O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta sexta-feira (30) para confirmar que é inconstitucional a tese da legítima defesa da honra.
A tese era utilizada em casos de agressões ou feminicídios para justificar o comportamento do acusado em casos, por exemplo, de adultério, na qual se sustentava que a honra do agressor havia sido supostamente ferida.
O relator, ministro Dias Toffoli, votou contra a ideia na sessão desta quinta-feira (29). O julgamento foi retomado nesta sexta, com os votos de André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, que acompanharam o relator para tornar a tese inconstitucional.
O julgamento foi suspenso e deve ser retomado em agosto, após o recesso. As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber ainda vão votar.
A ação que discute o tema foi apresentada pelo PDT, em janeiro de 2021. A sigla argumentou que não são compatíveis com a Constituição absolvições de réus pelo júri baseadas na tese da “legítima defesa da honra”, classificada como “nefasta, horrenda e anacrônica”.
Em 2021, em julgamento virtual, a Corte já havia decidido suspender, até o julgamento do mérito da ação, o uso da tese pelos advogados de réus em júri popular.
À época, os ministros consideraram que a aplicação da “legítima defesa da honra” é inconstitucional por violar princípios como o da proteção à vida, dignidade da pessoa humana e igualdade.
Nesta semana, os ministros analisaram o mérito do pedido, confirmando a inconstitucionalidade da tese.
Votos
Em seu voto, Toffoli argumentou que a ideia remonta a “uma concepção rigidamente hierarquizada da família na qual a mulher ocupa posição subalterna e tem restringida sua dignidade e sua autodeterminação”.
“Segundo essa percepção, o comportamento da mulher, especialmente no que se refere à sua conduta sexual, seria uma extensão da reputação do ‘chefe de família’, que, sentindo-se desonrado, agiria para corrigir ou cessar o motivo da desonra. Trata-se, assim, de uma percepção instrumental e desumanizadora do indivíduo”, disse o relator.
Nunes Marques disse que é “chegada a hora dos nossos tribunais varrerem para o campo tétrico e proscrito a legítima defesa da honra, contra os crimes cometidos contra as mulheres por ciúme e objetificação do ser humano”.
O ministro Alexandre de Moraes citou estatísticas de violência contra a mulher e destacou o papel do Poder Judiciário em avançar sobre o tema para frear a aplicação da tese.
“É importante que o Poder Judiciário haja avanço institucional numa sociedade impregnada de preconceitos e discriminação de gênero, uma sociedade impregnada de machismo estrutural, é importante que o STF dê um recado direto, muito expresso de que não deve e não será mais admitido que alguém possa ser absolvido pelo tribunal do júri de um feminicídio alegando a legítima defesa da honra”.
Tribunal do júri
O tribunal do júri, previsto na Constituição, julga crimes dolosos contra a vida — como homicídio e feminicídio.
Além de estabelecer seu objetivo, a Constituição prevê que um dos princípios do julgamento popular é o da “plenitude de defesa”, mais abrangente que a ampla defesa dos outros processos criminais.
O mecanismo permite, na prática, que qualquer argumento que permita a absolvição do réu seja usado pela defesa neste sentido, mesmo que a tese envolva uma questão que vai além do direito.
Assim, é possível apelar para a clemência dos jurados, por exemplo. Nesta brecha, também passou a ser aplicada a tese da legítima defesa da honra.
A legítima defesa da honra não tem base jurídica e não se confunde com o mecanismo da legítima defesa do direito penal, que permite a um cidadão rebater uma agressão injusta de uma outra pessoa, por meios moderados, na intensidade suficiente para cessar o perigo. | G1