OPINIÃO | STF cancela cela especial, mamata vergonhosa de quem tem ensino superior

Por unanimidade, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal declararam inconstitucional a prisão especial provisória – a conhecida “cela especial” – para quem tem diploma de curso superior em julgamento virtual encerrado na noite dessa sexta (31). Até agora, se duas pessoas cometiam o mesmo crime, mas uma delas estudou mais, esta podia ficar em uma cela separada até a condenação ou absolvição em definitivo. O que é uma mamata bisonha.

Quem teve acesso à educação formal não deveria desfrutar de privilégios sobre quem foi obrigado, em determinado momento, a escolher entre estudar e trabalhar. Ou que, por vontade própria, simplesmente optou por não fazer uma faculdade.

Só o pensamento limitado é capaz de considerar alguém “superior” por ter um bacharelado ou uma licenciatura.

Posso ter mais conhecimento técnico em determinada área, mas isso não faz de mim uma pessoa melhor ou com mais caráter do que alguém que aprendeu na prática, como um trabalhador rural iletrado.

Relator da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 334, ajuizada no Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República, em 2015, o ministro Alexandre de Moraes votou pela inconstitucionalidade.

Foi acompanhado pelos outros dez ministros. O artigo 5° da Constituição Federal diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Mas, na prática, a legislação brasileira confere o privilégio de não ficar em cárcere comum até o trânsito em julgado de uma decisão penal condenatória para alguns grupos.

Em alguns casos, como os delegados de polícia, por exemplo, isso evita vinganças. Em outros, como os detentores de diploma de curso superior, é pura mordomia.

O Senado Federal havia derrubado essa excrescência presente no inciso VII, do artigo 295, do Código de Processo Penal, mas a Câmara dos Deputados, claro, barrou a mudança. Rodrigo Janot, então procurador geral da República, ajuizou no STF a ADPF contra o inciso.

Segundo ele, o item “viola a conformação constitucional e os objetivos fundamentais da República, o princípio da dignidade humana e o da isonomia”. Segundo sua argumentação, a separação não deveria ocorrer por conta do nível educacional, mas da natureza do delito, da idade e do sexo.

Considerando que, antes do julgamento e de uma condenação, há a presunção da inocência, seria importante que o regime desses presos fosse diferenciado. Mas isso deveria valer para todo mundo – do analfabeto ao que tem pós-doutorado. Assim, não seria a concessão de um privilégio, mas a garantia de um direito.

Aliás, o ideal é que não mandássemos para a cadeia os que não estão condenados se não apresentam risco à sociedade ou ao inquérito.

Mas se a pessoa é pobre, não raro fica anos esquecida, esperando julgamento. A proporção de presos provisórios caiu de 40%, em 2014, para 29,1%, no final do ano passado. A pandemia ajudou a baixar essa taxa devido às medidas para evitar aglomerações. Ainda assim, é muita coisa.

O Brasil prende muito e prende mal. A prisão provisória ou cautelar, muitas vezes, é utilizada como antecipação de pena antes mesmo do julgamento. Principalmente, se você for negro e pobre.

Com o julgamento no STF, o Brasil se torna um pouquinho mais justo e menos desigual. Agora só falta garantir que pobres não amarguem anos de prisão provisória, à espera de julgamentos que podem inocentá-los.

Que negros não sejam mandados à prisão por crimes que não cometeram porque foram equivocadamente confundidos por cor de sua pele. E que todas as pessoas tenham o mesmo tratamento diante da Justiça, independentemente de quanto têm na conta bancária.

* Este texto não reflete necessariamente a opinião do Sudoeste Digital.


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