OPINIÃO | O erro de Bolsonaro (Alexandre Henry Alves, juiz Federal e escritor)

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A polêmica do carnaval de 2019 foi a postagem do presidente Jair Bolsonaro com um vídeo
escatológico. Para piorar, depois o presidente voltou à rede social para perguntar o que era golden
shower. Bom, acho que você já conhece a história.

Eu vi o vídeo. Realmente, as cenas não são, digamos assim, compatíveis com uma sessão da
tarde. A primeira delas, apesar dos ares grotescos, nem me espantou tanto, pois cada um coloca o
dedo onde quiser, desde que seja no seu próprio corpo. Claro, fazer isso em público não é algo que
se vê todos os dias e nem se deveria ver publicamente em hora alguma, mas convenhamos que era
carnaval e, se montássemos um ranking das cenas mais pesadas do ponto de vista da pornografia,
considerando os cinco dias de festa, provavelmente aquela não ficaria em primeiro lugar. Não estou
dizendo que não foi pesada, veja bem. Já a segunda cena, a que fez o Brasil conhecer o significado
da expressão golden shower, essa me impressionou um pouco mais, pois certos fetiches fogem à
minha compreensão e um deles é receber um jato de urina na cabeça. Porém, repito: era carnaval e
talvez essa também não fosse a cena mais pesada colhida durante a festa, se fizéssemos um
campeonato de bizarrices públicas.
Não, não se pode tudo no carnaval, ao menos diante de uma multidão (o que se faz em ambiente
privado, entre duas pessoas adultas, capazes e de forma consentida, não me diz respeito). Apesar
de compreender o calor do momento, apesar de compreender que o carnaval é um período sui
generis, que leva a comportamentos geralmente confinados a quatro paredes e um teto, não achei
que os dois rapazes que protagonizaram o vídeo agiram de forma correta. Um bloco de carnaval
tem muita gente que está ali apenas para dançar e se divertir sem toques de libido, gente que, se
quisesse ver cenas de sexo, alugaria um filme pornô e o veria em um lugar mais reservado. Essas
pessoas têm o direito de pular carnaval sem um show erótico ao vivo. Enfim, o fato de tudo ter
ocorrido no contexto do carnaval pode ser uma explicação, mas não uma justificativa. Ameniza o
que a dupla fez, mas não expurga o conteúdo inadequado dos atos.
Falo então do ato do presidente e já adianto que não vai aqui nenhum comentário de conteúdo
jurídico. Limito-me a um raciocínio lógico. Feita a ressalva, posso dizer com segurança que achei o
comportamento do presidente totalmente incoerente. Como eu disse, e acho que o presidente
também concorda comigo nesse ponto, o que acontece em um quarto entre dois adultos não é da
conta de ninguém, a não ser dos dois mesmo. Se a pessoa quer utilizar o dedo de forma não
convencional em seu próprio corpo, mas o faz no recanto de sua intimidade, não há nada de errado
com isso. Da mesma forma, se a pessoa sente prazer na prática do golden shower e faz isso toda
semana em um banheiro de motel, o único erro que pode existir é de quem não respeita o livre
arbítrio dessa pessoa. Resumindo, os atos, em si, não representaram o problema, que se restringiu
ao fato deles estarem fazendo aquilo em público.
Se o problema era a publicidade dos atos, a única coisa que não se poderia fazer para criticar o
comportamento dos dois rapazes era dar ainda mais publicidade ao que eles fizeram, espalhando o
vídeo da cena de carnaval. Percebeu a incoerência? É mais ou menos como a Maria contar um
segredo para o João e para o Ricardo. Digamos que ela tenha contado que adora o tal do golden
shower. Aí, o Ricardo vai e conta para o Henrique. João fica sabendo que Ricardo não guardou
segredo e acha aquilo um absurdo, pois realmente era uma intimidade revelada por Maria que não
deveria ser contada para ninguém. Mas, para mostrar ao mundo o erro de Henrique, João conta
para todo mundo que Ricardo contou para Henrique que Maria aprecia o golden shower. E assim, o
que era um segredo revelado de forma indevida apenas para outra pessoa passa a ser do
conhecimento de todo mundo, justamente pela boca de quem criticou a falta de discrição da outra
pessoa.
Estou seguro em dizer que o presidente errou ao publicar o vídeo.

Resultado de imagem para ALEXANDRE HENRYNão do ponto de vista jurídico,
pois nessa área eu me abstenho, por razões profissionais, de comentar. Ele errou do ponto de vista
da lógica, da coerência.

Se era para criticar uma cena imprópria para um local público, que o fizesse
só com palavras ou, quiçá, com uma foto devidamente tarjada. Mas, dar publicidade a uma cena
para criticar o fato dela ter sido feita em público, sinceramente, foge à minha compreensão.

*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Sudoeste Digital. (Publicado originalmente em Diário de Uberlândia).


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