a paisagem vista pela criança, antes de nascer. “Cientificamente se diz que essas são as cores que o neném consegue enxergar quando está no útero”, explicou Noi. “A gente queria colocar uma experiência sensorial para que as pessoas pudessem de fato ter um contato, ou ter uma rememoração desse momento em que a gente fica no ventre da nossa mãe”.
O espaço traz ainda exemplares do livro Ventre de mãe, de autoria de Noi, publicado em 2020 pela editora Versejar. A obra traz escritos sobre diferentes aspectos da maternidade. “É a experiência de ser filha, com os poemas, e a de ser mãe, a partir das crônicas”, analisa a autora, que perdeu a mãe, Zenaide, em 2015, um ano antes do nascimento de seu filho Nicolas, hoje com 6 anos.
“O livro traz essa proposta de voltar a esse lugar que foi o nosso lar primeiro. E de ter gratidão a esse ser que nos trouxe, independentemente das relações posteriores que se desenvolveram com a figura da mãe. É importante reconhecer que a gente está aqui a partir dessa mulher, desse ventre que nos carregou”, informou Noi. As exposições estarão presentes no Memorial até o dia 6. | conteúdo integralmente fornecido pela Secom/PMVC