POESIA | Estou partindo! “carta de despedida das coisas do mundo” (Marco Antonio Jardim)*

Queridos, estou partindo. Mas vou mandar notícias do novo mundo de lá, aquelas terras alheias que persevero em conquistar.
Aos que ficam, deixo um abraço forte, cantinhos de memórias, um sorriso largo e um afeto sem princípio nem fim.
Não tenho nenhum gosto em partir, mas carrego caixas de folhas de flandres e recordações de mim.
Aos espíritos empoeirados do closet, meus sussurros e meus sapatos.
A quem deitou em minha cama, meu faro, meu perfume e aqueles fatos.
A quem folheou livros em minha escrivaninha, deixo fotografias e páginas em branco.
Aos que sentaram no canapé estofado, um fim de tarde, um acalanto.
Aos que se debruçaram no parapeito da larga janela, os sopros do horizonte.
Aos que acenaram dos ladrilhos da rua, um som. 
Aos que afagaram o pelo alvo do meu gato persa, faço ronrom.
Aos que subiram os degraus todos das escadas, não tenho planos.
Aos que notaram os traços de luz do sol sobre a parede e a sombra do filtro dos sonhos, todo o vai e vem dos que sentaram à mesa em oração.
E mesmo aos que só sonharam, outra emoção.
E a vida segue pela estação aos que pediram de beber.
Aos que cozeram no forno um amanhecer.
Aos que provaram do pão, dos biscoitos, da torta de limão e brigadeiros. 
Aos nobres, amáveis companheiros, e às rodas de violão.
Aos que vieram e não regressarão mais. 
E também aos que volveram sem olhar pra trás. 
Aos que banharam o rosto na pia sem tempo algum para supor.
Aos que fitaram o espelho do corredor. 
Ou viram estrelas caindo da janela lateral.
Aos que avistaram o venerável céu noturno, um sinal de glória e meu eterno amor.
Aos hóspedes do quarto dos fundos, esses encontros e despedidas. 
Ao farfalhar do grande porte da mangueira no quintal, esta partida. 
E aos genuínos abraços do meu pai, a generosa alegria da minha mãe.
Tão naturais as estações da vida dos que recebi aqui neste lugar.
Aos que recostaram na ardósia da entrada da casa, a vida dos dias que seguem até o mar.
Aos que desejaram vir, minha hora de partir.

Marco Antonio Jardim é formado em História, empresário da área de publicidade com a agência vOceve Multicomunicação, assessor de imprensa, diretor de conteúdo e marketing digital, escritor e poeta.


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