![Moradores mostram rachaduras que dizem ter sido causadas por obras em rodovia na Bahia](https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/74/2017/07/05/rachaduras---rodovias-1499272884787_615x300.png)
Acionada na Justiça por quase 300 pessoas que se dizem prejudicadas por causa
de rachaduras em suas casas, supostamente causadas pelas obras de duplicação
de uma rodovia federal na Bahia, a concessionária Viabahia foi condenada nesta
semana a pagar quase R$ 100 mil em indenizações e danos morais.
O valor é referente ao julgamento das três primeiras ações, cujas sentenças foram
dadas na segunda-feira (3) pelo juiz Nunisvaldo dos Santos, do Juizado Especial
Cível de Santo Estevão, município de 53 mil habitantes, localizado a 148 km de
Salvador. Outras sentenças sobre ações do mesmo tipo devem ser divulgadas nos
próximos dias.
Controlada pelas empresas Isolux e Engevix, a Viabahia informou que
recorrerá das decisões e reclamou da falta de perícia técnica que comprove a culpa
dela nos danos causados aos imóveis.
Nas decisões, cujo teor é idêntico, mudando apenas o autor da ação e os valores a
serem pagos, o juiz Nunisvaldo dos Santos afirma que “a necessidade de perícia
técnica, por si só, não tem o condão de tornar a causa complexa, desde que outras
provas sejam suficientes para formar o convencimento do julgador”.
A Viabahia possui desde 2009 a concessão, por 25 anos, das BRs 116 (Feira de
Santana-divisa Bahia/Minas Gerais) e 324 (Feira de Santana-Salvador) e das
rodovias estaduais 526 e 528, que ligam a BR-324 à Base Naval de Aratu, na
Grande Salvador.
São, ao todo, 680 km de rodovias sob concessão. Há sete praças de pedágio: duas
na BR-324, onde são cobrados R$ 2,50 na passagem de automóveis; e cinco na
BR-116, com tarifa de R$ 4,50 para carros.
![](https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/50/2017/07/05/trecho-duplicado-sob-concessao-da-viabahia-na-br-324-na-bahia-1499275900844_615x300.jpg)
Inspeção judicial
As obras de duplicação, iniciadas em 2010, foram realizadas em um trecho de 64
km (incluindo a parte de Santo Estevão, feitas de 2013 a 2016), restando 12 km
para a conclusão.
Outros locais da pista serão duplicados à medida que o fluxo superar mais de 6.500
veículos/dia, conforme previsto no contrato de concessão entre a Viabahia e a
ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).
O trecho da BR-116 que falta ser duplicado em sua totalidade vai de Feira de
Santana à ponte sobre o rio Paraguaçu, que fica próximo a Santo Estevão. A ponte
também está sendo duplicada, com 70% de obras realizadas.
A previsão de entrega das obras deste trecho é para o final de 2017, declarou a
Viabahia, que firmou com o governo federal o compromisso de investir cerca de R$
2 bilhões para duplicar todo o trecho concedido –a concessionária diz já ter gasto
mais de R$ 1,7 bilhão em obras de infraestrutura.
Nunisvaldo dos Santos, que realizou no final do mês passado inspeção no local,
entendeu que os danos causados à residência foram causados pelas obras na BR-
116.
Ele escreveu nas decisões, que “por ocasião das obras, várias máquinas
‘pesadas’, utilizadas para compactar o solo, causaram um tremor tão grande nas
imediações que o imóvel da parte autora foi bastante atingido e danificado,
comprometendo seriamente sua estrutura e colocando a vida dos que ali habitam
em iminente risco, haja vista a real probabilidade de desabamento”.
Os argumentos da Viabahia nos autos do processo não foram “suficientes para
desconstituir o direito da parte autora [da ação]”, afirmou o juiz na sentença.
“Ademais”, assinalou o magistrado, “o fato de eventual construção se encontrar na
faixa de domínio da rodovia, não exime a responsabilidade da acionada no caso de
causar prejuízos a terceiros, ainda mais quando se trata de imóveis habitados por vários anos, sem nenhuma impugnação ou embargo do poder público”.
Em nota, a Viabahia informou que “respeita a decisão judicial e irá acionar
os recursos legais para obter a reforma da decisão em instância superior”.
Acordos extrajudiciais
A maioria dos imóveis prejudicados está a uma distância que varia de 30 a 100
metros da BR-116, próximo a Santo Estevão, onde a Viabahia é criticada por
realizar acordos extrajudiciais e negociar valores irrisórios como forma de
indenização para quem teve danos.
A reportagem teve acesso a contratos em que a empresa pagou valores entre R$ 5.000 a
R$ 12 mil. Nestes contratos, nos quais a empresa assume a culpa nos prejuízos às
casas, conforme entendeu a Justiça, havia cláusulas de sigilo válidas por cinco
anos.
A reportagem questionou à concessionária se ela ingressou com ações de
reintegração de posse contra as famílias cujas casas estariam dentro desta faixa de
domínio ou se elas foram legalmente indenizadas, mas a Viabahia não respondeu.
O juiz Nunisvaldo dos Santos considerou a cláusula uma “evidente má-fé” da
Viabahia e escreveu que “nos causa espécie o fato de que a cláusula de sigilo
coincide com o prazo prescricional de todas as outras vítimas, as quais, quase que
em sua totalidade, são compostas por pessoas financeiramente hipossuficientes [de
baixa renda], semianalfabetas e de pouca informação”.
O advogado Nirvan Dantas, que atua na defesa dos moradores prejudicados,
afirmou que “a situação da maioria das famílias é de calamidade, de gente que não
tem mais onde morar”.
“Estamos dando suporte em todos esses casos e vamos tomar as providências
necessárias. Consideramos como irregulares todos os acordos extrajudiciais feitos
com essas pessoas que nem sequer têm instrução para saber o que estão
assinando”, afirmou o advogado.
Casa derrubada
Pai de cinco filhos com idades entre dois e nove anos, o pintor desempregado Ary
de Souza Pinheiros, 32, é uma das pessoas que fizeram esses acordos com a
Viabahia, “mas fiz isso para não ficar de mãos vazias, pois a empresa derrubou
minha casa”, ele disse.
Após mais de dez anos trabalhando em São Paulo, juntando dinheiro, Ary tinha
voltado para Santo Estevão, onde começou a construir uma casa, na comunidade
de Cabeça da Vaca, a 30 metros da BR-116 e a 5 km da cidade.
“Gastei cerca de R$ 30 mil para construir, já estava para mudar. Não me avisaram
que derrubariam a casa, que só faltava pintar”, contou.
Parte dos R$ 5.000 que ele
recebeu da Viabahia foi usado para contratar um advogado e entrar com a ação de indenização.
Nas comunidades que margeiam a BR-116, batizada pela Viabahia de “Rodovia
Santos Dumont”, o que não faltam são pessoas reclamando do medo de verem
suas casas desabarem e da desvalorização imobiliária.
“Eu construí uma casa de 14 m x 17 m, toda na laje, e a dividi em três partes: um
depósito para material de construção, um cômodo comercial e uma residência. Há
oito meses que ninguém quer alugar nada aqui”, declarou o pedreiro Antonio Wilson
da Silva Nascimento, 43, cujo imóvel ele avalia em R$ 120 mil.
“Comecei alugando a parte comercial, onde funcionava um salão de beleza, por R$
350, caiu para R$ 120 e hoje ninguém quer mais.”
Na casa, o problema pior é na laje, onde, segundo disse Nascimento, prepostos da
Viabahia colocaram borra de asfalto nas rachaduras para ver se solucionava o
problema. “Piorou e eu perdi a laje”, lamentou.
Nascimento, após tentativas de negociações com a Via Bahia, diz que assinou
contrato extrajudicial de R$ 12 mil. “Eu assinei sem ler, pois tenho pouca instrução,
depois que vim ver que tinha a cláusula de sigilo, o que não achei certo”, afirmou.
Na comunidade de Posto São Caetano, a 6 km de Santo Estevão, o agente de
endemias Deneval Borges dos Santos, 41, conta que a casa do pai dele, Manoel
Senhorinho, está fechada, por conta de medo de desabamento.
Ele falou que ainda vai ingressar na Justiça contra a Viabahia: “As rachaduras
começaram a aparecer desde o início das obras de duplicação. Ninguém quer mais
ficar na casa, o último morador saiu há seis meses”.
Outras condenações
A Viabahia enfrenta também problemas com a Justiça Federal nos 100 km da BR-
324 que separam Feira de Santana de Salvador.
Em 2012, a concessionária foi acionada pelo MPF (Ministério Público Federal) junto
com a ANTT, autarquia federal responsável por fiscalizar o cumprimento do contrato
de concessão.
O motivo foi a falta de realização de serviços diversos por parte da Viabahia, já no
caso da ANTT a justificativa foi a ausência de fiscalização. Em 2013, numa decisão
liminar (temporária), a concessionária foi multada em R$ 50 mil por dia de atraso na
instalação dos equipamentos, porém recorreu.
A sentença em primeira instância só foi dada em janeiro deste ano, quando a
Justiça Federal determinou a colocação de equipamentos de detecção e
sensoriamento de pista, sensoriamento meteorológico, circuito fechado de TV,
detectores de altura, sistema de controle de velocidade e de pesagem nos postos
fixos e a instalação de balanças móveis.
A concessionária recorreu, mas em 4 de maio de 2017 a Justiça Federal negou o
pedido de embargo de declaração.
A ANTT deverá fiscalizar a instalação e impor
eventuais sanções à Viabahia para garantir o cumprimento do contrato.
A Viabahia disse que “já estão instalados e operando os seguintes equipamentos:
detecção e sensoriamento da pista; painéis de mensagens variáveis, fixos e móveis;
estações meteorológicas automáticas; circuito fechado de TV; detectores de altura e
sistema de controle de velocidade”.
Não foi informado quando serão instaladas as balanças de pesagem, essenciais
para controlar o excesso de carga trafegando na rodovia.
A concessionária enfrenta problemas também com a arrecadação por meio dos
pedágios, conforme o relatório de demonstrativo financeiro de 31 de dezembro de
2016.
“Fechamos o ano de 2016 com resultado negativo de R$ 28 mil e com leve queda
no tráfego mensal de veículos, mesmo com um aumento na arrecadação total por
conta do reajuste anual da tarifa de pedágio previsto em contrato”, registra o
documento.
Ganha destaque no relatório a redução de em 12,5% no número de vítimas fatais e
8% de feridos nas rodovias sob concessão, comparando janeiro a setembro de
2015, em relação ao mesmo período de 2016.
A pesquisa de 2016 da CNT (Confederação Nacional dos Transportes) sobre
rodovias apontou que, no estado geral, as BRs 116 e 324, administradas pela
Viabahia, estão, respectivamente em estado geral “bom” e “regular”.
Outro lado
Sobre as obras de duplicação, a Viabahia afirma que as realiza “com métodos
construtivos orientados pelas normas técnicas vigentes, com profissionais
experientes e equipamentos adequados e calibrados para o tipo de serviço
executado em obras desta natureza no Brasil”.
“A concessionária reitera que realizou vistorias cautelares aos imóveis da região,
com a elaboração de laudos periciais para atestar o baixo impacto nas redondezas
das obras. Foi constatado que há residências antigas e que sofrem com a ação do
tempo, além de serem construídas sem muitas vezes seguir um padrão de
engenharia e estrutura adequados e exigidos por lei.”
Sobre a demolição de casas, afirmou que “com base no contrato de concessão,
possui a obrigação de manter livre a faixa de domínio que é a área da União que
compreende as faixas de tráfego e uma faixa de terra adicional de segurança”.
Questionada sobre a fiscalização das obras de duplicação, a ANTT
declarou que “as ações de fiscalização são realizadas por especialistas em
regulação e técnicos em regulação, sendo voltadas para a verificação do
cumprimento, pelos agentes privados, dos encargos previstos nos respectivos
contratos de concessão, em especial nos Programas de Exploração das Rodovias”.
“As fiscalizações são realizadas em conformidade e na periodicidade prevista no
Plano Anual de Fiscalização aprovado pela Diretoria Colegiada. Quando
constatadas inconformidades durante a fiscalização, os servidores públicos da
ANTT notificam a concessionária tempestivamente de acordo com os marcos
regulatórios e as legislações vigentes.”
A ANTT informou que, “pela não realização dos serviços a que se refere a ação do
MPF, a agência já havia instaurado Processos Administrativos Simplificados para
apuração de responsabilidades e aplicação de penalidades”.
Texto e fotos: Mário Bittencourt
Colaboração para o UOL, em Vitória da Conquista (BA)