Um outdoor na cidade de Teixeira de Freitas, no sul da Bahia, tem atraído à atenção de diversos estudantes. “Nunca foi tão fácil e acessível cursar Medicina. Matrículas abertas, sem vestibular”, informa o anúncio.
A proposta é de um empresário e comerciante local, Cláudio Guimarães, que em entrevista ao Bocão News se declara “apaixonado pela Medicina”. Ele afirma que é representante da Faculdade de Medicina Maria Auxiliadora (UMAX), localizada em Assunção, capital do Paraguai. É nesta instituição que dezenas de baianos se inscreveram e vão estudar, segundo o empresário que não tem formação na área médica.
Ele detalha que o curso é semelhante ao brasileiro, “presencial e integral”. Além disso, ressalta que a “carga horária é superior a exigida” pelo Ministério da Educação (MEC).
“Hoje a Medicina não tem fronteiras. Eu participo de cirurgias aqui na minha cidade. Eu sou comerciante, mas a minha paixão é Medicina. Por conta disso, resolvi trazer essa proposta para o Brasil. Eu tenho menos de 40 dias anunciando e estou levando mais de 20 pessoas. Estou levando aproximadamente 20 pessoas de Teixeira, duas de Palmas, duas de Medeiros Neto. Médicos da minha cidade têm me motivado a estudar fora. Eu participo assistindo, não fazendo procedimentos. Por causa do bom relacionamento que tenho, os médicos permitem que eu participe”, revela.
Legalmente, ter um diploma estrangeiro de médico não dá direito de exercer a profissão no Brasil. É preciso passar por uma revalidação de diploma, um processo longo, complexo e caro. A prova é aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP). Entretanto, Claudio garante que não existe tanta dificuldade no Brasil.
“O curso é igual no Brasil, dura seis anos. Quando ele forma lá, vai receber o CRM no prazo de 15 a 60 dias. É diferente da Bolívia, que tem que ficar prestando serviço durante um ano para o governo. Lá no Paraguai não, é igual ao Brasil. A partir daí, ele vai dar entrada no Mais Médicos ou vai também fazer a prova do revalida [Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras]. Ele pode fazer a prova do revalida normal e pode fazer a prova do revalida na Faculdade do Mato Grosso, que é a UFMT. São três oportunidades no ano para ingressar fazendo a prova”, garante.
O baiano afirma também que diversos profissionais formados na UMAX atuam no país. “Conheço médicos que estão atuando no Brasil da faculdade. Aqui em Alcobaça, tem um casal que se formou nessa faculdade e está atuando. Eles vieram no Programa Mais Médicos. Eu conheço muita gente que formou nessa faculdade e está atuando como médico aqui. Essa faculdade já forma há quatro anos, não é a primeira turma agora. Em 2016, 207 médicos formaram. Tinham amigos meus formando. Essa questão de segurança quanto à validade do curso, essa é… Não precisa se preocupar com isso. Porque tem médicos que já atuam no Brasil e com excelência”.
Segundo o empresário baiano, o custo de vida para quem deseja estudar medicina no Paraguai varia de aluno para aluno, entretanto muitos conseguem viver bem com uma média de R$ 2 mil no primeiro ano de faculdade.
“A mensalidade é de R$ 625 em média. Dentro da faculdade tem refeitório, vende comida brasileira, faixa de R$ 20 o quilo. A pessoa pode comer na faculdade, comida deliciosa, ou a 200 metros da faculdade. A faculdade é reconhecida pelo MEC. O resultado pelo revalida é altíssimo. É fantástico. Primeiro e segundo lugar na faculdade do Mato Grosso. É uma faculdade que forma muito bem os seus alunos”, explica. Cláudio acrescenta também que pode ajudar o aluno a procurar moradia no país.
Procurado pelo Bocão News, o presidente do Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed-BA), Francisco Magalhães, qualificou esses cursos como “suspeitos”. “Essas escolas que são voltadas para trazer alunos de outro país são meramente voltada para o ganho comercial”, afirma.
Segundo o representante da categoria na Bahia, formar um médico não implica passar uma grade curricular. “Tem uma série de situações. Inclusive você aborda o caráter, enfim, uma série de situações. Nesses países como Paraguai, na própria Argentina e na Bolívia, tem esse aspecto comercial, a maioria não é nem reconhecida nos próprios países. A faculdade começa a produzir indivíduos que não conseguem revalidar o diploma dele e nessa não revalidação começa a atuar de forma clandestina, usando CRM falso, de outra pessoa”.
Questionado se médicos do Paraguai atuam no país por meio do Mais Médicos, o presidente negou. “Desconheço. Eu conheço médicos que foram para Cuba, voltaram, fizeram o revalida e passaram. Mas médicos da Bolívia, Argentina, normalmente eles não passam”.
Ao site, a presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb-BA), a conselheira Teresa Maltez, avalia a prática do empresário como “oportunismo”. “Até para você se inscrever na faculdade não precisa de intermediário. É um oportunismo da crise”.
Ainda em entrevista, a conselheira Teresa Maltez diz que não tem conhecimento sobre a qualidade do curso paraguaio, mas afirma que há médicos estrangeiros que atuam na Bahia “da maneira correta”. A presidente do Cremeb-BA acrescenta que “infelizmente o Conselho não tem o poder de barrar” a atuação desses profissionais no país.
“O que o Conselho tem tentado é junto as faculdades da América Latina avaliar a qualidade desses cursos. Na Bolívia, a gente tem conhecimento que é fraudulento. Muitas vezes tem que fazer um curso completar depois do Revalida para atuar no Brasil. Mesmo no Mato Grosso, eles precisam fazer curso completar em alguma faculdade. Se não revalidar, pode como ele falou atuar pelo Mais Médicos, que tem um número de vagas limitadas”, explica.