Enem 2017: Tema da redação foi recado da banca, avalia professor

Estudantes aproveitam minutos antes do início da prova do ENEM para estudar, em frente aos portões da Uninove, campus Barra Funda
Considerado um tema inesperado, a proposta de redação da edição de 2017 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pode ter sido um “recado da banca” que formulou a prova. Esta é a avaliação que o professor Sérgio Paganim, supervisor de Português do Anglo Vestibulares, faz pouco mais de 24 horas após a revelação de que os seis milhões de candidatos que se inscreveram na prova precisariam dissertar sobre a educação de pessoas surdas no Brasil.
Para Paganim, ao escolher um tema considerado inesperado, o Enem dribla os esforços de adivinhação da proposta e preparação prévia e praticamente garante que os candidatos precisem elaborar uma redação a partir dos textos que integram a coletânea. “Prova de redação não é imaginar o tema antes. É avaliar a competência de ler os textos e pensar em uma argumentação a partir do tema da forma como foi posto naquele momento”, argumenta. “Passa a ser uma prova de leitura que precede a prova de escrita.”
O professor ressaltou que a frase-tema escolhida pelo Instituto Nacional de Educação e Pesquisas (Inep), órgão do Ministério da Educação que elabora o exame – “os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” – , são a maior evidência de que existia a expectativa de um uso maior dos textos da coletânea. “Olhe essa frase-tema. Se só ela for observada como foi divulgado no primeiro momento, o tema dá receio porque são expressões muito amplas, mas esses ‘desafios’ citados estão delineados nos textos. Ler bem era o passe para fazer uma boa redação.”
Ao todo, são quatro os conteúdos oferecidos aos candidatos para auxiliar na elaboração da redação. Paganim ressalta a questão em torno de “que tipo” de educação deve ser oferecida às pessoas surdas: devem ser ensinadas em escolas especiais, escolas comuns com adaptação ou, ainda, a possibilidade intermediária, classes exclusivas dentro de escolas comuns?

Questões

Para o supervisor de Português do Anglo Vestibulares, as quarenta questões em português da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias proporcionaram uma prova com potencial de fazer uma “boa seleção” dos candidatos. O professor avalia que esse deve ser o resultado da opção do Enem de ter mais questões sobre artes, com interpretações de pelas publicitárias ou com metalinguagem – textos que também envolvem reflexões sobre o ato de escrever.
O efeito dessa escolha da banca que elaborou o exame teria sido um equilíbrio: interpretar obras de arte e referências à escrita são mais difíceis, enquanto depreender conceitos a partir de peças de publicidade acontece com mais tranquilidade. Assim, permitiram tanto que candidatos com repertório cultural se sobressaíssem ao mesmo tempo em que não puniriam excessivamente, avalia o professor, aquele estudante que não está no mesmo patamar de referências, mas se dedicou à leitura e interpretação dos textos e imagens.
No domingo, 5, os estudantes responderam a 90 questões de múltipla escolha nas áreas de Linguagens e Códigos e de Ciências Humanas, além de elaborarem a redação. No próximo domingo, dia 12, será a vez das provas de Ciências da Natureza e de Matemática.
REDAÇÃO DO ENEM 2017: TEMA TEM ERRO PRIMÁRIO DE PÚBLICO-ALVO
A redação do tema, tal como divulgada pelo INEP, volta-se claramente não ao público do Ensino Médio, mas para os profissionais responsáveis pela formulação de políticas, teorias e práticas relacionadas à educação de pessoas surdas ou com déficits auditivos severos – noutras palavras, volta-se para os agentes públicos e para pedagogos. Concordo com o professor Jeosafá, que foi da equipe do primeiro ENEM, em 1998, e membro da banca de redação desse Exame em anos posteriores

Em que pese a pertinência da escolha, o tema da redação do ENEM 2017 ofereceu aos jovens candidatos egressos do Ensino Médio dificuldades que não lhes dizem respeito. Isso porque o tema não é a inclusão de surdos ou do portador de deficiência auditiva severa , nem a necessidade de respeito à pessoa humana com limitações seja de que ordem for. O tema, explicitamente, é “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil.”

Os textos de estímulos oferecidos, que envolveram legislação e informações do INEP, não resolvem o problema de equívoco de público-alvo cometido na redação da temática divulgada ainda durante a aplicação do Exame (insisto, o tema volta-se a educadores, pedagogos, professores, profissionais da educação com nível Superior e gestores do sistema, não a estudantes do Ensino Médio entre 16 e 18 anos em sua maioria).

Forçado a propor intervenções para um tema voltado a um público específico (gestores e pedagogos), a tendência do candidato não especialista será, em relação ao tema tal como proposto, tangenciá-lo – e quando o fizer estará correto, pois não cabe a um estudante de Ensino Médio dominar teorias pedagógicas que lhe proporcionem condições de apresentar propostas de intervenção concretas, que sequer estão no horizonte de pedagogos e agentes governamentais atuais. Aliás, quantos estudantes de pedagogia de nossas melhores universidades estariam em condições tratar desse tema tão específico? Aliás, desafio o ministro da educação a redigir esta redação, sem consulta, neste exato momento. Veremos como ele se sai – qual seria sua nota? Aliás, pergunta meu amigo Plínio de Mesquita: “Teriam sido os alunos das escolas privadas amigas da atual gestão do MEC pegos de surpresa”? Noutras palavras, o direcionamento (proibido em concursos públicos) do tema favoreceu quem?

Sem saber o que fazer com a educação brasileira e menos ainda com a educação para surdos, com medo do MBL e da famigerada Escola Sem Partido, o INEP e o MEC atiram os jovens candidatos do ENEM aos leões, para ver se dessa massa de 6,7 milhões de jovens candidatos extraem luzes que iluminem as cabeças vazias e mal intencionadas que hoje dirigem os mesmos INEP, MEC e governo Temer. Obrigado a realizar esta edição do ENEM também em LIBRAS, INEP, MEC e Governo Temer tiram o corpo de sua responsabilidade e a delegam para jovens, que não têm nada a ver com a péssima qualidade da atual gestão do MEC que, fruto de um golpe de Estado, não consegue dar uma dentro, mesmo quando tenta “fazer média” com a sociedade.

O que ocorrerá na banca de correção do ENEM, em face do tema técnico de nível superior da área de educação mal redigido, é que o critério de pertinência temática terá de ser relativizado, melhor seria dizer afrouxado (melhor para os candidatos), caso contrário uma massa imensa de redações terá pontuação, nesse quesito, muito abaixo da média, puxando a média histórica do Exame, com certeza, para seu pior índice desde que o ENEM foi instituído em 1998. A expressão “formação educacional”, em particular, terá de ser considerada com extrema larguesa, pois estudantes de Ensino Médio simplesmente não tem a menor obrigação de dominar as especificidades relativas à pedagogia voltada para surdos, principalmente quando a própria gestão atual do MEC tem tão pouco a dizer sobre esse assunto.

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