ESPECIAL | Barragem de Anagé: a história de um projeto transformador no semiárido baiano

A construção da Barragem de Anagé, no interior da Bahia, foi um marco importante na história da região, não apenas pela obra em si, mas também pelos desafios sociais e ambientais que envolveu. Tudo começou com um longo processo de estudos e planejamentos do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) que durou alguns anos e passou por diferentes fases, sempre com o objetivo de garantir segurança hídrica à população do interior da Bahia, com a perenização do Rio Gavião.Anagé, que durante 66 anos foi um distrito do Município de Vitória da Conquista, teve seu território desmembrado em 1962, tornando-se um município independente. Sua história está diretamente ligada à da barragem, que foi projetada para combater os longos períodos de seca e os problemas causados pelas cheias no Rio Gavião. A área onde a barragem foi construída está situada a cerca de 560 km de Salvador, e 75 km de Vitória da Conquista, na região semiárida do estado, um território caracterizado por um clima seco e árido, que custava suor e lágrimas ao povo sertanejo.

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De acordo com a dissertação de Gabriela Rocha para a Universidade Federal de Sergipe, os primeiros estudos para a construção da Barragem de Anagé datam de 1984, segundo documentos da TECNOSAN (1988). O projeto foi autorizado pelo Ministério do Interior e sua execução ficou a cargo do DNOCS, que nessa época já possuía quase um século de experiência na implementação de grandes obras de infraestrutura para a mitigação dos efeitos da seca no Nordeste brasileiro. A obra começou a tomar forma entre 1987 e 1988, em um processo que envolveu várias etapas, com foco tanto nos aspectos técnicos quanto nas questões sociais decorrentes da construção.

A primeira grande preocupação foi com os impactos da barragem sobre as pessoas que viviam nas localidades afetadas pelo projeto. O DNOCS, então, iniciou um trabalho de esclarecimento junto aos moradores, buscando orientá-los sobre as consequências da obra e o processo de reassentamento. A necessidade de indenização e apoio técnico para a instalação de novos projetos de irrigação foi uma das principais demandas levantadas. A operação foi dividida em duas fases: a primeira envolvia as ações sociais e o acompanhamento dos atingidos pela barragem, e a segunda focava nas mudanças no território e nas medidas de apoio econômico e técnico.

Os estudos da autora contam que durante esse processo, o DNOCS contou com o auxílio de empresas especializadas, como a Consultoras para Obras, Barragens e Planejamento (COBA) e a Engenharia de Recursos Naturais (ERN), que realizaram levantamento detalhado sobre a viabilidade técnica e econômica do projeto. A proposta inicial da barragem era de uma estrutura com altura máxima de 43 metros e volume total de 1,126 milhões de metros cúbicos, com uma lâmina d’água que alcançaria 39 metros de altura, armazenando até 277 milhões de metros cúbicos de água.

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No entanto, logo se percebeu que o impacto de um reservatório tão grande seria ainda mais profundo do que o esperado. O lago formado pela barragem invadiria cerca de 20 km² de terras, afetando comunidades inteiras e a principal rodovia da região, a BA-430, que conecta municípios importantes do oeste baiano. O impacto sobre a circulação de mercadorias, como soja e grãos, também seria significativo, já que essa rodovia era importante para o escoamento da produção agrícola.
Diante de tais previsões, o projeto foi reelaborado. A Barragem de Anagé passou a ter características mais ajustadas, levando em consideração as repercussões sociais e econômicas para as comunidades e para a própria região. A principal finalidade da obra era garantir que o Rio Gavião não secasse durante os períodos de estiagem, possibilitando o aproveitamento da água para a irrigação e evitando os problemas causados pelas enchentes.
Além disso, o projeto de construção da barragem também tinha objetivos secundários que buscavam atender aos anseios da população atingida. Foi planejada a construção de novas áreas para reassentamento, com a criação de projetos de irrigação e a instalação de equipamentos para o desenvolvimento de atividades econômicas, como a criação de galpões para secagem de peixe. Também se buscou melhorar o abastecimento de água na região, algo fundamental para as populações rurais.

Vale destacar que, desde 1947, o DNOCS já realizava estudos na região semiárida da Bahia, com o objetivo de mapear a vegetação, o clima e os recursos hídricos disponíveis. Porém, somente a partir de 1952, com a crescente demanda por soluções para a seca, começaram os levantamentos para a construção de barragens, açudes e poços, estabelecendo a base para as grandes obras de infraestrutura hídrica no estado.

A Barragem de Anagé, com seu complexo processo de construção e implementação, é mais do que uma simples obra de engenharia. Ela representa um esforço contínuo de adaptação às adversidades do clima semiárido, mas também é um testemunho das complexas relações entre infraestrutura, meio ambiente e as comunidades locais. As suas águas, agora presentes no Rio Gavião, segue fluindo, tentando aliviar as secas que castigam a região e, ao mesmo tempo, carregando as memórias de um processo de transformação que, por mais desafiador que tenha sido, visou, acima de tudo, garantir uma vida mais digna para aqueles que ali vivem.


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