SUDOESTE | Titânio que era armazenado como resíduo vai render à Largo o dobro do vanádio

Empresa que opera em Maracás desenvolveu tecnologia para aproveitar material na fabricação de pigmentos brancos

No processo de mineração é muito comum que a empresa que explora o recurso natural retire os minerais que deseja e descarte os resíduos. O volume total de rejeito depositado em todas as barragens de mineração do Brasil é de cerca de 3,4 bilhões de metros quadrados, de acordo com dados da Agência Nacional de mineração (ANM). É o equivalente a mais de 30 mil Diques do Tororó.

Essa é a regra, mas há exceções e uma delas está aqui na Bahia. Verdade seja dita, em nenhum momento nos seu oito anos de operação, a Largo Resources tratou como lixo o titânio que vinha da terra junto com o vanádio – até hoje o seu carro-chefe na cidade baiana de Maracás, a cerca de 350 quilômetros de Salvador.

Desde o início da operação, algumas toneladas do mineral, usado para a produção de tintas, foi sendo armazenado pela Vanádio de Maracás, enquanto a empresa estruturava um projeto para a produção do minério e o seu beneficiamento. A iniciativa deve começar a render frutos agora, já que a perspectiva da empresa é faturar com a nova linha de produtos o dobro do que lhe rende o vanádio. Atualmente, a Largo opera uma planta-piloto no Cimatec Park, em Camaçari, e se prepara para lançar uma unidade em escala comercial do produto.

Única produtora de vanádio das américas, responsável por cerca de 7% da produção mundial do minério, a Largo nunca trabalhou com a ideia de concentrar a operação apenas na extração do mineral capaz de tornar as ligas metálicas mais leves e resistentes, além de ser usado na fabricação de baterias elétricas de alta capacidade. Isso porque o vanádio representa 1,2% da matéria bruta que a empresa extrai em sua mina no interior da Bahia.

“A gente produz o vanádio e no processo de retirada do minério do solo, junto com ele vem outras coisas. Quase 99% são outros materiais”, explica Paulo Misk CEO da Largo. No meio disso tudo está o titânio, que vinha sendo reservado nas bacias de rejeito enquanto a empresa estudava como utilizar o produto.

Alguns anos de pesquisas depois e investimento em tecnologia, vem a solução. “No lugar de abrir uma mina nova para produzir titânio, vamos fazer isso sem ter um novo impacto porque isto já aconteceu quando ele saiu junto com o vanádio”, explica Misk. Segundo ele, a Largo vai produzir o suficiente para atender dois terços do consumo brasileiro de pigmento branco.

Diversificação
Recentemente a empresa de origem canadense anunciou planos de investir o equivalente a R$ 3 bilhões na próxima década no aumento da sua produção e em novos negócios a partir da atividade mineral. Boa parte destes recursos serão direcionados à ampliação da produção de vanádio, que passará das atuais 12,5 mil toneladas por ano para 15,9 mil toneladas até 2032.

Mas a grande aposta está mesmo no que ela apresenta como a mais sustentável indústria de pigmento branco do mundo, a partir de um investimento de 365 milhões de dólares canadenses, algo em torno de R$ 1,6 bilhão, na cotação da última semana. “Nós não iremos retirar da natureza nem um grãozinho a mais de terra para produzir o titânio, porque ele já veio para nós quando mineramos o vanádio”, explica Misk. O titânio será produzido a partir da ilmenita que é retirada da terra junto com o vanádio.

Além de colocar novos produtos no mercado sem aumentar a área de mineração, a estimativa é de uma redução de 20% na produção de rejeitos. Com capacidade para produzir 145 mil toneladas por ano de ilmenita, a planta que fica localizada em Maracás, está em fase de construção e iniciará a produção no 1º trimestre de 2023. O projeto vai gerar 270 postos de trabalho na construção e 50 empregos diretos novos na operação.

A planta para a produção de pigmento de titânio, também em fase de implantação no Polo Industrial de Camaçari, segue o mesmo conceito. O projeto será implantado em três fases. Na primeira, que vai até 2024, estão previstos US$ 122 milhões e a produção de 30 mil toneladas de pigmento. Na segunda etapa serão gastos mais US$ 60 milhões, para um aumento de mais 30 mil toneladas e na terceira, US$ 183 milhões, para atingir 120 mil toneladas. A estimativa é de um total de 5 mil novos postos de trabalho, entre empregos diretos, indiretos e os impactados pelo efeito renda.

Tem mais
Outro material que está no horizonte de aproveitamento da Largo é o minério de ferro. A empresa retira da natureza aproximadamente 500 mil toneladas por ano, junto com o vanádio. Como sai misturado com sódio, não pode ser usado nas cadeias de produção tradicionais. “Estamos desenvolvendo três projetos porque não existe uma tecnologia para aproveitar esse mineral. Vamos trabalhar para aproveitar todos os produtos que estão lá”, diz o CEO da Largo. “Nós não gostamos de vender minério, nosso negócio é vender produtos elaborados, fruto de um processo”, explica.

“Todos esses processos já impactaram o meio ambiente, a natureza já gerou e eles já estão fora do chão, temos a responsabilidade de aproveitar”, diz.

Antônio Carlos Tramm, presidente da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), acredita que há muito espaço para crescimento da economia baiana em direção aos princípios da circularidade. “Este projeto que a Vanádio de Maracás está implantando é muito significativo, estão implantando uma nova indústria no Polo de Camaçari a partir de algo que era lixo, resíduo. O problema é que este não é o retrato da mineração baiana ainda, precisamos de mais empresas como a Vanádio”, destaca.

Segundo ele, a Secretaria do Planejamento do Estado incluiu no Plano Plurianual (PPI) a previsão de um estudo sobre o reaproveitamento de rejeitos minerais. Ele explica que, além de potencializar atividades produtivas, é importante que a mineração invista cada vez mais em métodos de produção que gerem menos rejeito e que ampliem a produtividade das minas.

“Há uma necessidade de se criar uma consciência na mineração do aproveitamento dos resíduos, não apenas uma consciência por fins econômicos”, avalia.

Tramm lembra ainda que o setor de rochas ornamentais chegou a realizar um estudo junto com o Senai Cimatec para dar uma destinação ao pó que é gerado no processo produtivo da atividade, mas ainda não chegou a um resultado conclusivo. A ideia, explica, é o uso dos resíduos finos para produção de argamassas, tijolos, telhas, vidro, tintas e corretivos de solo, entre outros. Já os resíduos mais grossos serviriam para a fabricação de cimento, brita, areia artificial, pavimentos, e filetes para muros.

A produção de nove substâncias minerais metálicas – ouro, ferro, cobre, fosfato, titânio, estanho, alumínio, zircônio e nióbio – gera individualmente mais de 10 milhões de toneladas por ano, aponta o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Em conjunto, essas substâncias são responsáveis pela geração de 85 % do total de resíduos. O Ibram destaca que o grande desafio para a sociedade, e da mineração em particular, é o de reduzir a geração de resíduos, mantendo o patamar de qualidade de vida. “A eficiência no uso dos recursos e o desenvolvimento de tecnologias para o aproveitamento de resíduos são estratégicos”, destaca o instituto, em nota. O Ibram destaca custos com transporte, barreiras tecnológicas, tributárias e financeiras entre as principais dificuldades enfrentadas. O órgão acrescenta ainda o desafio da aplicação dos materiais.

O doutor em geologia e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Eder Martins, diz que 90% das pequenas e médias mineradoras têm potencial de gerar algum tipo de produto para a agricultura. “Temos cinco milhões de hectares onde são utilizados esses insumos vindos da mineração e temos condições de chegar a 75 milhões de hectares. Possuímos uma agricultura que hoje é dependente 85% dos fertilizantes importados, imagine que podemos gerar cadeias produtivas na mesma região onde a agricultura é feita. Isso é fantástico”, avalia.

Todo o processo deve ser envolvido
A economia circular tem como fundamento o melhor aproveitamento dos recursos naturais, evitando desperdícios. Representa uma mudança sistêmica que constrói resiliência em longo prazo e gera oportunidades econômicas e de negócios, além de proporcionar benefícios ambientais e sociais. O pensamento circular envolve todas as etapas do processo produtivo, por isso faz sentido pensar em ações que envolvam toda a cadeia produtiva, defende a diretora do Hub de Economia Circular Brasil (Hub-EC), Beatriz Luz.

Segundo ela, o Hub nasceu da percepção de que é necessário materializar os projetos de maneira conjunta. “Percebemos no trabalho com os nossos clientes, empresas de grande, médio e pequeno porte, que as soluções que dávamos, tinham o objetivo de integrar as cadeias, então eles não conseguiriam fazer isso sozinhos”, explica.

“A gente sempre levou como sugestões coisas como ‘conversa com o seu fornecedor’, ‘leva essa ideia para o seu cliente’ ou ‘cria um ecossistema favorável para a solução atingir uma escala’”, lembra. Para ela, a ideia de trabalhar como um hub, reunindo empresas, deve acelerar e potencializar o processo de transição das empresas para a lógica da economia circular.

“Hoje nós temos empresas como a Gerdau, Electrolux, Nespresso e outras que já pensam os seus projetos em conjunto com recicladores e com aqueles que trazem as soluções tecnológicas”, afirma. Beatriz Luz explica que muitas vezes a dificuldade maior é apenas no processo de comunicação. “Tem muitas soluções que ainda precisam ser criadas, porém eu te garanto que outras tantas já existem e só precisam ser utilizadas”, explica.

Ela cita como exemplo disso um subgrupo que foi criado no Hub-EC para avaliar o valor do ciclo reverso dos materiais presentes nos produtos de linha branca – principalmente o aço e o plástico. Estão analisadas as sinergias que existem entre as empresas para beneficiar a cadeia e a sociedade com a redução de impactos ambientais, a recuperação dos materiais da linha branca e a geração de empregos. Este subgrupo reúne 5 empresas: Tomra, Gerdau, Electrolux, Wise e Covestro.

“Este inclusive é um projeto que tem o Nordeste do Brasil como um foco porque há uma forte presença dos produtos da linha branca nesta região”, explica. Beatriz.

Outros projetos circulares na mineração
Remineralizadores
O Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM) pesquisa o uso de agrominerais para o enriquecimento de solos.
Novos produtos
A Nexa transforma o resíduo gerado por duas unidades da empresa em Minas Gerais, nos municípios de Morro Agudo e Paracatu em chumbo, zinco ou zincal, úteis para a agricultura.

Reconstrução de solos
A Universidade de Brasília (UNB) estuda a reconstrução de solos por meio da aplicação de lodo de esgoto e substratos minerados

Areia
A Vale pesquisa o uso de rejeitos para produzir areia

Rochas ornamentais
O segmento se caracteriza por grandes volumes de perda de material na extração e no beneficiamento. Estudos mostram que existem alternativas para seu aproveitamento industrial na fabricação de cerâmica, vidro, da construção civil, metalúrgica, química, na agricultura, artesanato, na confecção de pavimentos e tijolos.

Pavimentação
A Samarco estuda o uso de lama para pavimentação de alta durabilidade.

Fonte: Correio 24hs


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