O advento das fake news – notícias falsas que circulam expressivamente na internet – é central no debate público contemporâneo. Um tema antigo, mas ainda pouco esclarecido e explorado.
Sabemos, no entanto, que elas sempre existiram. Quando, em 20 de julho de 1969, Armstrong pisou na lua, houve uma forte onda de boatos (os boatos são os antepassados diretos das fake news) espalhando a “notícia” de que as imagens haviam sido forjadas em algum estúdio secreto localizado nos EUA. No Brasil, a morte de Tancredo Neves (vítima de uma septicemia fruto de provável falha médica) também foi associada a algumas justificativas escusas – dentre as quais a que dizia que o mesmo havia sido vítima de um atentado. Durante o regime Vargas, Carlos Lacerda (jornalista e político ligado à direita) forjou um atentando contra si mesmo para poder acusar o então presidente de perseguição. Durante o regime militar, dois militares foram descobertos após tentarem explodir uma bomba em evento público para, depois, acusarem de terrorismo movimentos ligados à esquerda (evento que ficou conhecido como “Rio Centro”).
Poderíamos citar infinitos casos para concluir que, de um lado, historicamente, a manipulação da informação sempre foi usada para interesses políticos de viés eticamente desprezíveis. De outro lado, grande parte das pessoas têm vivido e explorado um conhecimento precário, incipiente, alimentado com preconceitos, crendices e superstições. É certo que o iluminismo ajudou a formar sujeitos que, sob influência de um certo racionalismo, tendem a se posicionar mais criteriosamente frente às informações disponíveis. No entanto, infelizmente, eles são uma minoria cada vez maior.
Dito isso, podemos afirmar com alguma razão que as fake news não são uma novidade histórica. O seu problema, tal como afirma Evgeny Morozov no livro Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política (publicado pela Editora Ubu), é a velocidade e a facilidade de sua disseminação”. Basta um click. Segundo Morozov, “isso acontece principalmente porque o capitalismo digital de hoje faz com que seja altamente rentável produzir e compartilhar narrativas falsas que atraem cliques”. A novidade, portanto, não está nas fake news, mas na aparição desse instrumento que as reproduz e as dissemina com amplitude e velocidade jamais vistas.
Um segundo ponto que merece atenção é aquele que se refere ao próprio significado de fake news. Não é raro ver o termo sendo utilizado com efeitos retóricos, ou seja, para desqualificar um discurso que se coloque em oposição ao daquele que o emprega. Nesse sentido, o termo passa de simples informação mentirosa a tudo aquilo que desagrada – não apenas aos fatos que desagrada, mas também as interpretações das quais se discorda com veemência. Em outras palavras, o que é fake news para um fanático, é verdade absoluta e inquestionável para o fanático da vertente oposta.
A questão é: podem as fake news colocar em risco a democracia ou a liberdade de expressão?
As ideias e ideologias formam um tecido contínuo, de modo que fica difícil estabelecer uma linha separadora entre o que se coloca como legítimo e o que se coloca como indevido, proibido de ser expressado. A livre manifestação e circulação dessas ideias permite à sociedade dispor de uma ampla gama de opções cuja utilização – as vezes seletiva, as vezes não – compõe a própria linha de evolução dos costumes e da história. Assim, o que hoje nos parece inaceitável, amanhã poderá se tornar status quo. Ora, quanto mais vigorosa é a prática da liberdade de expressão, quanto mais densa e variada, mais livres e conscientes serão as decisões que a sociedade deverá tomar… em tese. Na prática, além da diversidade de ideias razoáveis, a internet e a suposta liberdade que traz consigo deu espaço (mais do que isso, deu visibilidade) para teorias conspiratórias, opiniões detestáveis, versões distorcidas e sentimentos odiosos. Por alguma razão, elas dão mais ibope. Assim, cabe a necessidade de tipificar o termo. Fake news deveria compreender toda informação que, comprovadamente falsa, prejudique terceiros, tendo sido forjada e/ou posta em circulação por má fé ou simplesmente por negligência.
Um último aspecto que merece nota. O monopólio que exerce a Google na internet não significa que ela seja – ou deva ser – a responsável pela delicada tarefa de selecionar e/ou censurar informações. Ela não tem qualquer interesse em fazê-lo. Ela sequer se interessa em sustentar a liberdade de expressão. Essa ideia de terceirizar a responsabilidade é bastante comum por aqui. A Google, o Facebook e seus anexos estão interessados em você por duas razões: primeiro como consumidor e, segundo, pela informação que você gera a partir de suas buscas pessoais que, por sua vez, geram os dados necessários para te transformar em consumidor, pouco importando quem você é ou o que você pensa. Seus anúncios estão tanto em páginas que disseminam fake news quanto em páginas que combatem as fake news. Elas buscam, mais do que qualquer outra coisa, os focos de audiência. Nada mais.
Diz Morozov: “as eleições brasileiras de 2018 mostraram o alto custo a ser cobrado de sociedades que, dependentes de plataformas digitais e pouco cientes do poder que elas exercem, relutam em pensar as redes como agentes políticos. O modelo de negócios da Big Tech funciona de tal maneira que deixa de ser relevante se as mensagens disseminadas são verdadeiras ou falsas. Tudo o que importa é se elas viralizam, uma vez que é pela análise de nossos cliques e curtidas, depurados em retratos sintéticos de nossa personalidade, que essas empresas produzem seus enormes lucros. Verdade [para elas] é o que gera mais visualizações. Sob a ótica das plataformas digitais, as fake news são apenas as notícias mais lucrativas”.
Mas isso traz consigo um preço:
“Caso não encontremos formas de controlar essa infraestrutura, as democracias se afogarão em um tsunami de demagogia digital; esta, a fonte mais provável de conteúdos virais: o ódio, infelizmente, vende bem mais do que a solidariedade. É difícil, portanto, que exista uma tarefa mais urgente do que a de imaginar um mundo altamente tecnológico, mas, ao mesmo tempo, livre da influência perniciosa da Big Tech. Uma tarefa intimidadora que, se deixada de lado, ainda causará muitos danos à cultura democrática”.
O que fazer, portanto? Faria sentido exigir que os monopólios tecnológicos fossem compelidos a adotar uma política radical de transparência que permitisse, por sua vez, a absoluta supervisão sobre suas atividades – hoje totalmente inexistente? Faria sentido que a Justiça buscasse mecanismos que possibilitassem punir os responsáveis por divulgações mal-intencionadas, mesmo que para tanto houvesse monitoramento das atividades individuais? Em que medida nos seria garantido que tal monitoramento apenas não deslocaria o foco do problema – hoje na geração de dados para fins comerciais e, depois, nas mãos do Estado, como instrumento político?
Em última análise – e antes mesmo que possamos elaborar qualquer resposta aos questionamentos acima –, o mais eficiente instrumento contra as fake news, sua maior barreira, continua sendo a educação. Uma educação que esteja apta a estimular o discernimento nas escolhas, o questionamento permanente e o saudável ceticismo na forma de absorver informações. É o caminho mais longo, sem dúvidas, mas o único possível.
Ramon Brandão é mestre em Ciências Sociais e doutorando em Ética e Filosofia Política
Notícias Recentes
IMPRUDÊNCIA || Em rodovias federais, excesso de velocidade mata mais que dirigir bêbado

Carro capotado no vão central da BR-101, próximo ao município de Paulo Lopes (SC)
(Eduardo Valente/FramePhoto/Folhapress)
“Sabemos que a grande maioria destes têm o único intuito de retomo financeiro ao estado. Ao renovar as concessões de trechos rodoviários, revisaremos todos os contratos de radares verificando a real necessidade de sua existência para que não sobrem dúvidas do enriquecimento de poucos em detrimento da paz do motorista”, criticou o presidente.
Lombada é alternativa a radar, diz especialista
JUSTIÇA || Projeto proíbe prisão de avós por dívidas de pensão aos netos
A Comissão de Direitos da Pessoa Idosa aprovou o Projeto de Lei 2280/15, do deputado Giovani Cherini (PDT-RS), que proíbe a prisão de idoso devedor de pensão alimentícia se ele for o substituto do responsável legal.
“É o caso em que o pai não pode suportar o encargo e então são chamados os avós paternos ou maternos – pessoas idosas”, explica o relator da proposta, deputado Felício Laterça (PSL-RJ). “O projeto pretende que, no caso dessas pessoas, não seja decretada a prisão civil em caso de inadimplemento.”
Para esse grupo de idosos, caberá apenas outros meios legais de cobrança: protesto da dívida, penhora de bens, desconto em folha de pagamento, entre outros.
Laterça destaca que o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) resguarda o idoso de tratamento desumano, vexatório ou constrangedor.
“Apesar de a Constituição Federal impor ao Estado, às famílias e à sociedade o dever de amparar as pessoas idosas, defendendo sua dignidade e bem-estar, não têm sido raros os casos de decretação de prisão de avós por dívida alimentar devida aos netos, quando não encontrado um dos genitores ou quando não podem estes suprir totalmente as necessidades da prole”, afirma o autor do projeto.
“A utilização da prisão como meio executivo pode ser extremamente prejudicial ao idoso, não se coadunando de forma adequada à sua condição. É necessário, portanto, que os direitos sejam sopesados de forma diversa na hipótese de ser o idoso devedor de prestação alimentícia”, completa.
Tramitação
A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ir a voto em Plenário.
CONQUISTA || Empresários e pecuaristas estão em “lista suja” do trabalho escravo
A nova “lista suja” do trabalho escravo, divulgada hoje, dia 3, pelo Ministério da Economia, traz 48 novos empregadores. Com as novas inclusões, a “lista suja” totaliza 187 empregadores flagrados com a exploração de mão de obra análoga à escravidão. Veja a lista completa.
Em Vitória da Conquista, a “lista suja” cita o pecuarista Haroldo Gusmão Cunha , dono da Fazenda Rancho Fundo, região do Capinal, com 5 trabalhadores flagrados em condições análogas à escravidão. O ano da ação fiscal foi 2016.
Ainda em Conquista, a fazendeira Maria Elena Martins, da Fazenda Marília, povoado Matinha, distrito de Inhobim, foi alcançada pela fiscalização com uma pessoa em situação irregular.
No município de Presidente Jânio Quadros, o pecuarista João das Graças Dias, da Fazenda Lagoa do Severiano, foi incluído na lista por causa de um empregado irregular, em fiscalização ocorrida também em 2016.
No sul da Bahia, a empresária Márcia Nascimento Dias, da Fazenda Eldorado, distrito de Vila Brasil, em Una, mantinha três pessoas em condições idênticas. A inclusão do seu nome ocorreu este ano.
O promotor de eventos, Marcos José Souza Lima, do Rodeio 100 limites, em São José do Jacuípe, tinha 9 empregados em situação irregular. A Passos 3 Construções e Serviços LTDA, por sua vez, mantinha 5 homens em obras de manutenção predial no Porto de Ilhéus e Alojamento para trabalhadores situado na Rua Rotary, Cidade Nova, Ilhéus.
OUTROS BAIANOS NA LISTA
Sandiney Ferreira de Souza – Fazenda Prazeres – Distrito de Monte Alegre, zona rural, Riachão das Neves – 6 funcionários.
São Miguel Construções Ltda – Canteiro de obras do Centro Esportivo Unificado, Bairro N. Senhora da Vitória, Ilhéus – 9 funcionários.
Soebe Construção e Pavimentação S. A. – Alojamento Estrada de Rainha e Alojamento Rua da Lama, Salvador – 10 funcionários.
Ainda na Bahia constam a Associação Comunitária Cultural e Recreativa do Distrito Stela Dubois, onde foram flagrados 6 trabalhadores envolvidos na obra de construção de casas populares – Assentamento Vila PA, região do Beira Rio, zona rural de Santa Rita de Cássia; C.S. O. Engenharia Ltda, na obra Parque dos Coqueiros, em Feira de Santana, com 24 trabalhadores e
PELO BRASIL
A Animale, marca de roupas de luxo que subcontratou costureiros imigrantes bolivianos e os submeteu a jornadas de mais de 12 horas por dia passa a integrar o cadastro. Os dez trabalhadores resgatados dormiam nas oficinas, dividindo o espaço com baratas e instalações elétricas com risco de incêndio.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Animale e com o CEO da marca, Roberto Jatahy, pedindo um posicionamento, mas não teve retorno. Essa é a primeira “lista suja” do trabalho escravo divulgada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.
Outro novo integrante da “lista suja” é o produtor da Fazenda Cedro II, Helvécio Sebastião Batista, do Triângulo Mineiro, que comercializa o Café Fazenda Cedro. A marca ostenta selos de boas práticas de certificadoras internacionais. Uma delas, a Rainforest Alliance, informou à Repórter Brasil que suspenderá a certificação.
Em fiscalização ocorrida em julho de 2018, os auditores-fiscais do trabalho encontraram na fazenda seis trabalhadores com jornadas exaustivas que iam, em alguns casos, de 6h até 23h, além de condições de higiene consideradas degradantes nos alojamentos.
O que é a lista
A “lista suja” é uma base de dados criada pelo governo federal em novembro de 2003. O cadastro expõe casos em que houve resgate de pessoas em condições consideradas análogas à escravidão. As 48 empresas que entraram na atual “lista suja” foram fiscalizadas entre 2014 e 2018.
Antes de serem incluídos no cadastro, empregadores têm direito de se defenderem em duas instâncias administrativas do extinto Ministério do Trabalho, agora submetido ao Ministério da Economia Os empregadores envolvidos permanecem por dois anos na relação. Caso façam um acordo com o governo, o nome fica em uma “lista de observação” e pode sair depois de um ano, se os compromissos foram cumpridos.
MEIO AMBIENTE || Contaminação na Lagoa das Bateias por 30 anos motiva novo Protesto de “Madame Jamorri”

A lagoa, contaminada com esgotos e dejetos há anos, exalando odores fétidos, peixes morrendo, moradores incomodados, sendo inadmissível o Poder Executivo não priorizar, solucionando o sério problema! Na década de 60, esta Lagoa era insípida, inodora e incolor, hoje tem gosto cheiro e cor.
DESCASO || Sem transporte escolar, crianças são forçadas a andar por 20 minutos na trilha de cobras cascavel” em Vitória da Conquista

PAUTA DA SESSÃO || Confira as ações do mandato da vereadora Nildma Ribeiro que serão discutidas nessa quarta-feira, 3
Nessa quarta-feira, 3, na Sessão Ordinária da Câmara Municipal, serão discutidas matérias do expediente propostas pela vereadora Nildma Ribeiro (PC do B). As sessões, às quartas e sextas-feiras, no Plenário Carmem Lúcia (Rua Coronel Gugé 150, Centro), começam às 8h30 e são abertas ao público em geral.
Indico a Sua Excelência o Senhor Herzem Gusmão, Prefeito e a Sua Senhoria o Senhor José Antônio de Jesus Vieira, Secretário Municipal de Infraestrutura Urbana, a limpeza e manutenção de área de recreação e do entorno da Escola Municipal Péricles Gusmão, Situada no Bairro Brasil.
Indico a Sua Excelência o Senhor Herzem Gusmão, Prefeito, e a Sua Senhoria o Senhor José Raimundo Costa Fernandes, Secretário Municipal de Saúde, a ampliação do atendimento médico dos Povoados de Salitre e Cortesia, Região de Cercadinho, Zona rural de Vitória da Conquista
PAUTA DA SESSÃO || Confira as ações do mandato do vereador Rodrigo Moreira que serão discutidas nessa quarta-feira, 3
Nessa quarta-feira, 3, na Sessão Ordinária da Câmara Municipal, serão discutidas matérias do expediente propostas pelo vereador Rodrigo Moreira (PP), como a indicação ao presidente da Casa, para criação de uma Comissão Especial para acompanhamento integral do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano.
Também serão apresentadas as indicações ao prefeito Herzem Gusmão, para criação de uma Ouvidoria da Zona Rual, para atender de forma eficiente e célere as demandas dessa região, em Conquista e,também ao prefeito, e ao Secretário de Mobilidade Urbana, Jackson Apolinário Yoshiura, sugestão para implantação de faixa de pedestres e redutores de velocidade em todo o trecho urbano da Rodovia Santos Dumont,trecho de Conquista.
Rodrigo Moreira ainda indica ao secretário de Serviços Públicos, José Marques, coordenador de Iluminação Pública, Fábio Paes Silva, a reposição de lâmpadas do Povoado de Barrocas, zona rural do município. As sessões, às quartas e sextas-feiras, no Plenário Carmem Lúcia (Rua Coronel Gugé 150, Centro), começam às 8h30 e são abertas ao público em geral.
LUZ DA FÉ || Espiritismo marca 150 anos da morte de Allan Kardec diante de “momento de transição”
Hippolyte Léon Denizard Rivail, conhecido como Allan Kardec, foi o responsável pela publicação do pilar da filosofia que nasceu a partir da investigação científica de fenômenos chamados “mesas girantes”
Kardec, cujo nome de batismo é Hippolyte Léon Denizard Rivail, foi o responsável pela publicação do pentateuco espírita, conjunto de cinco obras literárias, pilar da filosofia que nasceu a partir da investigação científica de fenômenos chamados “mesas girantes”, motivo de inquietação na Europa no século 19.
— Ele pensou ter encontrado nas manifestações das mesas girantes evidências robustas da imortalidade da alma, por meio da identidade dos espíritos comunicantes — afirma Dora Incontri, jornalista, doutora em educação pela USP e considerada uma das maiores especialistas em Kardec do país.
Ainda no primeiro semestre deste ano, estão previstas as estreias de um documentário e de um filme a respeito do chamado codificador da doutrina espírita. Dora, com Karim Soumaïla, assina o roteiro de Em Busca de Kardec, o documentário.
— A filosofia que ele estabeleceu, que é o espiritismo, que ele (Kardec) não queria que fosse uma religião, foi construída em diálogo com espíritos — afirma.
Já o filme dramatizado é baseado na biografia escrita pelo jornalista Marcel Souto Maior, que mostra a trajetória do professor Rivail até transformar-se no “pai do espiritismo”.
Segundo Souto Maior, a obra de Kardec é estudada e colocada em prática hoje em cerca de 15 mil centros espíritas pelo país, tendo como máxima a frase cunhada como a essência da doutrina: “Fora da caridade não há salvação”.
— Ela (a obra) sustenta uma rede de solidariedade cada vez mais integrada e ativa. É muito atual e cada vez mobiliza mais gente em torno das lições que difundiu — diz ele.
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O médium Chico Xavier foi um dos exponentes do espiritismo
no Brasil. Imagem: Adriana Fraciosi. Ag. RBS
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Souto Maior afirma ainda que em nenhum país o espiritismo de Kardec ganhou tantos adeptos quanto no Brasil. Um dos grandes responsáveis por isso foi o médium Chico Xavier (1910-2002). Além de ações de caridade, o mineiro ganhou fama ao psicografar milhares de cartas e publicar mais de 400 obras. Em 2010, segundo o Censo mais recente do IBGE, 3,8 milhões de pessoas se declararam seguidores da doutrina no Brasil. É o sexto com maior índice de Ensino Superior (31,5%) e a maior taxa de alfabetização (98,6%).
Nesse total, porém, não estão outras correntes reencarnacionistas existentes no Brasil, como o candomblé e a umbanda, das quais os kardecistas buscam se diferenciar. Tampouco estão incluídos aqueles que veem a doutrina como filosofia e não religião, ou que a seguem em paralelo com religiões como a católica.
Polêmica com médium
Os espíritas também vêm, desde o final de 2018, empregando esforços para explicar que o médium João de Deus, 77 anos, preso em Goiânia (GO) sob a suspeita de abuso sexual e outros crimes, não pode ser considerado um espírita.
— O próprio médium já se declarou não espírita. É preciso separar a pessoa da doutrina. Mesmo que ele fosse espírita, dentro das nossas imperfeições, podemos cometer erros, mas os ensinamentos apontam para seguir corretamente — diz Geraldo Campetti, vice-presidente da Federação Espírita do Brasil (FEB).
Ele diz que “segundo Kardec, uma coisa é ser médium, um instrumento entre o plano espiritual e o material, outra é o uso que se faz da mediunidade, que pode servir tanto ao bem quanto ao mal. Pode-se trabalhar pelo próximo ou por interesses particulares.
— É claro que é lamentável tudo o que aconteceu, é um alerta para que fiquemos cada vez mais vigilantes. O médium não é um espírito perfeito, pelo contrário, é um espírito bem endividado — completa Campetti.
Momento-chave
Na visão dos espíritas, o clima que prevalece na sociedade, de atrito entre as pessoas, tem relação com o que chamam de “momento de transição”, que é marcado por questionamentos de valores. Campetti avalia que “estamos vendo pessoas perturbadas querendo conturbar”, e pessoas embarcando em processos de precipitação de opinião, de tomada de atitude intempestiva, que acabam favorecendo a polarização e tencionando as relações.
— O espiritismo leva a mensagem de paz e de esperança, e somos convocados a agir. É um momento decisivo, crucial, com o recrudescimento dos enfrentamentos, e não há como ficar parado — diz. — Precisamos dar apoio para que as pessoas entendam o que é essencial na vida. A doutrina se prepara para um momento de regeneração, para dar uma base às pessoas para trabalharem por seu restabelecimento moral.
A doutrina espírita previu esse momento conturbado e assinalou a importância de seus seguidores se pautarem sempre pelas lições morais do evangelho, especialmente a prática da caridade
ANDRÉ TRIGUEIRO, JORNALISTA E UM DOS MAIORES PALESTRANTES SOBRE ESPIRITISMO NO BRASIL
Para o jornalista André Trigueiro, um dos palestrantes sobre espiritismo mais conhecidos do país, “para os espíritas, estaríamos deixando a categoria de mundo de provas e expiações — onde a dor e o sofrimento ainda predominam — para o mundo de regeneração — onde a evolução ética e moral determinariam vivências menos dolorosas do que as atuais”.
— O agravamento das tensões, no nível em que experimentamos hoje, costuma marcar de forma aguda esses períodos de transição. A doutrina espírita previu esse momento conturbado, e assinalou a importância de seus seguidores se pautarem sempre pelas lições morais do evangelho, especialmente a prática da caridade — afirma.
Os avanços científicos em torno das manipulações genéticas, do sequenciamento do DNA e também as novidades tecnológicas parecem não levar desconforto aos espíritas, mas, sim, entusiasmo, uma vez que a doutrina afirma se ancorar no respeito à ciência.
— O espírita, ao se considerar cientista, tem de ser amigo do avanço da ciência. Outra visão seria sociologicamente tentar entender se os espíritas são amigos da ciência, mas aí não seria uma postura filosófica — diz o professor da USP Alysson Mascaro. — Isso é postulado por Kardec: a ciência acima de tudo. É um postulado, inclusive, do iluminismo do século 18, aplicado nessa leitura de Kardec no século 19.
Trigueiro diz que “Kardec utilizou a metodologia científica para eliminar o risco de fraudes e mistificações”.
— A atualidade do espiritismo se manifesta pela lógica de seus postulados (de Kardec) que revelam as leis que regem a vida e o universo. É o que se convencionou chamar de fé raciocinada — afirma. — Assim, os princípios básicos da doutrina permanecem perenes na linha do tempo. || Conteúdo extraído de Gaúcha ZH