Embora tenha omitido os nomes dos servidores envolvidos na fraude identificada na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Vitória da Conquista, o delegado da Polícia Federal Rodrigo Souza Kolbe revelou que as irregularidades tinham à frente a secretária de Saúde, Ramona Cerqueira Pereira, a então diretora de Vigilância em Saúde, Ana Maria Viana Ferraz de Oliveira, além de três ou quatro outros servidores (o delegado não deu quantidade exata).
Ramona foi nomeada secretária duas vezes, a primeira, interinamente, em 21 de maio de 2019, e a segunda em 17 de abril de 2020, tendo ficado à frente da pasta até o dia 2 de fevereiro de 2023, quando pediu exoneração. As informações deste conteúdo foram integralmente colhidas no Blog do Giorlando Lima.
Ana Maria ainda está na SMS até hoje, embora o delegado da PF tenha falado em determinação judicial pelo seu afastamento – ainda não publicado ou ratificado pela Prefeitura. Em março do ano passado, a prefeita Sheila Lemos transferiu Ana Maria da diretoria de Vigilância em Saúde para a Atenção Básica.
Ramona, Ana Maria e demais servidores envolvidos estão cumprindo medidas cautelares e não poderão deixar a cidade ou conversar entre si, entre outras proibições. A Polícia Federal chegou a pedir a prisão de todos, mas o juiz (não mencionado) optou por medias mais brandas. Os denunciados responderão por organização criminosa; lavagem de dinheiro; fraude na licitação e peculato. A reportagem do Sudoeste Digital tenta contato com os indiciados.
VEJA PRINCIPAIS PARTES DA ENTREVISTA DO DELEGADO
A investigação – “Ela foi iniciada em 2022, a partir de uma denúncia que a gente recebeu da Procuradoria do Município de Vitoria da Conquista. Houve uma denúncia, na época, em um dos blogs da cidade a respeito de uma possível fraude de licitação. E aí o procurador do município vinculado à Secretaria de Saúde, a pedido do então prefeito da época, que hoje é falecido, fez levantamentos para apurar se havia procedência ou não no que o blog havia publicado. Então ele fez uma apuração interna e, de fato, ao coletar documentos ali, verificou que havia indícios fortes de fraude, e fez uma comunicação tanto para o Ministério Federal quanto para a Polícia Federal, como também para a Procuradoria-Geral do Município, para que fizessem as apurações devidas. A partir dali, foi instaurado o inquérito policial aqui, na delegacia da Polícia Federal de Vitória da Conquista. Os nossos primeiros levantamentos já indicavam, claramente, que havia uma coisa muito errada ali, no que tange ao preço praticado e à forma como aquilo tudo tinha sido feito”.
O modus operandi – “A gente verificou, no primeiro momento, que a Secretaria de Saúde – que tem autonomia financeira e autonomia administrativa, desvinculada da própria Prefeitura – tentou comprar esses mesmos testes, diretamente com uma empresa que é sediada em Belo Horizonte, e teve uma recusa por parte da Procuradoria do Município, justamente porque a diretora de Vigilância tinha um parentesco próximo, muito próximo, com a sócia da empresa. Então, eles cancelaram a licitação e fizeram uma nova. Nessa nova licitação, o processo de licitação nesse período [pandemia] ele é feito a partir de cotações que a prefeitura fazia. Não havia uma publicidade como geralmente nos processos licitatórios em um período normal. Então, essas cotações elas eram direcionadas. A gente percebeu que cotações que vinham de empresas com valores menores do que eles queriam eles descartavam, do próprio procedimento. E essas cotações a menor a gente conseguiu recuperar nas quebras do sigilo telemático, fiscal e telefônico das pessoas. A gente conseguiu ver o que seria o real e o que foi colocado no procedimento.”
“E aí, o que aconteceu? Eles compravam, então, de uma empresa de Salvador, que por sua vez comprava da mesma empresa em Belo Horizonte. Aquela mesma empresa que eles não puderam comprar no primeiro momento. Fizeram isso uma vez, quando foram fazer a segunda vez vieram novas cotações com preços abaixo do valor que eles queriam adquirir. Eles. literalmente. abandonaram o processo de cotação e dois dias depois iniciaram um novo processo de cotação. Rapidamente, eles conseguiram algumas cotações, inclusive de Belo Horizonte, e sagrou vencedora, novamente, a mesma empresa de Salvador, fazendo os mesmos pagamentos, com os mesmos valores superfaturados, para inclusive aqueles que eram praticados naquele momento do país.”
Dinheiro apreendido
“E a gente também cumpriu buscas e medidas cautelares nas residências de todos eles [servidores da Secretaria Municipal de Saúde] e nas empresas. Temos uma apreensão bastante razoável em espécie, que foi em Salvador, um dos alvos em Salvador, mas a gente já tinha identificado como o núcleo do financeiro da organização criminosa. Então foi aprendido em torno de 123 mil reais, mais euros e dólares em espécie, fora os carros de luxo que foram apreendidos e outros bens. Eu não tenho total noção ainda da quantidade de bens que foram apreendidos, porque as equipes estão encerrando os trabalhos pouco a pouco, e aí só depois eu vou ter um acesso no panorama geral de tudo. Algumas coisas a gente sabe porque chama a atenção. Aqui em Vitória da Conquista não houve nenhuma apreensão em espécie. As apreensões todas vinculadas a valores e a carros de luxo ou joias que a gente venha a ter, inclusive em moeda estrangeira foram em Salvador.”
O valor da fraude
“A gente chegou, facilmente, a um montante de R$ 677 mil de desvio. Não quer dizer que não possa ter havido mais, porque a gente, por exemplo, não tem como apurar nesse momento, se todos os testes forem entregues. Então, se uma empresa entrega metade dos testes, o desvio aumenta, obviamente. Infelizmente, esse dado a gente não tem, porque a denúncia é de 2022, então já tinham sido utilizados os testes. Mas é importante que, a partir do momento que a gente verificou irregularidades, do início ao fim do processo citatório, o valor inteiro do contrato se torna como prejuízo para a União. Então, o prejuízo de fato para a União é de R$ 2 milhões e 30 mil reais.”
PF pediu prisão dos servidores – “A gente pediu. Eu representei pelas prisões, o Ministério Público Federal até concordou com o meu pedido nesse aspecto, mas o juiz entendeu que não era o caso de decretar a prisão nesse momento. Então, o que é que o juiz optou? Ele optou por uma medida mais branda, nesse primeiro momento, e caso haja novas provas ou descumprimento dessas medidas [cautelares], aí as medidas são convertidas automaticamente em prisão preventiva. Então, os investigados foram afastados das funções públicas; eles estão proibidos de contratar com o poder público; eles estão proibidos de sair da comarca sem autorização judicial; eles são proibidos de ter contato entre si. E aqueles que eram empresários foram afastados da organização das sociedades, das empresas. E as empresas também foram proibidas de contratar para o poder público. Porque a gente começou, na verdade, a verificar que existia uma empresa dentro de outra no mesmo endereço de Salvador. E aí o dinheiro circulava entre elas e aí misturava tudo. Então, a gente acaba ampliando medidas para essas outras empresas dentro de Salvador também.”
A origem do nome Dropout – “É uma referência a uma série do Star Plus que narra uma história real de uma americana que prometia fazer exames de sangue com apenas uma furada no dedo e entregar um exame de completo, de câncer, etc. E aí, como ela não conseguiu, ela começou a fraudar esse exame, dizendo que fazia os exames, mas nunca fez os exames. Ela ficou bilionária, capa de revista, celebridade. E depois de dois, três anos, descobriram que era tudo fraude, que ela inventava os resultados dos exames. Então, tinha entregue resultados positivos de câncer para pessoas que não tinham câncer e resultados negativos para pessoas que tinham. Então, a ideia é uma vinculação dessa fraude com o resultado da saúde pública, dos testes.”
A bilionária americana Elizabeth Holmes, empresária da área de biotecnologia, era um dos nomes revolucionários do Vale do Silício e foi até comparada com o gênio Steve Jobs, da Apple. Ela chegou a ser capa da Forbes, uma das mais importantes revistas de economia do mundo. Quando estava no topo, foi descoberto que ela praticava uma fraude, ao garantir que uma máquina batizada de Edison, poderia processar centenas de tipos de exames, de colesterol a câncer, rapidamente, com apenas algumas gotas de sangue. Foi comprovado que isso não era possível e ela foi condenada a 11 anos de prisão, aos 37 anos de idade. A série teve Amanda Seyfried no papel de Elizabeth Holmes.