PROJETO CASULO | Incra deve acionar a Justiça para retomar área de 371 hectares e expulsar ocupantes ilegais

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) deve retomar o controle da área no Projeto Casulo, em Vitória da Conquista, originalmente concebido para fins de reforma agrária e emitir documentos das propriedades a 14 assentados nativos, dos 40 que receberam lotes em 2000.

Os 26 restantes devem perder o direito à terra, por terrem comercializado lotes, contrariando determinações do órgão. Ainda conforme apurado, a direção do Incra não sabe qual o destino a ser dado às 26 áreas de 3 hectares (a que cada um tem direito).

Para isso, o Incra irá solicitar, por meio da Justiça Federal, o estorno da área, antes cedida pela Prefeitura de Conquista mas que, numa manobra, acabou novamente sob o domínio do município, à revelia do órgão. O órgão não se manifestou oficialmente.

Como a área de 371 hectares do Projeto Casulo “Fazenda Bela Vista da Serra” se transformou em objeto de especulação imobiliária, sendo dividida em 171 lotes, o primeiro passo do Incra, por meio da Justiça, será cancelar o cadastro de georreferenciamento das áreas transferidas, de forma ilegal, a terceiros.

Denunciado pelo Sudoeste Digital, numa série de reportagens, o caso “Projeto Casulo” será alvo de apuração pela Comissão de Atos do Executivo da Câmara de Vereadores. Uma das primeiras providências será ouvir, nessa quinta-feira, 27, denunciantes, a secretária de Governo, Geanne Oliveira e diretores da Associação dos Trabalhadores Rurais dos Assentados no Projeto Casulo da Fazenda Bela Vista da Serra.

No último dia 20 o prefeito de Vitória da Conquista, Herzem Gusmão (MDB) rompeu o silêncio sobre as denúncias de supostas fraudes no Projeto Casulo (imediações do Distrito Industrial) envolvendo – dentre outras pessoas, a sua secretária de Governo, Geanne Oliveira, presidente do MDB Mulher.

Em entrevista na Rádio Clube de Conquista, Gusmão se isentou de responsabilidade, alegando que o problema foi deixado pelo seu antecessor, Guilherme Menezes (PT), acrescentando que o atual vice-presidente dos Partidos dos Trabalhadores, Noeci Ferreira Salgado, tomava conta da área, citando um número de 171 elegíveis para obter lotes no Projeto Casulo, em vez dos 40 lavradores originais, conforme consta no projeto original.

“Pelo que eu vi ali isso vai acabar tendo que a Justiça definir. E pelo que estou vendo, Humberto (Pinheiro, apresentador do programa de rádio), sabe quando é que aquilo vai ser definido? Nunca, porque está muito complicado”, afirmou Gusmão, não respondendo os motivos que levam a manter Geanne no cargo, mesmo com investigações em curso, determinadas pela própria Prefeitura.

Procurado pela reportagem para se pronunciar sobre as declarações do prefeito, o PT se manifestou por meio de nota, observando que “ante o exposto e considerando a gravidade das denúncias que pairam sobre membros de primeiro escalão do governo Herzem, o Diretório Municipal do PT repudia as declarações do radialista/prefeito e em tempo exige o afastamento dos envolvidos e a apuração dos fatos”.

As terras, dentro do perímetro urbano da cidade, alcançaram alto valor e se transformaram em alvo de especulação imobiliária

O Projeto Casulo, que era pra ser um projeto exitoso de reforma agrária, beneficiando 40 famílias de lavradores de Vitória da Conquista, se transformou em objeto de especulação imobiliária, atraindo pessoas abastadas, a exemplo de empresários agrícolas e engenheiros agrônomos.

Dia 13 deste mês, quando o Sudoeste Digital publicou denúncias de lavradores listando as supostas irregularidades, a Prefeitura suspendeu o decreto que daria posse a 113 pretendentes a escrituras – a maioria citada como irregulares.

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A suspensão é de forma temporária, sustando a regularização da área do Projeto Casulo “Fazenda Bela Vista da Serra”, concebido em 2000 para fins de reforma agrária, beneficiando famílias, numa área de 371 hectares. A reportagem tem solicitado, sem retorno, posicionamento da Prefeitura.

A Secretaria de Comunicação, responsável pelo agendamento de entrevistas com secretários e demais membros dos primeiro e segundo escalões, também não permite pronunciamento de Geanne Oliveira.

Uma das lavradoras beneficiadas pelo projeto, Aulenice Maria de Jesus (acima), 70 anos, vendeu, ilegalmente, por R$50 mil, uma área de 100 metros quadrados à familiares de Geanne Oliveira. Segundo ela, logo após ficar doente e muito debilitada os compradores identificados como o casal Sílvio Azevedo da Silva e Bene, cunhado e irmã de Geanne, se aproveitaram do seu estado de saúde debilitado, em 2018 e a fizeram assinar um documento para a cessão das terras.

As filhas da lavradora intermediaram a negociata. A reportagem tenta contato com o casal. A reportagem do Sudoeste Digital tenta contato com os citados pela lavradora.

Ainda segundo a denunciante, que assim como os demais assentados legalmente possuía uma área individual de 3 hectares (equivalente a 3 campos de futebol), em vez dos 100 metros quadrados acordado na venda os compradores se apossaram de 17 mil metros quadrados. 
O Decreto Federal nº 59.428 de 27 de Outubro de 1966 proíbe fracionamento do lote, mesmo em caso de sucessão. O Ministério Público Federal (MPF) já tem conhecimento das denúncias, por meio da Sala de Atendimento ao Cidadão e deve solicitar diligências da Polícia Federal.
 “Sei que estou errada em ter vendido, mas eles também estão, por isso procurei a polícia para registrar um boletim e estou sendo atendida pela Defensoria Pública para ter minha terra de volta”, contou a lavradora, relatando ameaças verbais. “Eu temo pela minha vida, tenho medo de ser morta”, desabafou.
PREFEITURA – Ao tomar conhecimento da reportagem, a Prefeitura emitiu nota no site oficial, reconhecendo diversas falhas no projeto. “A inconsistência de informações e problemas apresentados originalmente no Projeto Casulo fez com que o prefeito Herzem Gusmão determinasse à Procuradoria Geral do Município a suspensão temporária da regularização da área”, destaca. 
“Ainda hoje (dia 13), a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista publica no Diário Oficial um Decreto suspendendo essa regularização”, reforçou. De acordo com a nota, o prefeito já havia determinado a revisão da regularização, sendo que “foram detectados problemas no projeto original e inconsistências de dados”. 

Quando criado, o Casulo abrigava 40 famílias de baixo poder econômico. No levantamento atual, feito pela Prefeitura, ficou demonstrado que hoje algumas famílias abastadas ocupam a área. – NOTA DA PMVC

“A suspensão da regularização vai servir para que a Procuradoria Geral do Município possa construir todo o processo administrativo e histórico e, só a partir desse levantamento, dar continuidade à regularização”, continua a nota.

LEIA O RESTANTE DA NOTA

De acordo com a procuradora geral, Nadjara Régis, houve, no passado, uma descaraterização do projeto. Esta descaraterização ocorreu há pelo menos 10 anos e é preciso entender como as atuais famílias passaram a ocupar a área, entre outros levantamentos que serão feitos.

“Precisamos ver de que forma o Incra reconhece, ou não, a área. Teremos que fazer uma pesquisa árdua, precisa e consistente. Somente depois de trabalharmos todas as etapas poderemos definir de que forma a regularização será feita, respeitando todos os requisitos legais possíveis. Esta foi a determinação que recebi do prefeito”, afirmou a procuradora.  

Pista de treino para animais, casas de luxo e loteamento irregular ocupam área pública para reforma agrária


O Projeto Casulo, que era pra ser um projeto exitoso de reforma agrária, beneficiando 40 famílias de lavradores de Vitória da Conquista, se transformou em objeto de especulação imobiliária, atraindo pessoas abastadas, a exemplo de empresários agrícolas e engenheiros agrônomos.

Além de casas de luxo, na área pública, sob o domínio da Prefeitura, foram construídos sítios para lazer e até uma pista para treinamento de animais (acima). Imagens obtidas pela Sudoeste Digital mostram que a ocupação irregular, com oferta irregular de lotes para venda, começou há mais de três anos.

O município de Vitória da Conquista era proprietário do imóvel rural denominado Fazenda Bela Vista da Serra, o qual está registrado no 1º Ofício de Registro de Imóveis de Vitória da Conquista sob a matrícula nº 23.299 e inscrito no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) sob o código rural nº 315.125.010.464-1.

A Prefeitura doou área ao Incra, mas a mesma foi foi revertida ao patrimônio do município. A Prefeitura diz desconhecer o motivo, por isso, ainda no decreto que suspende o anterior, o prefeito Herzem Gusmão cobra explicações dos envolvidos.

Vale ressaltar que, a Lei Municipal 1.011, de 1999, originada da aprovação do Projeto de Lei 788, de 1999, autorizou a doação da área da Fazenda Bela Vista para o INCRA, com o objetivo de assentar, de início, 40 famílias “carentes beneficiárias da zona  urbana  com  vocação  e  aptidão  para  a  produção,  uma  forma  alternativa  para geração de emprego e renda”, para a finalidade de “proporcionar o desenvolvimento de um polo de produção agrícola no entorno da cidade. (Grifo nosso).

Sem conhecimento da própria Prefeitura, conforme relatado no decreto de suspensão da regularização fundiária, a área de que trata a Lei  Municipal 1.011, de 1999, e que foi efetivamente transferida aos domínios do Incra, foi revertida ao patrimônio do município, mas a Prefeitura diz desconhecer o motivo. Por isso, ainda no decreto, o prefeito cobra explicações.

De acordo com denúncias protocoladas em órgãos de fiscalização por assentados legalmente no projeto – e que se sentem ameaçados pela invasão de pessoas sem o perfil para reforma agrária, todo processo irregular é intermediado pela secretária municipal de governo, Geanne Oliveira com a suposta conivência da Associação dos Trabalhadores Rurais dos Assentados no Projeto Casulo da Fazenda Bela Vista da Serra.

“As providências adotadas até o momento para regularizar a situação de ocupação daquela área, após a análise jurídica requerida pelo prefeito municipal, não se mostraram suficientes para ofertar segurança informacional sobre os  destinos  do  Projeto  Casulo,  sendo  que  ainda  não  consta  no  processo administrativo  documento  que  demonstre  que  a  área  de  que  trata  a  Lei  Municipal 1.011, de 1999, foi efetivamente transferida aos domínios do INCRA, bem como em que momento e por que foi revertida ao patrimônio do Município”. – Decreto N.º 20.130,de 13 de fevereiro de 2020

Ainda segundo as denúncias, que chegaram até a Câmara Municipal, por meio da Comissão de Atos do Executivo, para tentar descaracterizar a proposta inicial de reforma agrária e, assim, dar ares de legalidade à área total de 371 hectares, a associação teria aletrado o projeto original e dividiu os 40 lotes em 171 áreas.

“O processo administrativo demonstra que houve, com o passar dos  anos,  aquisição  de  posse  de  glebas  na  Fazenda  Bela  Vista,  mediante alienação, sendo isto forte indício de ausência de fiscalização do poder público, bem como  de  ausência  de  ações  governamentais  que  garantissem  a  preservação  do patrimônio público ou o cumprimento do escopo da Lei Municipal nº 1.011, de 1999”. – Decreto N.º 20.130,de 13 de fevereiro de 2020

Em seguida, os interessados na especulação imobiliária teriam convencido o prefeito Herzem Gusmão (MDB) a assinar um decreto com a relação dos beneficiários, mesmo sem conhecer o teor da situação envolvendo as denúncias. Dos 171 lotes, inicialmente 113 já estariam prontos para se tornar posseiros.

No decreto suspenso, ao qual tivemos acesso, a relação completa das 113 pessoas que seriam contempladas. VEJA A RELAÇÃO COMPLETA ABAIXO.

A exemplo do que tem feito, desde o início da publicação das denúncias, a reportagem do Sudoeste Digital procurou a Prefeitura de Conquista, por meio da Secretaria Municipal de Comunicação, nesta quarta-feira, 26, mas não obteve respostas.

A Prefeitura, também por meio da Secom, responsável pelo agendamento de entrevistas do prefeito, secretários e demais cargo de confiança, não permite que Geanne Oliveira conceda entrevista à imprensa.

O presidente da Associação, Paulo Novais, também contactado pela reportagem no decorrer das reportagens, disse à época que iria se manifestar por meio de nota pública a respeito dos fatos elencados nas denúncias. A reportagem continua aguardando o contato.

Dentre as perguntas sem respostas estão pedidos de explicação sobre a ocupação irregular, inclusive por parentes de primeiro, segundo e terceiro graus da secretária de governo, assim como supostas cobranças de taxas para emissão de escrituras e agenciamento de contrato de compra e venda de lotes no Projeto Casulo.

DECRETO SUSPENSO – Tudo parecia caminhar para a regularização dos lotes divididos e emissão de títulos de propriedade, mas diante das denúncias de irregularidades, por pouco o Decreto nº19.989, em 23 de dezembro do ano passado, tornando pública, “para fins de regularização fundiária rural, a lista de beneficiários que serão contemplados com o título de domínio sobre os imóveis rurais localizados na Fazenda  Bela Vista da Serra” não foi levado a termo.

A lista das pessoas que deveriam ser contempladas com o título de propriedade foi elaborada com o auxílio e a chancela da Associação dos Trabalhadores Rurais dos Assentados no Projeto Casulo da Fazenda Bela Vista da Serra, pessoa jurídica de direito privado inscrita no CNPJ sob o nº: 03.150.094/0001-73, que acompanhou todo o  procedimento e é corresponsável  pela  veracidade  das  informações contidas na lista.

No mesmo dia em que a reportagem investigativa foi publicada, Herzem Gusmão reconheceu as irregularidades e publicou novo decreto (Decreto N.º 20.130,de 13 de fevereiro de 2020) suspendendo os efeitos do decreto 19.989, de 23 de dezembro de 2019, “para que seja concluída  a  instrução  do  processo  administrativo  de  regularização da situação de ocupação irregular da área pública municipal referida na Lei Municipal 1.011, de 1999. (Grifo nosso).


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