IMPRENSA | Após reportagem, deputada registra B.O. e avalia processar site no Sudoeste

Foi com surpresa que o jornalista Tiago Marques recebeu a notificação do registro de uma ocorrência contra o veículo Agência Sertão, onde ele atua como redator e editor. Após a publicação de uma matéria pelo site, a deputada estadual Ivana Bastos (PSD) acionou a Delegacia de Polícia Civil de Guanambi, no sudoeste da Bahia, para denunciar o veículo e duas pessoas físicas pela “divulgação de notícias falsas” relativas à parlamentar e seus familiares, “através de texto e vídeos que circulam pela internet”.

A matéria “Quilombolas acusam deputada de invasão de terra e desmatamento em Malhada” traz um vídeo no qual um homem denuncia a família da deputada por exploração de madeira de lei e invasão de terras demarcadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para a população remanescente de quilombos da localidade. As imagens mostram moradores das comunidades Quilombolas de Parateca e Pau d’Arco, na zona rural de Malhada, em meio à derrubada de árvores.

Com o som de motosserra ao fundo, o produtor das imagens expõe a retirada de madeira de lei. “Os grileiros estão invadindo as áreas dos quilombolas, roubando a nossa terra e a nossa madeira. Estamos aqui com 50 homens fiscalizando a nossa área e encontramos isso aqui, feito pelos grileiros”, afirma o cinegrafista amador, dirigindo-se às autoridades do Ministério Público Federal e do Ibama. O vídeo rapidamente se espalhou e uma matéria foi publicada pela Agência Sertão e outros veículos.

Ivana Bastos se posicionou desde o início do caso. Nas notas que divulgou para a imprensa, ela afirma estar sendo vítima de fake news. “Um vídeo mentiroso e apócrifo, sem autoria até agora identificada, foi espalhado em grupos de WhatsApp, apropriado por outros agentes de caráter duvidoso e já em parte identificados”, afirma em trecho da nota. “Determinado site chega a noticiar que não conseguiu apurar a autoria ou autenticidade do vídeo, mas ainda assim publica a notícia falsa, um crime confesso contra o jornalismo sério e responsável”, aponta a parlamentar, que diz ter sido vítima de uma “minoria miliciana digital”. “Acredito que nada disso tem a ver com a boa ética do verdadeiro jornalismo”, critica. A deputada avisa: “Tomei e tomarei medidas contra quem reproduzir, veicular, publicar em sites, redes sociais e aplicativos de mensagens”.

“Houve uma certa surpresa porque a gente sabia da veracidade do vídeo, não das denúncias em si. E nós demos todo o ângulo, ela mesma já tinha emitido uma nota”, relata Tiago Marques. O jornalista rejeita a ideia de participação do site na produção do vídeo e ressalta que a Agência continua cumprindo com rigor os princípios do bom jornalismo, de apuração e checagem.

“Estamos dispostos a seguir apurando e levando as informações de forma bem clara. Eu acho que foi muito desproporcional o que ela fez, colocar a gente como produtor do conteúdo, divulgador, falar que tudo é falso, sendo que a primeira matéria que publicamos já tinha a nota dela na íntegra, que inclusive está no título falando que ela negou, não cita o nome dela para quem só vê pelas redes sociais. Tivemos bastante cuidado quanto a isso. Vamos continuar tendo o cuidado de apurar, acredito que não vá interromper o nosso trabalho”, afirma.

Atenta a possíveis tentativas de silenciamento da imprensa e ataques à atividade jornalística, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) entrou em contato com a assessoria da deputada, para apurar o motivo do acionamento da polícia ao invés de exigir direito de resposta, recurso de retificação para qualquer pessoa ofendida por matéria jornalística divulgada em um veículo de comunicação.

Direito de resposta

Por meio do advogado João Pimentel, seu assessor jurídico, a deputada afirmou que o boletim de ocorrência foi motivado porque “o vídeo é uma notícia falsa, um vídeo anônimo, e o seu BO deve-se exclusivamente a isso”, frisou. “A Agência Sertão já publicou diversas matérias de conteúdo que se julga negativo contra a atuação da deputada. Por tais matérias jamais foi alvo de qualquer medida judicial ou policial, em plena atenção ao princípio da liberdade de imprensa”, argumenta. No entanto, sua assessoria jurídica entende que “a divulgação de vídeo que se considera fake news, deve ser objeto de ações judiciais e policiais e não do recurso de mero direito de resposta”.

Questionado sobre a intenção da deputada em mover ação judicial contra o veículo, o advogado disse que a medida policial encontra-se em pleno desenvolvimento, “objetivando apurar quem reproduziu, veiculou, publicou em sites, redes sociais e aplicativos de mensagens”. A deputada, por sua vez, julga prematuro, antes do fim da medida policial, antecipar respostas sobre possíveis medidas judiciais. “Da medida até agora tomada consta expressamente o meu pedido para que sejam identificados os autores do vídeo, inclusive já estão em andamento medidas policiais neste sentido, para identificar responsabilidades, e se for caso, punir todos eles tanto na esfera criminal como civil”.

Para o jornalista Ernesto Marques, presidente da ABI, “numa democracia, não cabe relativizar o livre exercício do jornalismo e muito menos o direito à informação”. O dirigente afirmou que ninguém está acima do direito de informar e ser informado, menos ainda os agentes políticos, sejam gestores ou parlamentares de qualquer esfera de poder. “O lamentável neste caso é a opção pela criminalização, deixando de lado o direito legítimo de contestar conteúdo e procedimentos do colega jornalista e o exercício civilizado do direito de resposta por uma luta desproporcional na arena policial ou judicial”.

Ele falou sobre os perigos da censura judicial e semelhantes recursos de cerceamento da liberdade de imprensa. “Entendemos isso como tentativa de silenciamento contra um profissional e de um veículo, diretamente, e como intimidação aos demais colegas e veículos da região. A ABI combaterá toda e qualquer tentativa de silenciamento e pondera para que a deputada reveja sua posição”.

Texto: Joseanne Guedes e Larissa Costa/ABI


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