Marconi de Souza –
Ricardo Noblat me ligou às 17 horas, no dia 7 de fevereiro de 2003, afirmando que pelo menos duas revistas brasileiras – Época e Isto É – iriam chegar às bancas no dia seguinte, um sábado, com uma denúncia do caralho envolvendo ACM.
– Eu não sei bem o que é… Fui informado apenas que o “cabeça branca” grampeou o telefone de Geddel. Corra atrás disso, porque não podemos levar esse furo. Sua história no jornalismo está em jogo, desafiou-me Noblat, que era o diretor de Redação.
Naquele momento, eu estava fumando meu cachimbo e tocando “Patience”, na rede da minha casa, preparando-me para ir à faculdade. Estava na primeira semana do curso de Direito. Resultado: deixei o violão de lado e fiz mais de 50 ligações – o celular parecia brasa, de tão quente.
Enfim, localizei Geddel… Ele estava no apartamento do pai Afrisio Vieira Lima, na Avenida Centenário, em Salvador. Corri para lá às pressas, no meu velho Tempra, e levei um enorme choque no primeiro contato que tive com esse misto de empresário e político.
Ele foi superarrogante comigo, às vezes me humilhava, sempre fumando seu inseparável charuto cubano. Eu engolia os sapos – não queria perder o furo –, mas ele alegava que tinha dado prioridade ao repórter da revista Época, e não sabia como a denúncia vazou para a Isto É.
– Vou te dar outros documentos amanhã, após a publicação da revista, porque tem mais coisa para ser investigada, afirmou.
– Se eu não publicar a reportagem amanhã, estarei fora das investigações, e esse assunto não terá valor algum na mídia.
– Quem é você, reportezinho de merda?, perguntou.
– Sou o melhor repórter de investigação atuando neste país, repliquei, na altura da sua arrogância.
Ele então soltou uma gargalhada, levantou-se do confortável sofá, veio em minha direção, tragou o charuto e deu uma baforada na minha cara. Eu voei no seu pescoço, e então Afrísio (o pai) e Lúcio Vieira Lima (o irmão), apartaram a briga, para azar de ACM.
Apaziguado os ânimos, Geddel me passou o que seria a primeira denúncia, qual seja, o grampo de ACM no seu celular. Corri para o jornal A Tarde – já passava das 20h30 –, e, no dia seguinte, estava publicada “a melhor reportagem denunciando o grampo de ACM no celular de Geddel”, segundo ele próprio.
– Você deu uma lavagem nas revistas Época e Isto É. Passe aqui em casa na segunda-feira pela manhã, que eu tenho um presente para você, disse Geddel.
Bem, no dia seguinte (domingo, 9/02/03), fui mais longe e revelei o grampo no celular de Nelson Pellegrino e Benito Gama. E não parei mais… Na segunda-feira, com a ajuda da magistrada Telma Brito, descobri os grampos nos celulares da amante de ACM, a advogada Adriana Barreto.
O Brasil pegou fogo com aquela notícia. E então toda reportagem que eu escrevia virava manchete principal no Jornal Nacional. Os repórteres de Brasília, Rio e São Paulo aportaram na Bahia. Só gente arrogante, metida a besta, falastrona. Não sei quem é mais arrogante: se jornalista ou promotor público.
Mas a verdade é que, trabalhando em silêncio, sem alarde, eu dava furo em todos eles. Nos repórteres e no promotor público Edson Abdon. Minha investigação deixou o delegado da Polícia Federal, Gesival Gomes, a ver navios, a ponto de ele me chamar para ajudá-lo nas investigações. Eu respondi:
– Não sou policial, nem servidor público. Carregue a sua cruz…!!!
ACM não sabia como eu conseguia tanta informação guardada a sete chaves. E então, quando foi se defender na Comissão de Ética do Senado (seu discurso está até hoje na internet), só fez duas coisas: pousou pela primeira vez na vida de vítima e, por longas páginas, atacou-me a exaustão. E disse aos jornalistas:
– “Esse repórter está me grampeando”!!!
Olha, dei uma enorme gargalhada. Enfim, foram mais de 100 reportagens que escrevi – 80% delas manchetes principais no jornal A Tarde, com repercussão em todos os veículos de comunicação do país, principalmente na TV Globo, que foi uma parceira importantíssima naquela batalha final.
Ressalto que, desde o início da série de reportagens, a direção do jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, foi de uma humildade ímpar no jornalismo brasileiro. O diretor do Zero Hora me ligou e pediu permissão para reproduzir sempre, no dia seguinte, as minhas reportagens. E eu cedi ao pedido.
Disse pessoalmente a Lula, em agosto de 2002, que ele iria salvar ACM. A minha premonição não falhou, daí que o “sapo barbudo” mandou sua tropa salvar a pele do coronel baiano no Congresso Nacional. E conseguiu: ele não foi cassado. Todavia, o povo deu o troco – ACM perdeu as eleições de 2004, em Salvador; e a de 2006, na Bahia.
Um detalhe: disputei o prêmio nacional da Embratel com a série de reportagens dos grampos (meus concorrentes foram a TV Globo, Isto É, Época, Veja e a Folha de S. Paulo). Fui o vencedor: ganhei R$ 15 mil. Levei a minha filha Julia para ir receber o prêmio no Canecão (falo mais sobre isso no primeiro comentário abaixo).
Mas, voltando a Geddel Vieira Lima, eu atendi ao seu convite e fui até o seu apartamento, na Avenida Centenário, saber qual era o meu presente. Ele me deu uma caixa de charutos. Esse encontro foi muito rápido – eu nem entrei totalmente no apartamento –, porque ainda estava na investigação.
Mas o encontrei numa terceira e última vez, em 2011, quando ele, então vice-presidente da Caixa Econômica, ajudou-me a conseguir taxas de juros mais acessíveis para os defensores públicos financiarem a casa própria. A arrogância, porém, ainda era a mesma – muito pior do que a de ACM!
O então presidente da Associação dos Defensores Públicos da Bahia, Cláudio Piansky, que estava comigo, ficou assustado com o tom áspero, sempre ríspido, de Geddel Vieira Lima. Por ser muito rico, Geddel acha que pode pisar em todo mundo. Como já dito acima, ele é mais truculento do que ACM.
Ricardo Noblat me contou que, tempos depois, o próprio Geddel confessou-lhe que, com aquele ato insano (a baforada na minha cara), por pouco não salvou a cara de ACM. Sem dúvida, se eu saio daquele apartamento sem a primeira denúncia, jamais iria investigar o restante.
Deixaria o assunto para outros repórteres, como o fiz em outras oportunidades. Modéstia à parte, no jornalismo sempre fui uma espécie de Usain Bolt e Michael Schumacher, ou seja, ganhava velocidade do meio para o final da corrida, mas, obviamente, queria largar entre os primeiros.
Pois bem: o ex-ministro Geddel Vieira Lima – que pediu exoneração anteontem por estar agora envolvido em ato de improbidade administrativa – será ainda o assunto principal na mídia até o final deste ano. Sua pressão (crime) sobre o ministro colega fissurou o governo de Michel Temer.
Mas, devo confessar, não foi por esse motivo que escrevi tudo isso aqui neste domingo. Eu já havia preparado uma história familiar hilária para publicar hoje. A verdade é que toda essa polêmica em torno do ex-ministro me fez lembrar algo que ele escreveu recentemente, e que me emocionou.
No Facebook, Geddel postou uma declaração de amor ao seu pai, Afrísio Vieira Lima, falecido em janeiro deste ano, em poucas linhas:
– “Hoje meu pai faria 87 anos. Sāo 69 dias de uma dor que insiste em doer, e uma saudade que insiste em aumentar. Eu tenho me sustentado apenas na crença inabalável de que, quando Deus me chamar,eu voltarei a deitar no seu colo. Feliz aniversário amor da minha vida”!
Achei simples, humilde e linda a declaração. Por isso, volto a afirmar algo que publiquei aqui em 2013, quando meu pai faleceu. É o seguinte: não acredito na vida após a morte, mas torço para que os religiosos tenham razão, por um só objetivo: eu poderia outra vez ter o enorme prazer de conversar com o meu pai!
Marconi de Souza, jornalista.