CASO CASULO | MP e PF terão acesso a relatório final sobre denúncias de corrupção em área de reforma agrária em Vitória da Conquista

O relatório final que apura relatos de corrupção e venda ilegal de lotes destinados à reforma agrária, no Projeto Casulo, em Vitória da Conquista, a 509 km de Salvador, deve ser remetido na próxima semana ao Ministério Público, que por sua vez oferecerá denúncia contra os citados nas investigações.
Imagem Comissão de Fiscalização dos Atos do Executivo se reúne com moradores do Projeto Casulo

Conforme apurado pelo Grupo de Investigação do Sudoeste Digital, os documentos também devem ser avaliados pela Polícia Federal, já que a área em questão foi cedida pelo INCRA e teve alegados desvios de maquinário e verbas públicas federais. O Projeto Casulo “Fazenda Bela Vista da Serra”, numa área total de 371 hectares, foi criado no ano de 2000.

Um áudio que circula em grupos nas redes sociais, ao qual o Sudoeste Digital teve acesso (ouça abaixo), amplia as denúncias contra suposto esquema de vendas de lotes e transferência ilegal de terras no Projeto Casulo

OUÇA O ÁUDIO NA ÍNTEGRA

O Projeto Casulo, ambientado na região da Pedra Branca, às margens da BR-116. é fruto de convênio celebrado entre o Município e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com a finalidade de promover o assentamento de famílias carentes que nela deveriam exercer atividades agrícolas. 

O presidente da Comissão de Fiscalização dos Atos do Executivo da Câmara de Vereadores, Rodrigo Moreira (Progressistas), confirmou, por meio da Assessoria de Comunicação da Casa, que o relatório será dado entrada, “mais tardar, semana que vem, no Ministério Público”. A relatoria é do vereador Valdemir Dias (PT).

 “Não estamos apontando o dedo para ninguém, nós só queremos proteger o patrimônio público, ali é um local que prioritariamente deve ser dado a pessoas de baixa renda e pelo que a gente tem visto há pessoas dentro do padrão, e também muitas que não estão. Ninguém pode dar um patrimônio pra gente que tem dinheiro” – Rodrigo Moreira.

As denúncias de antigos assentados no Projeto Casulo apontaram como mentora das irregularidades Geanne Oliveira, secretária de Governo da gestão Herzem Gusmão (MDB). (AMBOS ABAIXO, EM IMAGEM DE ARQUIVO).

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IRREGULARIDADES – De acordo com a denúncia, que chegou à Comissão de Fiscalização dos Atos do Executivo da Câmara, Geanne atua como braço-de-ferro num esquema de suposta intermediação e venda ilegal de lotes, inclusive com a transferência – por meio de transação irregular, de áreas para parentes de primeiro, segundo e terceiro graus, incluindo (ainda de acordo com os denunciantes) sua irmã, o cunhado e cinco sobrinhos.

Em um vídeo da reunião da comissão da Câmara que ouviu compradores e diretoria da Associação, em 5 deste ano ao qual o Sudoeste Digital teve acesso (VEJA ABAIXO), assentados ilegais assumem que comercialização de lotes no projeto, inclusive com a participação de diretores da Associação do Projeto Casulo, que teria intermediado a venda de um dos lotes para Sílvio, cunhado da secretária de Governo. (Entre os minutos 6 e 8m20s do vídeo). A diretoria da entidade foi solicitada, mas não apresentou a ata das reuniões.

A assentada Aulenice Maria de Jesus, que assume ter vendido parte do lote, revelou ao Sudoeste Digital, em 13 de fevereiro deste ano, com funciona o esquema ilegal. (VÍDEO ABAIXO)

Segundo os beneficiários, o Projeto Casulo, com 40 lotes, criado com fins específicos para assentar 40 famílias cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 2017, foi descaracterizado e se transformou em fruto de especulação imobiliária.

DENÚNCIAS GRAVES – Os lavradores assentados estariam perdendo suas terras para especuladores. Em vez de lavouras, como exige o projeto original, os invasores do projeto constroem casas de médio padrão para fins de revenda ou de lazer. Além de desvio de finalidade, há ainda denúncias de desvios de verbas e máquinas agrícolas federais, como um trator que desapareceu do projeto.

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“Quem se arrisca a denunciar essa invasão e assédio às famílias para entregar os lotes está sofrendo ameaça de morte”, contou um morador, sob anonimato. “Tem gente sendo seguida por pessoas estranhas, em carros e com medo de ter a casa incendiada ou ser morto diante das ameaças em grupo de whatsapp”.

Na transação ilegal, que envolve milhões, além de coagir as famílias os especuladores forjam documentos de compra e venda e adquirem lotes por valores em torno de R$50 mil e repassam a terceiros por até R$300 mil.

Foi o que aconteceu com a lavradora Aulenice Maria de Jesus (acima e abaixo), 70 anos, que vendeu, ilegalmente, por R$50 mil, uma área de 100 metros quadrados à familiares de Geanne Oliveira.

Segundo ela, logo após ficar doente e muito debilitada os compradores identificados como o casal Sílvio Azevedo da Silva e Bene, cunhado e irmã de Geanne, se aproveitaram do seu estado de saúde debilitado, em 2018 e a fizeram assinar um documento para a cessão das terras. As filhas da lavradora intermediaram a negociata. A reportagem não consegue contato com o casal.

Ainda segundo a denunciante, que assim como os demais assentados legalmente possuía uma área individual de 3 hectares (equivalente a 3 campos de futebol), em vez dos 100 metros quadrados acordado na venda os compradores se apossaram de 17 mil metros quadrados

O Decreto Federal nº 59.428 de 27 de Outubro de 1966 proíbe fracionamento do lote, mesmo em caso de sucessão. O Ministério Público Federal (MPF) já tem conhecimento das denúncias, por meio da Sala de Atendimento ao Cidadão e deve solicitar diligências da Polícia Federal.

“Sei que estou errada em ter vendido, mas eles também estão, por isso procurei a polícia para registrar um boletim e estou sendo atendida pela Defensoria Pública para ter minha terra de volta”, contou a lavradora, relatando ameaças verbais. “Eu temo pela minha vida, tenho medo de ser morta”, desabafou.

Apesar de configurar crime federal, por se tratar de área sob a tutela financeira do Incra, não é raro se encontrar placas de venda em lotes. Para que o projeto se tornasse realidade, o governo Federal, por meio do Incra, disponibilizou créditos de implantação, destinados á alimentação, ao fomento e a habitação.

Tudo estava sendo cumprido à risca, segundo o ex-presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais dos Assentados no Projeto Casulo da Fazenda Bela Vista da Serra, Lourivaldo de Jesus Silva, mas depois da intervenção de Geanne, com a nova diretoria, teve início a descaracterização do projeto para que fosse transformado em loteamento urbano, burlando o projeto original do assentamento.

Para assegurar o que os assentados consideram fraude e ainda ampliar o número de lotes, de 40 para 171, Geanne teria contado com a anuência do prefeito Herzem Gusmão, que – sem conhecer o teor da situação envolvendo as denúncias – publicou o Decreto nº19.989, em 23 de dezembro do ano passado, tornando pública, “para fins de regularização fundiária rural, a lista de beneficiários que serão contemplados com o título de domínio sobre os imóveis rurais localizados na Fazenda  Bela Vista da Serra”.

Mesmo sem passar por auditoria, perícia ou fiscalização, o prefeito declara no decreto que “os possuidores de imóveis rurais da Fazenda Bela Vista da Serra cumprem todos os requisitos normativos para serem contemplados com o título de domínio previsto no artigo 19 do Decreto federal 9.309/18“.

Será transferido aos beneficiários, incluindo os ilegais, por meio do referido título de domínio, o direito real de propriedade sobre os imóveis resultantes do desmembramento da área total da Fazenda Bela Vista da Serra, que possui 371 hectares.

Assessores, secretários e políticos ligados ao prefeito teriam recomendado ao chefe do executivo a revogação do decreto a fim de evitar desgastes e eventuais problemas com investigações. 

Para se isentar de responsabilidade jurídica, no decreto a Prefeitura enfatiza que “a lista das pessoas que serão contempladas com o título de propriedade” fora elaborada com o auxílio e a chancela da Associação dos Trabalhadores Rurais dos Assentados no Projeto Casulo da Fazenda Bela Vista da Serra, “que acompanhou todo o  procedimento  e  é  corresponsável  pela  veracidade  das  informações  contidas na lista”.

Não é o que foi apurado, em 13 de fevereiro deste ano, pela reportagem do Sudoeste Digital. Dentre os possuidores de imóveis, adquiridos ilicitamente, estão empresários e pessoas que não se encaixam no perfil do projeto, conforme estabelecido pelo Decreto Federal nº 59.428 de 27 de Outubro de 1966, tais como: proprietários de estabelecimento de indústria ou comércio; funcionários públicos; residir com sua família na parcela, explorando-a direta e pessoalmente.

Dos 113 contemplados pelo decreto (CLIQUE AQUI) , pelo menos sete teriam laços familiares com Geanne, os sobrinhos Pietro e Rafael Oliveira da Silva Azevedo, filhos de Sílvio e Bene. A secretária de governo só se manifesta por meio da Secretaria de Comunicação. (LEIA ABAIXO).

Nas denúncias protocoladas pelos denunciantes está configurado peculato, crime que consiste na subtração ou desvio, mediante abuso de confiança, de bens para proveito próprio ou alheio, por funcionário público que os administra ou guarda.

312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.


Prefeitura reconheceu irregularidades e suspendeu regularização da área

Assim que a reportagem foi publicada, em 13 de fevereiro, a Prefeitura de Vitória da Conquista suspendeu, de forma temporária, a regularização da área do Projeto Casulo, concebido em 2000 para fins de reforma agrária, beneficiando 40 famílias,

A suspensão do decreto ocorreu no mesmo dia em que o Sudoeste Digital publicou reportagem com várias denúncias envolvendo o nome da secretária de Governo, Geanne Oliveira. Logo pela manhã a reportagem solicitou posicionamento da Prefeitura que, em vez de responder, optou pela suspensão do decreto.

PREFEITURA – Ao tomar conhecimento da reportagem, a Prefeitura emitiu nota no site oficial, reconhecendo diversas falhas no projeto. “A inconsistência de informações e problemas apresentados originalmente no Projeto Casulo fez com que o prefeito Herzem Gusmão determinasse à Procuradoria Geral do Município a suspensão temporária da regularização da área”, destaca. 
“Ainda hoje (dia 13), a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista publica no Diário Oficial um Decreto suspendendo essa regularização”, reforçou. De acordo com a nota, o prefeito já havia determinado a revisão da regularização, sendo que “foram detectados problemas no projeto original e inconsistências de dados”. 

Quando criado, o Casulo abrigava 40 famílias de baixo poder econômico. No levantamento atual, feito pela Prefeitura, ficou demonstrado que hoje algumas famílias abastadas ocupam a área. – NOTA DA PMVC

“A suspensão da regularização vai servir para que a Procuradoria Geral do Município possa construir todo o processo administrativo e histórico e, só a partir desse levantamento, dar continuidade à regularização”, continua a nota.

LEIA O RESTANTE DA NOTA

De acordo com a procuradora geral, Nadjara Régis, houve, no passado, uma descaraterização do projeto. Esta descaraterização ocorreu há pelo menos 10 anos e é preciso entender como as atuais famílias passaram a ocupar a área, entre outros levantamentos que serão feitos.

“Precisamos ver de que forma o Incra reconhece, ou não, a área. Teremos que fazer uma pesquisa árdua, precisa e consistente. Somente depois de trabalharmos todas as etapas poderemos definir de que forma a regularização será feita, respeitando todos os requisitos legais possíveis. Esta foi a determinação que recebi do prefeito”, afirmou a procuradora.

N.R.: A reportagem sempre solicitou posicionamento da Prefeitura de Conquista sobre o assunto. A pedido da Secretaria de Comunicação a reportagem informou sobre o teor da reportagem, mas mesmo diante da gravidade das denúncias envolvendo a secretária de Governo, Geanne Oliveira, nenhum reposta foi encaminhada, contrariando a propaganda de “primeira colocada na região Nordeste e quarta no país no ranking de transparência na gestão pública”.


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