OPINIÃO: Promotora de Justiça critica “mordaça” do Congresso aos agentes públicos

Solange Anatólio* – 


Não costumo me manifestar sobre pautas políticas ainda que
tenham um conteúdo jurídico, mas desta vez não posso deixar de consignar o
absurdo que o Congresso vem fazendo ao tipificar como crime atos próprios da
atividade do Ministério Público e do Judiciário, amordaçando os agentes
públicos que mais fortemente podem atuar no combate à corrupção e ao malfeito
administrativo.
Basta ler o projeto que se percebe claramente sua
inconstitucionalidade, porque cria figuras abertas, sem nenhuma densidade de
sentido, como por exemplo: “proceder com indignidade ou fora do
decoro”; que seria isso?! Ou ainda: “atuar com finalidade de
autopromoção”, que também é algo vago e sem precisão! A quem não milita na
área essas expressões talvez sejam autoexplicativas, mas não é assim na
prática.
É que, como o projeto permite que os próprios investigados
representem contra o juiz ou o promotor responsável por seu caso, todos esses
tais “atos de abuso de poder” acabariam por dar margem à utilização meramente
política da Lei, porque qualquer coisa poderia ser “falta de decoro”, afinal,
qual o criminoso que acha seu acusador ou julgador bonzinho, digno e correto?
Óbvio que ele dirá que não há decoro e que tudo é indigno! Principalmente os
criminosos que têm poder político/econômico/midiático…
E o projeto é inconstitucional por isso, porque fere o
princípio da taxatividade, que quem é da área sabe o que é. Este princípio
demanda que os crimes sejam descritos da forma mais exata possível, pra evitar
o manejo ilegítimo da lei criminal.
O fato, meus amigos, é que tudo isso intimidaria e
constrangeria o promotor e o juiz!
É isso que a sociedade quer?
Concordamos todos que a Lei de abuso de autoridade precisa
ser revista, mas com calma, e não logo neste momento e dessa forma, tudo com o
objetivo espúrio de reverter as conquistas alcançadas especialmente na Lava
Jato.
Sem falar que já existem leis que punem os agentes públicos
abusivos; há ainda as instâncias de corregedoria, que funcionam sim, basta ver
os números no Conselho Nacional de Justiça e no Conselho Nacional do Ministério
Público, com diversos juízes e promotores punidos nos últimos anos.
Mas como foram investigados e condenados os que criam as
leis, então primeiro tentam mudar o juiz, o promotor… Como não conseguem,
então mudam as regras do jogo, isto é: as mesmas leis que permitiram a sua
punição! Historicamente sempre foi assim.
Chama atenção, ainda, que esse projeto surja no meio do
projeto encabeçado pelo Ministério Público das “10 medidas contra a
corrupção”, como um verdadeiro cavalo de Tróia plantado pra destruir o
“inimigo”. Um projeto que era pra ser anticorrupção poderá ser
utilizado pelo corrupto.
Repito, é isto que a sociedade quer?

Aos ressentidos, que argumentam que o MP e o Judiciário têm
sido seletivos, fica um alerta: no dia que os investigados forem políticos que
não pertencem ao campo partidário de vocês, FIQUEM ALERTAS, porque essa mesma
medida que hoje vocês apoiam poderá ser utilizada por eles pra CALAR o
Ministério Público.

* Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia.


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