Um dos maiores desafios da educação brasileira é garantir a formação básica de jovens e adultos que não estão mais em idade escolar. São milhões de brasileiros que, por vários motivos, não conseguiram concluir o ensino médio. Na busca de soluções, o Serviço Social da Indústria (SESI) lançou uma metodologia inovadora em 2016, a Nova EJA.
Atualmente, ela é adotada em 22 estados com número crescente de matrículas. De 6,8 mil alunos em 2017 para 36,7 mil em 2020, a modalidade tem como principais diferenciais: redução do tempo de formação, sendo 12 meses para o ensino médio, e de permanência do aluno em sala de aula, com até 80% do ensino a distância; reconhecimento de saberes, que identifica competências desenvolvidas nas experiências de vida trabalho para um ensino mais personalizado; escolha de itinerários ligados a oito áreas da indústria; e material didático de direito autoral próprio.
Em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), a rede oferece ainda a EJA Profissionalizante, para o estudante interessado em concluir o ensino médio e um curso de Qualificação Profissional no período de um ano. Entre esses alunos, a taxa de conclusão chega a 93%. O projeto piloto foi realizado nos estados da Bahia, Pará e Santa Catarina nos anos de 2016 e 2017.
Nova EJA pode servir de modelo
Considerando que o Brasil registrou queda de 8,3% no número de matrículas da EJA em instituições de ensino públicas e privadas entre 2019 e 2020 e que mais da metade dos brasileiros com mais de 25 anos não concluíram o ensino médio, os números merecem atenção. Para o diretor-superintendente do SESI, Rafael Lucchesi, a Nova EJA é um modelo a ser seguido.
“Nós somos o país com um dos maiores índices de abandono e reprovação, sendo o ensino médio a etapa mais crítica. A educação de jovens e adultos que já foram derrotados pelo sistema, às vezes uma, duas, três vezes, deve ser considerada prioritária. E não adianta aplicar a mesma metodologia de ensino, com 1.200 a 1.400 horas. Na primeira dificuldade pessoal ou familiar, esse aluno vai embora”, observa Lucchesi.
Ele destaca que o modelo, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e citado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), valoriza e certifica experiências adquiridas ao longo da vida. Além de ser a oportunidade para conclusão dos estudos, é uma opção para ascensão profissional.
EaD e reconhecimento de competências são diferenciais
Apesar de ser voltada, prioritariamente, para os trabalhadores da indústria e seus dependentes, a Nova EJA está disponível para a comunidade em geral. Para os estudantes, a possibilidade de cursar até 80% do curso a distância e de reduzir a carga horária com base em conhecimentos prévios – prática chamada de Reconhecimento de Saberes – são um grande atrativo.
“Eu pensava em conseguir o certificado de ensino médio, mas não sabia que tinha uma forma mais acelerada. A gente que tem casa, filho e marido não tem tempo de estar todo dia em sala de aula”, conta Geisa Nascimento Soares, 33 anos, de Vitória da Conquista (BA). Com duas filhas, de 10 e 14 anos, e experiência como cuidadora, ela conseguiu uma bolsa para o tão sonhado curso técnico de enfermagem.
Contudo, o desconto da mensalidade, de R$ 660 para R$ 160, exigia a conclusão do ensino médio. A formatura ocorreu no final do ano passado, de maneira on-line. “Antes da pandemia, tinha prova on-line e presencial, íamos duas vezes por semana. Tinha muito conteúdo e eu acessava do celular. Já a prova é por competência e não por matéria”, explica.
Alinhamento com o mundo do trabalho
O Reconhecimento de Saberes ocorre por meio da identificação e validação de competências desenvolvidas na vida e no trabalho. Por exemplo, um aluno que é pedreiro, trabalha na construção civil e tem experiência com cálculo de área, estrutura, perpendicularismo, dentre outros, não precisa rever o conteúdo de matemática que ele já domina.
Para isso, ao se matricular, ele preenche questionários e participa de entrevistas em grupo e individuais. Também escolhe um dos oito segmentos da indústria (Alimentos e bebidas, Construção civil, Couros e calçados, Madeira e Mobiliário, Química, Metalmecânica, Minerais não metálicos, Têxtil e vestuário) para focar seus estudos. A metodologia de ensino baseada em competências, e não em disciplinas isoladas, dialoga com o mundo do trabalho e gera mais familiaridade entre o aluno com o conteúdo.
Manoel Rufino, 55 anos, é um caso de ex-aluno que conseguiu aproveitar o reconhecimento de saberes. Matriculado no projeto piloto da EJA profissionalizante em Florianópolis (SC), ele concluiu a formação teórica em três meses. Em menos de dois anos, saiu com o diploma do ensino médio e o de técnico em instalação elétrica. Animado com os estudos, o ex-gerente de banco e da indústria Cozinha Fácil emendou em uma graduação a distância em Ciências Contábeis na Universidade Estácio de Sá. Hoje trabalha como consultor comercial e de marketing.
Dados e regras da EJA
A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de ensino da Educação Básica destinada àqueles que não tiveram acesso ou não concluíram os estudos na idade própria. Atende estudantes a partir de 15 anos completos para o ensino fundamental e 18 anos completos para o ensino médio, tanto em redes públicas, quanto privadas.
Na rede SESI, a EJA está presente nos 27 estados, com mais de um milhão de alunos formados. Já a Nova EJA começou a ser ofertada em 2016 apenas com o Ensino Médio, tendo registrado 96.416 matrículas nesses cinco anos.
De acordo com o último Censo Escolar, o país registrou redução de 8,3% nas matrículas da EJA. O número segue uma tendência de queda, já que, em 2019, em comparação com 2018, também houve um decréscimo, de 7,7%.
No Brasil, 51,2% da população com 25 anos ou mais – ou 69,5 milhões de pessoas – não concluíram o ensino médio. Os dados são do módulo Educação, da PNAD Contínua 2019.
Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de EJA na forma integrada à educação profissional – o que, na rede SESI/SENAI é chamado de EJA Profissionalizante – é uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Como o Anuário Brasileiro da Educação Básica mostra, apesar do número de matrículas nesse modelo ter mais que dobrado entre 2009 e 2019, passando de 24,6 mil para 53,4 mil, a porcentagem está muito distante da meta: 3,1% para os estudantes da EJA Ensino Médio em 2019.