Na minha aldeia – uma minuciosa apreciação do mundo -, o fim de tarde.
Embaixo, uma paisagem de silêncio na rua da praia.
Acima, gaivotas na sacada da varanda e poesia lírica.
No horizonte, o retrato azul profundo do mar.
Aquele arrebatamento pessoal – ou puramente sentimental – em meus olhos claros, brilhando de sol.
A voz suave das ondas, quebradiça, quase insegura, sem rumo certo, o permanente som do tempo.
Um lugar que só uma parte do mundo pode entrever.
O terraço, dois gatos no meu colo, tecidos alegremente estampados cobrindo um canapé, outras fotos, outras grafias.
Um universo tão vasto que ia do cais, aqui, até onde a vista alcançaria.
E fui envolto em canga tingida, sem saber quando desejaria voltar.
A tarde tem destes efeitos: uma tragada de maresia, uma névoa úmida que desenha os ventos, uma ordem que desperta minha atenção.
No canto do sofá, minhas mãos levemente pousadas na tigela tibetana e no bastão.
Um pensamento de brisa, movido pela esfera do mundo de então.
Amo a luz desta areia distante, o som plácido dos pensamentos ou a ideia de um sinal.
Um sinal aterrissado no chão do azul ciano do céu.
Talvez faltasse uma rede, sem paredes.
No entanto, morava aqui um espírito nobre, diligente, transitado por reflexos de luz do dia.
O tempo, navegante.
Com seus gestos contritos e alma ribeira, vagante.
Em seu rosto aquoso, a marca do beijo da vida. Certeira, errante.
Entre os dois – o tempo e a vida -, este ocaso que atravessa o oceano converso.
E a poesia da prova do sol, que cai na sala do mundo e amanhece na copa do universo.
Conjunções, formas geométricas, traços, livros com versos e outras receitas para entreter o poente.
Ao final, um sabor agridoce, crente, natural.
Como se cada partícula líquida das palavras estivesse perfeitamente registrada ali, na vista do mar, no fim de tarde confidencial.
Marco Antonio Jardim é formado em História, empresário da área de publicidade com a agência vOceve Multicomunicação, assessor de imprensa, diretor de conteúdo e marketing digital, escritor e poeta.