A cada uma hora, o Brasil tem 2,2 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, com registros no Disque 100, o telefone da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República.
No total, em cinco meses incompletos de 2021, já foram registradas 6.091 denúncias, entre 1º de janeiro e 12 de maio. Esses números representam 17,5% de aproximadamente 35 mil casos que somam todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes neste mesmo período.
“Vocês conseguem imaginar os casos que não são notificados, em regiões ribeirinhas, onde não tem telefone e não tem energia?”, ressaltou a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, enfatizando que especialistas consideram que até 20 casos deixam de ser registrados em relação a cada um dos números oficiais.
Ela anunciou os números, na véspera deste 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, instituído pela Lei Federal 9.970, de 2000. O Disque 100 recebe todos os tipos de denúncias de violações de direitos humanos.
Os 35 mil casos representam 132,4 mil violações: maus-tratos, agressões físicas e também psicológicas, como ameaças, assédio moral e alienação parental. São 25,7 mil denúncias de agressões físicas e 25,6 mil psicológicas. Em cerca de 20,8 mil os agressores suspeitos são pais e mães. A maioria das vítimas são meninas (66,4%), delas 5,3 mil têm entre 12 e 14 anos. As vítimas de 2 a 4 anos são 5,1 mil e dessas 52% são meninas.
As violências contra crianças e adolescentes representam 30% do total de denúncias recebidas pelo Disque 100 quando somadas ao Disque 180 (que recebe casos de violências a mulheres, da mesma Secretaria de Direitos Humanos), no mesmo período de 2021. A soma significa um total de 115,5 mil denúncias, que resultaram em 435 mil tipos de violações de direitos apontados.
Em 2020, o número global foi de 303.979 protocolos de denúncias e desses foram 76.981 contra crianças e adolescentes até 17 anos. Entre eles, 13.228 são de violência sexual. Quando analisado o número global, o número vulnerável de crianças e adolescentes corresponde a aproximadamente 26% dos protocolos de denúncias. Quando analisados casos de crianças e adolescentes no ano passado, a violência sexual (abuso e exploração em casos como prostituição) corresponde a 18%.
Vítimas sofrem sozinhas
Em 2020, o número global foi de 303.979 protocolos de denúncias e desses foram 76.981 contra crianças e adolescentes até 17 anos. Entre eles, 13.228 são de violência sexual. Quando analisado o número global, o número vulnerável de crianças e adolescentes corresponde a aproximadamente 26% dos protocolos de denúncias. Quando analisados casos de crianças e adolescentes no ano passado, a violência sexual (abuso e exploração em casos como prostituição) corresponde a 18%.
“Quero fazer uma comparação”, observou o secretário Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício Cunha, presente no evento em que a ministra anunciou os números. “Em 2019, tivemos 244 mil registros, juntando Disque 100 e 180. Desses 159 mil foram do Disque 100, e desses 86 mil registros foram de denúncias contra crianças e adolescentes. Então 36% do total se a gente junta o 100 e 180, e 55% do total se a gente considera só o Disque 100 eram relativos a violências a crianças e adolescentes. Então considerando o Disque 100, a violência contra quem deveria estar mais protegido é o que tem mais direitos violados. Mais do que todos os outros grupos vulneráveis”.
Maurício Cunha ainda acentuou o impacto da pandemia, comparando dados com 2020. “Notem que o número relativo de violência em relação a 2019 diminuiu, no comparativo com o grande grupo. Por que? Porque nossas crianças e adolescentes estão sofrendo sozinhos. A maior parte das violências acontecem no domicílio. Ele disse que a queda de 36% para 26% evidenciam essa situação.
96% das violências ocorrem em casa
Dos aproximadamente 35 mil casos de violências contra crianças e adolescentes em 2021, cerca de 12 mil não foram identificadas etnias, 10.064 eram brancas, 9.634 eram pardas, 2.505 pretas, 141 amarelas e 61 indígenas. Se comparadas as faixas etárias, os meninos de zero a 6 anos chegam a 30%, mas quando a idade é de 12 a 18, as mulheres chegam a ser 91% das vítimas. Os denunciantes são quase sempre anônimos, diferentemente do caso de violência contra mulheres, que geralmente são as próprias vítimas que denunciam ou quando são terceiros, geralmente são identificados. Segundo os dados oficiais, cerca de 96% das violências sexuais acontecem em ambiente doméstico.
Debate precisa ser levado para as escolas
“Mais do que nunca, precisamos levar esse debate para as escolas”, defende a conselheira tutelar Tassiana Wilborn, de Novo Hamburgo, região metropolitana de Porto Alegre. Ela trabalha nesta função há cinco anos, formada em serviço social. “A prevenção é muito importante. Precisamos pensar de forma coletiva, com políticas públicas permanentes, que tratem da saúde e educação para garantir de fato que os direitos das crianças e adolescentes sejam preservados”. Ela ressalta que os profissionais de acolhimento devem ser preparados. “Uma informação errada pode significar impunidade”.
Em Porto Alegre, as notificações de violência estão atualizadas até o dia 14 de maio de 2021, informações da equipe de Vigilância de Doenças e Agravos não transmissíveis (EVDANT), da Diretoria de Vigilância em Saúde da Prefeitura Municipal. Os profissionais utilizam referências da Organização Mundial de Saúde (OMS) para definir crianças, de zero a 9 anos, e adolescentes de 10 a 19 anos. Ao total, neste ano foram registrados 496 casos de violência de vários tipos com vítimas nessas faixas etárias na capital gaúcha. O abuso sexual de zero a 9 anos teve 52 registros no município em 2021.
Tassiana Wilborn explica que a escola é importante até porque nos casos que recebe “é possível dizer que mais de 90% acontecem no seio familiar”, sejam por tios, padrastos, pais, avós ou alguma pessoa que tem vínculo com a criança. “Estou atendendo um caso em que a adolescente sofreu violência sexual por mais de cinco anos. O pai é o acusado. Há mais de um ano foi denunciado, e até hoje não foi julgado. A impunidade contribui com o aumento de casos”.
Atendimento inadequado
A conselheira tutelar frisa que “a nossa rede é falha”. Em sua opinião, as famílias em geral não têm o atendimento adequado. E isso não se refere apenas a Novo Hamburgo. No Rio Grande do Sul há locais de acolhimento exemplares, mas são exceções. “Precisamos que os servidores dos órgãos que compõem a rede de proteção sejam capacitados. Com a covid-19, as questões sociais aumentaram muito e os recursos do governo federal estão cada vez menores nesta área”. Com o agravante que os estudantes não estão nas escolas, que são os locais de onde se revela grande parte dos casos de violência doméstica.
“Nosso apelo é que se denuncie! Nosso instrumento de trabalho é a denúncia!”, enfatiza Tassiana Wilborn. “Tenho o caso de uma menina que sofreu violência dos 4 aos 9 anos de idade, e só descobriu que aquilo era violência sexual quando participou de uma palestra na escola, que advertia sobre as partes do corpo que os adultos não podem tocar. Fica muito claro o papel da escola nesse processo todo. A gente vive tempos em que a questão religiosa tem sido colocada como pauta, mas é importante dizer que a questão religiosa não está acima da lei. O Estado precisa ser laico”.
Falhas gritantes e impunidade
Tassiana Wilborn lamenta, que por mais atentos que os profissionais sejam, as falhas são gritantes. E durante o processo de investigação, mais uma vez a covid fecha as portas. “Recebemos uma adolescente abusada pelo pai durante três anos. A menina contou na escola, e o conselho tutelar foi acionado. Deu todas as orientações a familiares, mas o exame físico que comprovaria a violência sexual demorou demais por causa da pandemia”. Com o segredo revelado, a impunidade acabou gerando graves problemas de ansiedade à vitima. “Iguais a esses, temos outros tantos casos de morosidade de perícias físicas e psicológicas”.
“Mas o problema é sério. Não há espaço especializado nem para mulheres. Faz muita falta espaço adequado”. Tassiana Wilborn relata que em geral nos municípios gaúchos as vítimas precisam viajar para serem acolhidas, o que representa mais sofrimento e exposição, pois precisam inclusive relatar o fato por diversas vezes (o que não acontece no Crai e em alguns tribunais da capital – ver matéria). “Muitas vezes a família não tem dinheiro, tudo é muito demorado. Quando uma criança vai ser ouvida, o que vai lembrar depois de tanto tempo?”.
TELEFONES PARA DENÚNCIAS – Disque 100, para contar casos de violência contra direitos humanos (que conta agora com números no WhatsApp e Telegram; basta apenas digitar Direitoshumanosbrasilbot no aplicativo) ou Disque 180 para denúncias de violências contra mulheres. As ligações são gratuitas, podem ser anônimas e funcionam 24h, todos os dias.
48 anos do caso Araceli