Viabahia terá de pagar R$ 100 mil em indenizações por danos em casas

Moradores mostram rachaduras que dizem ter sido causadas por obras em rodovia na Bahia

Acionada na Justiça por quase 300 pessoas que se dizem prejudicadas por causa
de rachaduras em suas casas, supostamente causadas pelas obras de duplicação
de uma rodovia federal na Bahia, a concessionária Viabahia foi condenada nesta
semana a pagar quase R$ 100 mil em indenizações e danos morais.

O valor é referente ao julgamento das três primeiras ações, cujas sentenças foram
dadas na segunda-feira (3) pelo juiz Nunisvaldo dos Santos, do Juizado Especial
Cível de Santo Estevão, município de 53 mil habitantes, localizado a 148 km de
Salvador. Outras sentenças sobre ações do mesmo tipo devem ser divulgadas nos
próximos dias.
Controlada pelas empresas Isolux e Engevix, a Viabahia informou que
recorrerá das decisões e reclamou da falta de perícia técnica que comprove a culpa
dela nos danos causados aos imóveis.

Nas decisões, cujo teor é idêntico, mudando apenas o autor da ação e os valores a
serem pagos, o juiz Nunisvaldo dos Santos afirma que “a necessidade de perícia
técnica, por si só, não tem o condão de tornar a causa complexa, desde que outras
provas sejam suficientes para formar o convencimento do julgador”.
A Viabahia possui desde 2009 a concessão, por 25 anos, das BRs 116 (Feira de
Santana-divisa Bahia/Minas Gerais) e 324 (Feira de Santana-Salvador) e das
rodovias estaduais 526 e 528, que ligam a BR-324 à Base Naval de Aratu, na
Grande Salvador.
São, ao todo, 680 km de rodovias sob concessão. Há sete praças de pedágio: duas
na BR-324, onde são cobrados R$ 2,50 na passagem de automóveis; e cinco na
BR-116, com tarifa de R$ 4,50 para carros.

Inspeção judicial 

As obras de duplicação, iniciadas em 2010, foram realizadas em um trecho de 64
km (incluindo a parte de Santo Estevão, feitas de 2013 a 2016), restando 12 km
para a conclusão.
Outros locais da pista serão duplicados à medida que o fluxo superar mais de 6.500
veículos/dia, conforme previsto no contrato de concessão entre a Viabahia e a
ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

O trecho da BR-116 que falta ser duplicado em sua totalidade vai de Feira de
Santana à ponte sobre o rio Paraguaçu, que fica próximo a Santo Estevão. A ponte
também está sendo duplicada, com 70% de obras realizadas.

A previsão de entrega das obras deste trecho é para o final de 2017, declarou a
Viabahia, que firmou com o governo federal o compromisso de investir cerca de R$
2 bilhões para duplicar todo o trecho concedido –a concessionária diz já ter gasto
mais de R$ 1,7 bilhão em obras de infraestrutura.
Nunisvaldo dos Santos, que realizou no final do mês passado inspeção no local,
entendeu que os danos causados à residência foram causados pelas obras na BR-
116.

Ele escreveu nas decisões, que “por ocasião das obras, várias máquinas
‘pesadas’, utilizadas para compactar o solo, causaram um tremor tão grande nas
imediações que o imóvel da parte autora foi bastante atingido e danificado,
comprometendo seriamente sua estrutura e colocando a vida dos que ali habitam
em iminente risco, haja vista a real probabilidade de desabamento”.

Os argumentos da Viabahia nos autos do processo não foram “suficientes para
desconstituir o direito da parte autora [da ação]”, afirmou o juiz na sentença.
“Ademais”, assinalou o magistrado, “o fato de eventual construção se encontrar na
faixa de domínio da rodovia, não exime a responsabilidade da acionada no caso de
causar prejuízos a terceiros, ainda mais quando se trata de imóveis habitados por vários anos, sem nenhuma impugnação ou embargo do poder público”.

Em nota, a Viabahia informou que “respeita a decisão judicial e irá acionar
os recursos legais para obter a reforma da decisão em instância superior”.

Acordos extrajudiciais 

A maioria dos imóveis prejudicados está a uma distância que varia de 30 a 100
metros da BR-116, próximo a Santo Estevão, onde a Viabahia é criticada por
realizar acordos extrajudiciais e negociar valores irrisórios como forma de
indenização para quem teve danos.
A reportagem teve acesso a contratos em que a empresa pagou valores entre R$ 5.000 a
R$ 12 mil. Nestes contratos, nos quais a empresa assume a culpa nos prejuízos às
casas, conforme entendeu a Justiça, havia cláusulas de sigilo válidas por cinco
anos.
A reportagem questionou à concessionária se ela ingressou com ações de
reintegração de posse contra as famílias cujas casas estariam dentro desta faixa de
domínio ou se elas foram legalmente indenizadas, mas a Viabahia não respondeu.

O juiz Nunisvaldo dos Santos considerou a cláusula uma “evidente má-fé” da
Viabahia e escreveu que “nos causa espécie o fato de que a cláusula de sigilo
coincide com o prazo prescricional de todas as outras vítimas, as quais, quase que
em sua totalidade, são compostas por pessoas financeiramente hipossuficientes [de
baixa renda], semianalfabetas e de pouca informação”.
O advogado Nirvan Dantas, que atua na defesa dos moradores prejudicados,
afirmou que “a situação da maioria das famílias é de calamidade, de gente que não
tem mais onde morar”.
“Estamos dando suporte em todos esses casos e vamos tomar as providências
necessárias. Consideramos como irregulares todos os acordos extrajudiciais feitos
com essas pessoas que nem sequer têm instrução para saber o que estão
assinando”, afirmou o advogado.

Casa derrubada 

Pai de cinco filhos com idades entre dois e nove anos, o pintor desempregado Ary
de Souza Pinheiros, 32, é uma das pessoas que fizeram esses acordos com a
Viabahia, “mas fiz isso para não ficar de mãos vazias, pois a empresa derrubou
minha casa”, ele disse.
Após mais de dez anos trabalhando em São Paulo, juntando dinheiro, Ary tinha
voltado para Santo Estevão, onde começou a construir uma casa, na comunidade
de Cabeça da Vaca, a 30 metros da BR-116 e a 5 km da cidade.
“Gastei cerca de R$ 30 mil para construir, já estava para mudar. Não me avisaram
que derrubariam a casa, que só faltava pintar”, contou.

Parte dos R$ 5.000 que ele
recebeu da Viabahia foi usado para contratar um advogado e entrar com a ação de indenização.
Nas comunidades que margeiam a BR-116, batizada pela Viabahia de “Rodovia
Santos Dumont”, o que não faltam são pessoas reclamando do medo de verem
suas casas desabarem e da desvalorização imobiliária.
“Eu construí uma casa de 14 m x 17 m, toda na laje, e a dividi em três partes: um
depósito para material de construção, um cômodo comercial e uma residência. Há
oito meses que ninguém quer alugar nada aqui”, declarou o pedreiro Antonio Wilson
da Silva Nascimento, 43, cujo imóvel ele avalia em R$ 120 mil.

“Comecei alugando a parte comercial, onde funcionava um salão de beleza, por R$
350, caiu para R$ 120 e hoje ninguém quer mais.”
Na casa, o problema pior é na laje, onde, segundo disse Nascimento, prepostos da
Viabahia colocaram borra de asfalto nas rachaduras para ver se solucionava o
problema. “Piorou e eu perdi a laje”, lamentou.
Nascimento, após tentativas de negociações com a Via Bahia, diz que assinou
contrato extrajudicial de R$ 12 mil. “Eu assinei sem ler, pois tenho pouca instrução,
depois que vim ver que tinha a cláusula de sigilo, o que não achei certo”, afirmou.
Na comunidade de Posto São Caetano, a 6 km de Santo Estevão, o agente de
endemias Deneval Borges dos Santos, 41, conta que a casa do pai dele, Manoel
Senhorinho, está fechada, por conta de medo de desabamento.
Ele falou que ainda vai ingressar na Justiça contra a Viabahia: “As rachaduras
começaram a aparecer desde o início das obras de duplicação. Ninguém quer mais
ficar na casa, o último morador saiu há seis meses”.

Outras condenações 

A Viabahia enfrenta também problemas com a Justiça Federal nos 100 km da BR-
324 que separam Feira de Santana de Salvador.
Em 2012, a concessionária foi acionada pelo MPF (Ministério Público Federal) junto
com a ANTT, autarquia federal responsável por fiscalizar o cumprimento do contrato
de concessão.
O motivo foi a falta de realização de serviços diversos por parte da Viabahia, já no
caso da ANTT a justificativa foi a ausência de fiscalização. Em 2013, numa decisão
liminar (temporária), a concessionária foi multada em R$ 50 mil por dia de atraso na
instalação dos equipamentos, porém recorreu.

A sentença em primeira instância só foi dada em janeiro deste ano, quando a
Justiça Federal determinou a colocação de equipamentos de detecção e
sensoriamento de pista, sensoriamento meteorológico, circuito fechado de TV,
detectores de altura, sistema de controle de velocidade e de pesagem nos postos
fixos e a instalação de balanças móveis.
A concessionária recorreu, mas em 4 de maio de 2017 a Justiça Federal negou o
pedido de embargo de declaração.

A ANTT deverá fiscalizar a instalação e impor
eventuais sanções à Viabahia para garantir o cumprimento do contrato.
A Viabahia disse que “já estão instalados e operando os seguintes equipamentos:
detecção e sensoriamento da pista; painéis de mensagens variáveis, fixos e móveis;
estações meteorológicas automáticas; circuito fechado de TV; detectores de altura e
sistema de controle de velocidade”.
Não foi informado quando serão instaladas as balanças de pesagem, essenciais
para controlar o excesso de carga trafegando na rodovia.

A concessionária enfrenta problemas também com a arrecadação por meio dos
pedágios, conforme o relatório de demonstrativo financeiro de 31 de dezembro de
2016.
“Fechamos o ano de 2016 com resultado negativo de R$ 28 mil e com leve queda
no tráfego mensal de veículos, mesmo com um aumento na arrecadação total por
conta do reajuste anual da tarifa de pedágio previsto em contrato”, registra o
documento.
Ganha destaque no relatório a redução de em 12,5% no número de vítimas fatais e
8% de feridos nas rodovias sob concessão, comparando janeiro a setembro de
2015, em relação ao mesmo período de 2016.

A pesquisa de 2016 da CNT (Confederação Nacional dos Transportes) sobre
rodovias apontou que, no estado geral, as BRs 116 e 324, administradas pela
Viabahia, estão, respectivamente em estado geral “bom” e “regular”.

Outro lado 

Sobre as obras de duplicação, a Viabahia afirma que as realiza “com métodos
construtivos orientados pelas normas técnicas vigentes, com profissionais
experientes e equipamentos adequados e calibrados para o tipo de serviço
executado em obras desta natureza no Brasil”.

“A concessionária reitera que realizou vistorias cautelares aos imóveis da região,
com a elaboração de laudos periciais para atestar o baixo impacto nas redondezas
das obras. Foi constatado que há residências antigas e que sofrem com a ação do
tempo, além de serem construídas sem muitas vezes seguir um padrão de
engenharia e estrutura adequados e exigidos por lei.”
Sobre a demolição de casas, afirmou que “com base no contrato de concessão,
possui a obrigação de manter livre a faixa de domínio que é a área da União que
compreende as faixas de tráfego e uma faixa de terra adicional de segurança”.

Questionada sobre a fiscalização das obras de duplicação, a ANTT
declarou que “as ações de fiscalização são realizadas por especialistas em
regulação e técnicos em regulação, sendo voltadas para a verificação do
cumprimento, pelos agentes privados, dos encargos previstos nos respectivos
contratos de concessão, em especial nos Programas de Exploração das Rodovias”.

“As fiscalizações são realizadas em conformidade e na periodicidade prevista no
Plano Anual de Fiscalização aprovado pela Diretoria Colegiada. Quando
constatadas inconformidades durante a fiscalização, os servidores públicos da
ANTT notificam a concessionária tempestivamente de acordo com os marcos
regulatórios e as legislações vigentes.”
A ANTT informou que, “pela não realização dos serviços a que se refere a ação do
MPF, a agência já havia instaurado Processos Administrativos Simplificados para
apuração de responsabilidades e aplicação de penalidades”.

Texto e fotos: Mário Bittencourt 
Colaboração para o UOL, em Vitória da Conquista (BA)
 


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