SUDOESTE | Barragens rompidas destroem casas e matam três mil tilápias; outras 13 operam no limite

Diariamente, das 6h da manhã às 6h da tarde, o fiscal Elias Azevedo, 54 anos, acompanha a barragem do Champrão, em Condeúba, no Sudoeste baiano. Neste último fim de semana, porém, com as enchentes que deixaram 100 municípios em situação de emergência, as medições diárias vieram com uma surpresa: uma alta que não era vista há anos, fazendo com que o açude transbordasse – ou ‘sangrasse’, no linguajar mais específico – e ele tivesse um prejuízo ainda difícil de calcular. O número de barragens em risco pode ser ainda maior.

No último domingo, a água pas­sava 10 cm do nível mais alto do san­gra­douro. Ontem, já eram 32 cm a mais. “Perdi mil qui­los de tilá­pia. Eram três mil tilá­pias, tudo em ponto de abate. Algu­mas já esta­vam fina­li­zando para a Semana Santa”, diz. Elias cria tilá­pias no açude e, nos últi­mos oito meses, foram R$ 12 mil gas­tos só com a ração.

O caso do açude do Cham­prão, no Rio Con­de­úba, é emble­má­tico: é uma das bar­ra­gens do estado que ope­ram quase no limite da capa­ci­dade ope­ra­ci­o­nal máxima (697,5m de cota atual con­tra 700m de cota máxima), segundo o último infor­ma­tivo sema­nal do Inema, divul­gado ontem.

Neste fim de semana, ao menos 13 delas pas­sa­ram a ope­rar com a cota maior do que a capa­ci­dade ope­ra­ci­o­nal máxima. Ou seja: todas essas ‘san­gra­ram’ – o que sig­ni­fica que tive­ram que vazar o excesso de água, inclu­indo a de Iguape, em Ilhéus, e a do Cobre, em Sal­va­dor.

“A última vez que a bar­ra­gem san­grou foi no dia 4 de feve­reiro de 2016, mas foi bem menos água. Esse açude tem 67 anos e nunca tinha che­gado nesse nível”, diz Elias, que acre­dita que o nível deve con­ti­nuar subindo.

Esse é um dos indi­ca­ti­vos da situ­a­ção dos reser­va­tó­rios no estado, que tem uma lista que ainda inclui bar­ra­gens em sério risco de rom­pi­mento e açu­des que, de fato, já rom­pe­ram, dei­xando um ras­tro de des­trui­ção.

SEM FISCALIZAÇÃO

A situ­a­ção pode ser ainda pior: mui­tas bar­ra­gens da Bahia não são fis­ca­li­za­das por­que as auto­ri­da­des sequer sabem que exis­tem. Em mui­tos casos, donos de fazenda cons­troem açu­des em suas pro­pri­e­da­des e nunca infor­mam ao poder público.

Uma des­sas bar­ra­gens impro­vi­sa­das em pro­pri­e­da­des par­ti­cu­la­res rom­peu em Bon­fim de Feira, dis­trito de Feira de San­tana, no último sábado. Três casas foram atin­gi­das pela água que vinha do açude feito com terra. Segundo o gerente de loja de móveis Gil San­tos, 32, foi a pri­meira vez que algo assim acon­te­ceu na cidade.

“Fize­ram a bar­ra­gem, mas não foi uma bar­ra­gem con­cre­tada, era uma bar­ra­gem só de terra. Ao longo do tempo, ela foi enchendo, enchendo e tem uns seis anos que che­gou o momento de não supor­tar a pres­são da água quando ela ten­tou tomar o cami­nho de volta”, con­tou.

Além disso, exis­tem as bar­ra­gens que são moni­to­ra­das pelos pró­prios muni­cí­pios. Em Vitó­ria da Con­quista, ao menos duas se rom­pe­ram – a dos Qua­tis, numa pro­pri­e­dade par­ti­cu­lar, e a do Iguá. No entanto, a situ­a­ção ainda é de risco. A pre­fei­tura con­fir­mou que há peque­nos açu­des na zona rural que podem se rom­per, sem espe­ci­fi­car o total de bar­ra­gens. Uma das pre­o­cu­pa­ções é com a loca­li­dade de São João da Vitó­ria, a 42 qui­lô­me­tros do cen­tro da cidade.

Ainda assim, o caso mais pre­o­cu­pante é o da bar­ra­gem da Baixa do Arroz, no povo­ado de Cacho­eira das Ara­ras, que fica no dis­trito de Bate-Pé, a 58 qui­lô­me­tros da sede. De acordo com a admi­nis­tra­ção muni­ci­pal, o açude tem muita ins­ta­bi­li­dade e risco de inun­da­ções. A pre­fei­tura infor­mou que o Comitê Ges­tor de Crise vem acom­pa­nhando as ações para garantir a segu­rança dos mora­do­res.

Em Itambé, o nível da água havia vol­tado a subir nesta segunda, dei­xando os mora­do­res apre­en­si­vos. O Rio Ver­ruga havia sido atin­gido pelo rom­pi­mento da bar­ra­gem do Iguá, em Con­quista, ainda no sábado. Só na Rua Lan­dulfo Alves, no Cen­tro, dez casas fica­ram des­tru­í­das.

“Quando a gente acor­dou, já estava pisando em água, às 4h da manhã. Na parte da cozi­nha, a água ficou pra­ti­ca­mente no peito, mas a minha casa nem foi tão atin­gida quanto essas que ficam mais embaixo. Tem mui­tas pes­soas desa­bri­ga­das”, disse o téc­nico de rede Júnior Brito, 23, mora­dor do bairro.

Jus­ta­mente por conta do aumento da cota das bar­ra­gens, empre­sas que admi­nis­tram os açu­des come­ça­ram a se ante­ci­par. No último domingo, a Com­pa­nhia Hidre­lé­trica do São Fran­cisco (Chesf) anun­ciou que abri­ria seis das sete com­por­tas do reser­va­tó­rio da Usina da Pedra, em Jequié.

Pelo bole­tim do Inema, a bar­ra­gem da Pedra tinha 224,33m de cota atual ontem, diante de uma cota máxima de 228m. A mesma coisa foi feita com a bar­ra­gem de Pedra do Cavalo, entre as cida­des de Cacho­eira e Gover­na­dor Man­ga­beira, no Recôn­cavo. Nenhum repre­sen­tante do Inema falou sobre a situ­a­ção das bar­ra­gens.

Perdi mil qui­los de tilá­pia. Eram três mil tilá­pias, tudo em ponto de abate. Algu­mas já esta­vam fina­li­zando para a Semana Santa Elias Aze­vedo – Cri­a­dor de Tilá­pia em Con­de­úba

“Quando a gente acor­dou, já estava pisando em água, às 4h da manhã. Na parte da cozi­nha, a água ficou pra­ti­ca­mente no peito”, disse Júnior Brito, mora­dor de Itambé.


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