O Projeto Casulo, que era pra ser um projeto exitoso de reforma agrária, beneficiando 40 famílias de lavradores de Vitória da Conquista, se transformou em objeto de especulação imobiliária, atraindo pessoas abastadas, a exemplo de empresários agrícolas e engenheiros agrônomos.
Além de casas de luxo, na área pública, sob o domínio da Prefeitura, foram construídos sítios para lazer e até uma pista para treinamento de animais (acima). Imagens obtidas pela Sudoeste Digital mostram que a ocupação irregular, com oferta irregular de lotes para venda, começou há mais de três anos.
O município de Vitória da Conquista era proprietário do imóvel rural denominado Fazenda Bela Vista da Serra, o qual está registrado no 1º Ofício de Registro de Imóveis de Vitória da Conquista sob a matrícula nº 23.299 e inscrito no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) sob o código rural nº 315.125.010.464-1.
A Prefeitura doou área ao Incra, mas a mesma foi foi revertida ao patrimônio do município. A Prefeitura diz desconhecer o motivo, por isso, ainda no decreto que suspende o anterior, o prefeito Herzem Gusmão cobra explicações dos envolvidos.
Vale ressaltar que, a Lei Municipal 1.011, de 1999, originada da aprovação do Projeto de Lei 788, de 1999, autorizou a doação da área da Fazenda Bela Vista para o INCRA, com o objetivo de assentar, de início, 40 famílias “carentes beneficiárias da zona urbana com vocação e aptidão para a produção, uma forma alternativa para geração de emprego e renda”, para a finalidade de “proporcionar o desenvolvimento de um polo de produção agrícola no entorno da cidade. (Grifo nosso).
Sem conhecimento da própria Prefeitura, conforme relatado no decreto de suspensão da regularização fundiária, a área de que trata a Lei Municipal 1.011, de 1999, e que foi efetivamente transferida aos domínios do Incra, foi revertida ao patrimônio do município, mas a Prefeitura diz desconhecer o motivo. Por isso, ainda no decreto, o prefeito cobra explicações.
De acordo com denúncias protocoladas em órgãos de fiscalização por assentados legalmente no projeto – e que se sentem ameaçados pela invasão de pessoas sem o perfil para reforma agrária, todo processo irregular é intermediado pela secretária municipal de governo, Geanne Oliveira com a conivência da Associação dos Trabalhadores Rurais dos Assentados no Projeto Casulo da Fazenda Bela Vista da Serra.
“As providências adotadas até o momento para
regularizar a situação de ocupação daquela área, após a análise jurídica
requerida pelo prefeito municipal, não se mostraram suficientes para ofertar
segurança informacional sobre os
destinos do Projeto
Casulo, sendo que
ainda não consta
no processo administrativo documento
que demonstre que a área
de que trata
a Lei Municipal 1.011, de 1999, foi efetivamente
transferida aos domínios do INCRA, bem como em que momento e por que foi
revertida ao patrimônio do Município”. – Decreto N.º 20.130,de 13 de fevereiro de 2020
Ainda segundo as denúncias, que chegaram até a Câmara Municipal, por meio da Comissão de Atos do Executivo, para tentar descaracterizar a proposta inicial de reforma agrária e, assim, dar ares de legalidade à área total de 371 hectares, a associação teria aletrado o projeto original e dividiu os 40 lotes em 171 áreas.
“O processo administrativo demonstra que houve, com
o passar dos anos, aquisição
de posse de
glebas na Fazenda
Bela Vista, mediante alienação, sendo isto forte indício
de ausência de fiscalização do poder público, bem como de
ausência de ações
governamentais que garantissem
a preservação do patrimônio público ou o cumprimento do
escopo da Lei Municipal nº 1.011, de 1999”. – Decreto N.º 20.130,de 13 de fevereiro de 2020
Em seguida, os interessados na especulação imobiliária teriam convencido o prefeito Herzem Gusmão (MDB) a assinar um decreto com a relação dos beneficiários, mesmo sem conhecer o teor da situação envolvendo as denúncias. Dos 171 lotes, inicialmente 113 já estariam prontos para se tornar posseiros.
No decreto suspenso, ao qual tivemos acesso, a relação completa das 113 pessoas que seriam contempladas. VEJA A RELAÇÃO COMPLETA ABAIXO.
A reportagem do Sudoeste Digital procurou a Prefeitura de Conquista, por meio da Secretaria Municipal de Comunicação, mas não obteve respostas, mesmo diante de várias tentativas.
A Prefeitura, também por meio da Secom, responsável pelo agendamento de entrevistas do prefeito, secretários e demais cargo de confiança, não permitiu que Geanne Oliveira concedesse entrevista ao site Sudoeste Digital.
O presidente da Associação, Paulo Novais, também contactado pela reportagem, disse que ainda esta semana iria se manifestar por meio de nota pública a respeito dos fatos elencados nas denúncias.
Dentre as perguntas sem respostas estão pedidos de explicação sobre a ocupação irregular, inclusive por parentes de primeiro, segundo e terceiro graus da secretária de governo, assim como supostas cobranças de taxas para emissão de escrituras e agenciamento de contrato de compra e venda de lotes no Projeto Casulo.
DECRETO SUSPENSO – Tudo parecia caminhar para a regularização dos lotes divididos e emissão de títulos de propriedade, mas diante das denúncias de irregularidades, por pouco o Decreto nº19.989, em 23 de dezembro do ano passado, tornando pública, “para fins de regularização fundiária rural, a lista de beneficiários que serão contemplados com o título de domínio sobre os imóveis rurais localizados na Fazenda Bela Vista da Serra” não foi levado a termo.
A lista das pessoas que deveriam ser contempladas com o título de propriedade foi elaborada com o auxílio e a chancela da Associação dos Trabalhadores Rurais dos Assentados no Projeto Casulo da Fazenda Bela Vista da Serra, pessoa jurídica de direito privado inscrita no CNPJ sob o nº: 03.150.094/0001-73, que acompanhou todo o procedimento e é corresponsável pela veracidade das informações contidas na lista.
No mesmo dia em que a reportagem investigativa foi publicada, Herzem Gusmão reconheceu as irregularidades e publicou novo decreto (Decreto N.º 20.130,de 13 de fevereiro de 2020) suspendendo os efeitos do decreto 19.989, de 23 de dezembro de 2019, “para que seja concluída a instrução do processo administrativo de regularização da situação de ocupação irregular da área pública municipal referida na Lei Municipal 1.011, de 1999. (Grifo nosso).