CONQUISTA | Abordagem da GMC é ilegal; STJ veda atuação da guarda municipal como força policial e limita hipóteses de busca pessoal


A repercussão negativa e a indignação provocada por uma abordagem da Guarda Municipal de Vitória da Conquista, a adolescentes nas imediações da Escola Milton Santos, no bairro Patagônia, motivou um protesto de alunos na porta da unidade, na noite desta quarta-feira (17).

A abordagem ocorreu na última terça-feira. Os adolescentes teriam sido agredidos pelos Guardas e colocados no fundo da viatura. Um idoso que tentou intervir teria sido agredido com cassetete, e outras pessoas verbalmente pelos agentes.

Os alunos da escola queimaram pneus, interditaram a rua e levaram cartazes demonstrando a indignação com a situação. As informações são do Blog do Sena e firam confirmadas pelo Sudoeste Digital.

Após toda a repercussão, a Prefeitura e o comando da Guarda Municipal se manifestaram através de uma nota. Segundo o texto, a abordagem foi feita após os agentes serem informados de que dois homens foram vistos vendendo drogas.

Ao revistar os adolescentes, nada foi encontrado, mas o menores teriam agredido e entrado em luta corporal com os agentes, o que fez com que eles fossem contidos e encaminhados para o Disep.

O texto afirma ainda que o local é um “ponto sensível” em relação a violência e que por isso vem recebendo maior atenção dos órgãos públicos. As denúncias feitas estão sendo apuradas pela corregedoria da Guarda.

Confira a nota na íntegra:

Nota à imprensa

Sobre a manifestação de alunos da Escola Milton Santos, situada no bairro Patagônia, na noite desta quarta-feira (17), contra uma abordagem realizada pela Guarda Municipal (GM) a adolescentes, na última terça-feira (16), a Prefeitura de Vitória da Conquista informa que todos os procedimentos administrativos relativos à apuração das denúncias estão sendo realizados pela Corregedoria da Guarda Municipal.

A gestão municipal tem como princípio norteador a preservação da integridade das crianças e adolescentes. Este é um princípio que rege a atuação da administração pública. Dito isso, nesse primeiro momento, o comandante da GM, Cristóvão Lemos, adianta que os fatos relatados pelos servidores não condizem com os apresentados pelos estudantes, conforme constam na ocorrência registrada no Distrito Integrado de Segurança Pública (Disep).

De acordo com o relato dos agentes da Guarda, uma equipe fazia o patrulhamento preventivo na Avenida Brasília, próximo à escola, quando recebeu a denúncia de que havia jovens vendendo drogas na porta da instituição de ensino.

Na abordagem, nenhuma irregularidade foi encontrada com os jovens apontados como supostos traficantes. Após a liberação, os guardas municipais teriam sido vítimas de xingamentos e ameaças proferidas pelos estudantes.

Diante da situação, foi dada voz de prisão a dois jovens que entraram em luta corporal com os agentes de segurança, os quais foram encaminhados ao Disep.

É importante ressaltar que a Escola Municipal Milton Santos vem sendo acompanhada pela Guarda Municipal, através do GRE (Grupo de Rondas Escolar), e como essa escola tem pontos sensíveis, ligados à violência externa, vem recebendo uma atenção maior dos órgãos de Segurança Pública.

Ainda segundo o comandante, todos os esforços estão sendo envidados para preservar a segurança e a promoção da cultura da paz social.

Sexta Turma veda atuação da guarda municipal como força policial e limita hipóteses de busca pessoal

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou o entendimento de que a guarda municipal, por não estar entre os órgãos de segurança pública previstos pela Constituição Federal, não pode exercer atribuições das polícias civis e militares. Para o colegiado, a sua atuação deve se limitar à proteção de bens, serviços e instalações do município.

O colegiado também considerou que só em situações absolutamente excepcionais a guarda pode realizar a abordagem de pessoas e a busca pessoal, quando a ação se mostrar diretamente relacionada à finalidade da corporação.

A tese foi firmada em julgamento de recurso no qual foram declaradas ilícitas as provas colhidas em busca pessoal feita por guardas municipais durante patrulhamento rotineiro. Em consequência, foi anulada a condenação do réu por tráfico de drogas.

O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, destacou a importância de se definir um entendimento da corte sobre o tema, tendo em vista o quadro atual de expansão e militarização dessas corporações.

Leia também: Sexta Turma anula provas obtidas pela guarda municipal em investigação motivada por denúncia anônima

Segundo explicou, o propósito das guardas municipais vem sendo significativamente desvirtuado na prática, ao ponto de estarem se equipando com fuzis, armamento de alto poder letal, e alterando sua denominação para “polícia municipal”.

Atribuições da guarda municipal foram definidas na Constituição de 1988

O ministro apontou que o poder constituinte originário excluiu propositalmente a guarda municipal do rol dos órgãos da segurança pública (artigo 144, caput) e estabeleceu suas atribuições e seus limites no parágrafo 8º do mesmo dispositivo.

Schietti observou que, apesar de estar inserida no mesmo capítulo da Constituição, a corporação tem poderes apenas para proteger bens, serviços e instalações do município, não possuindo a mesma amplitude de atuação das polícias.

Conforme o ministro, as polícias civis e militares estão sujeitas a um rígido controle correcional externo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que é uma contrapartida do exercício da força pública e do monopólio estatal da violência. Por outro lado, as guardas municipais respondem apenas, administrativamente, aos prefeitos e às suas corregedorias internas.

Para ele, seria potencialmente caótico “autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo”.

Não é qualquer um que pode avaliar se há suspeita para a busca

O ministro explicou que a guarda municipal não está impedida de agir quando tem como objetivo tutelar o patrimônio do município, realizando, excepcionalmente, busca pessoal quando estiver relacionada a essa finalidade. Essa exceção, entretanto, não se confunde com permissão para realizar atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias no combate à criminalidade.

Em seu voto, Schietti assinalou que a fundada suspeita mencionada pelo artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP) é um requisito necessário para a realização de busca pessoal, mas não suficiente, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar sua presença.

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Quanto ao artigo 301 do CPP, que permite a qualquer pessoa do povo efetuar uma prisão em flagrante, o ministro observou que não é fundamento válido para justificar a busca pessoal por guardas municipais, ao argumento de que quem pode prender também poderia realizar uma revista, que é menos grave.

A hipótese do artigo 301, segundo ele, se aplica apenas ao caso de flagrante visível de plano, o qual se diferencia da situação flagrancial que só é descoberta após a realização de diligências invasivas típicas da atividade policial, tal como a busca pessoal, “uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes”.

Leia o voto do relator no REsp 1.977.119.


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