SUCESSÕES | Gal Costa foi pressionada a anular testamento, defendem primas da cantora

Duas primas da cantora Gal Costa acionaram a Justiça para provar que a artista foi pressionada a anular um testamento, inédito e acessado com exclusividade, que destina todo seu patrimônio a uma fundação cultural de preservação da memória da artista.

O patrimônio de Gal é atualmente disputado pelo filho, Gabriel da Costa Penna Burgos, e pela empresária, Wilma Teodoro Petrillo. Ela argumenta que viveu em união estável com Gal, o que daria a Wilma o direito aos bens.

Wilma Petrillo e Gal Costa

Wilma Petrillo e Gal Costa Crédito: Reprodução/Instagram

A briga pela herança da artista, avaliada em R$ 20 milhões, ganhou mais um capítulo no dia 14 de março deste ano, quando Verônica Pedreira de Freitas Silva e Priscila Silva de Magalhães, primas da artista, protocolaram na Justiça um processo na intenção de invalidar a anulação do testamento, que possui versões digitalizada e a próprio punho.

O documento de anulação, apesar de ter a assinatura de Gal, segundo elas, não conteria a sua real vontade. A defesa das duas argumenta que houve manipulação por parte de Wilma para que o testamento fosse anulado.

No testamento, que foi feito antes da adoção de Gabriel e acessado pela reportagem por intermédio das primas, Gal destina todo o seu patrimônio à criação da Fundação Gal Costa de Incentivo à Música e Cultura.

As responsáveis pelo feito, designadas pela cantora, seriam as primas Verônica e Priscila (que movem o processo), além das também primas Marina Penna Pedreira de Freitas (já falecida), Maria Lúcia Pedreira de Freitas e Maria Laura Pedreira de Freitas Silva. Elas seriam as responsáveis pela gestão do patrimônio, que deveria ter como finalidade, de acordo com o testamento, a criação e gestão de uma fundação sem fins lucrativos.

Trecho do testamento determinada destinação do patrimônio à criação da Fundação (números dos documentos das pessoas citadas foram borrados)

Trecho do testamento determinada destinação do patrimônio à criação da Fundação (Números dos documentos das pessoas citadas foram borrados) Crédito: Captura de tela

A instituição teria como principal objetivo a formação de músicos e outros artistas, assim como promover festivais e concursos. A ideia seria atender à população mais carente, doando bolsas de estudo, instrumentos e proporcionando cursos. Só cobraria mensalidade ou anuidade para quem tivesse condições financeiras. Uma exigência feita por Gal era que a Fundação fosse criada na Bahia. Como quinta testemunha do registro do documento, está Wilma, cuja assinatura consta no testamento em questão.

Trecho de testamento descreve objetivo da Fundação

Trecho de testamento descreve objetivo da Fundação Crédito: Captura de tela

Envelope lacrado

Gal tinha apenas um irmão: Guto Burgos (por parte de pai, chegou a ser seu empresário antes de Wilma). A mãe da artista, Mariah, tinha uma irmã: Maria Elvira, mãe das primas de primeiro grau Marina e Maria Lúcia, citadas no testamento, sendo a primeira já falecida. A segunda, por sua vez, é mãe de Maria Laura e Verônica, também citadas no testamento.

Ao encontrarem o documento no envelope lacrado, Verônica e Priscila procuraram os advogados Sergio Nunes e Diego Ribeiro, do escritório Kruschewsky & Nunes Ribeiro, na capital baiana, que, no primeiro momento, fizeram uma busca em todos os cartórios do país e encontraram os registros do testamento de 1997 e, para a surpresa das primas, também do seu ato de revogação de 2019.

Documento, assinado por Gal em 2019, que revoga testamento de 1997

Documento, assinado por Gal em 2019, que revoga testamento de 1997 (Informações de endereço e documentos de identidade de Gal foram borrados) Crédito: Captura de tela

A defesa das duas explica que, para alcançar a anulação da revogação do testamento, vai basear-se em testemunhas e “nos elementos de provas existentes no inventário e no contexto de denúncias divulgadas pelo filho Gabriel que sinalizavam a coação irresistível sofrida pela cantora”.

O advogado Tauan Almeida, especialista em Direito Sucessório consultado pela reportagem, explica o cenário: “A prova de que o testamento foi revogado mediante coação pode resultar na sua anulação. A coação ocorre quando a pessoa que deixa o testamento é obrigada a assinar a revogação estando sob ameaça, seja física, moral, emocional ou psicológica. Neste caso, será necessário provar que, ao assinar a revogação, Gal agiu motivada por uma coação moral tão irresistível que naquele momento deixou de lado sua real vontade e fez o que era, na verdade, a vontade de outra pessoa.”

Para a ação movida pelas primas, os advogados das duas argumentam que há “fortes elementos e indícios de que Gal Costa sofreu coação moral irresistível, contra si, contra sua família e contra seu patrimônio” e ainda que “Gal se encontrava, em 2019, em estado de vulnerabilidade psicológica, econômica e social”.

“A comprovação da ocorrência de coação faz com que o ato jurídico seja nulo ou possa ser anulado. Portanto, se for provado que Gal foi coagida a assinar o ato de revogação de testamento, será como se essa revogação nunca tivesse existido, e aí sim o testamento feito em 1997 irá prevalecer”, acrescenta Tauan Almeida, advogado consultado pela reportagem.

É na tese de que Gal tenha sido coagida por Wilma que se baseia a defesa das primas. As duas ressaltam que não seriam beneficiadas pessoalmente com a herança, destinada à Fundação que visaria preservar a memória e obra da artista. “Não estamos interessadas em nada além do que fazer valer a vontade de Gal. Queremos dar vida ao que ela deixou escrito porque seu desejo e sua obra não podem ser silenciados”, diz Priscila.

Mesmo que a ação tenha sucesso e o testamento em questão seja revalidado, como Gal deixou um filho, os recursos não poderiam ser destinados 100% para a Fundação. A lei brasileira prevê que, no caso da existência de herdeiros, apenas 50% podem ser partilhados de acordo com a vontade do autor do testamento. Dessa forma, Gabriel teria direito aos demais 50%. Caso Wilma consiga provar a relação conjugal que teve com Gal, dividirá com Gabriel os bens adquirido após o início da união.

Wilma e Gabriel

A artista sempre afirmou, em entrevistas, o desejo de ser mãe. Como não podia engravidar, por problemas em uma das trompas e uma menopausa precoce, ela decidiu adotar. Em 2007, concluiu o processo de adoção do filho Gabriel, sem a participação de Wilma. O jovem, agora com 18 anos, briga na Justiça contestando o pedido de reconhecimento da união estável, alegando que Wilma seria apenas empresária da artista, e pede a exumação do corpo da cantora para investigar as causas da morte.

Registro de Gal ao lado do filho, Gabriel

Registro de Gal ao lado do filho, Gabriel Crédito: Reprodução/Instagram

Verônica e Priscila dizem desejar a participação de Gabriel na criação e gestão da Fundação, caso assim seja do seu interesse. O advogado Sérgio Nunes menciona matérias jornalísticas que citam a existência de um testamento em favor de Gabriel e pondera que o documento não consta nos registros de dados do Colégio Notarial do Brasil (não seria um testamento público), mas que, caso exista (como testamento privado) e seja apresentado, suas clientes se comprometem a desistir da ação judicial que pede a anulação da revogação do documento de 1997 que prevê a Fundação.

Imbróglio

A ação anulatória ajuizada por Verônica e Priscila deve atravancar ainda mais o andamento do inventário. No último dia 15, a juíza Luciana Novakoski Ferreira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que a ação deve tramitar em conjunto com o inventário.

Até o momento, Wilma é a inventariante (administradora temporária do patrimônio até que o inventário seja concluído), já que Gabriel tinha 17 anos quando a mãe morreu. Nos registros do Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, constou no dia 25 de março uma ação que pedia a remoção da inventariante.

A defesa de Gabriel, procurada pela reportagem, preferiu não comentar sobre o pedido de remoção. A advogada, Luci Vieira Nunes, ainda disse não ter conhecimento sobre a ação movida pelas primas de Gal e nem sobre um testamento da artista em favor do filho. Alegou, no entanto, que a cantora teria revogado o testamento de 1997, feito antes da adoção, para deixar o patrimônio para Gabriel. Luci é uma das testemunhas nomeadas por Gal que assinam o testamento.

Wilma Petrillo foi procurada e os questionamentos foram respondidos por sua advogada, Vanessa Bispo. Sobre o documento de 1997 que prevê a criação da Fundação, ela disse que “juridicamente, esse testamento não existe”. Sobre as acusações feitas a Wilma, disse que “a coação é algo que não basta ser alegado, tem que ser provado”.

Sobre as questões na Justiça com Gabriel, a advogada alegou que a união estável entre Gal e Wilma “já foi reconhecida nos autos do processo do inventário” e disse que não comentaria sobre o pedido de exumação do corpo da cantora, já que Wilma não é citada neste processo. Sobre o pedido de remoção da inventariante, disse que foi feito por Gabriel, mas que não foi acatado na Justiça e que “não há motivo nenhum para Wilma ser removida”. Por fim, acrescentou que sua cliente está “bastante abalada com tudo isso”.

A reportagem também procurou Guto Burgos (irmão e ex-empresário de Gal), que respondeu que não se manifestaria sobre o assunto. | *com informações de Ronaldo Jacobina, especial para o CORREIO/ Colaborou Carolina Cerqueira


COMPARTILHAR