ECONOMIA | “Em um dia, tinha um Audi 0 km. No outro, não tinha dinheiro para pagar o ônibus”, conta Patrícia Lages, hoje educadora financeira

Patrícia Lages, jornalista, especialista em finanças e autora de cinco livros sobre finanças pessoais é a convidada do segundo episódio do MoneyPlay Podcast, programa criado para jogar uma luz sobre o mundo das finanças, apresentado pelos educadores financeiros Carol Stange e Fabricio Duarte.

Na entrevista, Patrícia conta todos os problemas financeiros que enfrentou quando deixou uma carreira consolidada no jornalismo para empreender no comércio paulistano sem ter experiência no setor. E relata como todo esse processo foi fundamental na guinada para a carreira de educadora financeira.

A jornalista relata que, quando criança, foi ensinada a lidar com o dinheiro e seguiu sem dívidas por muitos anos enquanto trabalhava como funcionária contratada pelo regime CLT.  Da noite para o dia, resolveu deixar a área de comunicação, onde trabalhou por 20 anos, para abrir o próprio negócio. “Surgiu uma loja de lingerie no Brás (bairro de comércio em São Paulo). Achei que era só mudar o letreiro e o cliente viria sem eu precisar fazer nada”, afirma.

Início das dívidas

Em pouco tempo, a jornalista se enrolou financeiramente porque, acostumada com salário, achou que o faturamento da loja era lucro. “Não sabia absolutamente nada daquele negócio. Cheguei a dever 80 cheques sem fundo e, com 60 ou 70, já poderia ser acusada de estelionato e ir para cadeia”, relembra Patrícia. “Peguei dinheiro até com agiota, pois perdi cartões de crédito e estourei o limite da minha conta pessoal e a da empresa.”

Em nove meses, sua dívida chegou a 150 mil dólares. No quinto mês ela já estava quebrada, mas manteve o negócio por mais quatro meses. Dali em diante, ficou doente, não dormia e não tinha dinheiro nem para comer. “Dava desculpas para não ir almoçar com as funcionárias, pois não tinha como pagar uma coxinha.”

Até para fechar a loja ela precisava de dinheiro, pois devia R$ 48 mil ao shopping. “Como não tinha esse valor, negociei uma pilha de notas promissórias para pagar uns R$ 2 mil por mês”, conta. “Pensei: agora vou fechar a torneira e começar a enxugar o chão”. Essa dívida era muito importante, pois sua mãe era a fiadora e poderia perder a casa onde morava.

Fundo do poço

Patrícia não se conformava em ter trabalhado tão bem para os outros e o próprio negócio fracassar, então, persistiu com o negócio. “Em um dia, você tem um Audi 0 km e, no outro, não tem dinheiro para pagar o ônibus”, desabafa. Quando ela abaixou as portas da loja, só conseguiu voltar para casa porque uma funcionária deixou discretamente um passe de ônibus ao lado de sua bolsa.

Em pouco tempo, Patrícia viu a realidade de quem nunca tinha devido se transformar em uma pessoa que devia para todo mundo: seu nome estava sujo nos 14 cartórios de protestos de São Paulo e ela devia a bancos e a 21 fornecedores. “Fazia malabarismos para as pessoas conseguirem me achar e não pensarem que não pagaria. Atendia o telefone até de madrugada”, relata.

E foi um telefonema às 7h da manhã, que fez tudo mudar. Ela recebeu a ameaça de um credor e soube que precisava fazer algo, pois só iria piorar. “Parei de pensar no que eu não tinha mais. Estudei as dívidas e separei as contas de juros altos e as de consequências graves, como água, luz e a do shopping. As outras, negociei.”

Ela se deu um prazo de um ano para pagar tudo. Em 11 meses e 20 dias colocou a casa em ordem. “Fiquei meses sem ir ao supermercado, minha mãe que levava comida para mim. Comecei a fazer freela para o antigo empregador e vendia a pé o estoque que tinha sobrado da loja”, diz. “Aprendi que é muito caro você limpar o seu nome: paguei quase R$ 20 mil só de taxa de cartório sobre o valor que devia.”

De devedora a educadora financeira

Depois de muitos anos, já com a vida financeira sem problemas, uma amiga pediu ajuda a Patrícia para lidar com uma dívida adquirida em um golpe. Ela contou a outra amiga, que havia criado um blog, e recebeu o convite para escrever sobre finanças pessoais nele.

“Percebi que era uma oportunidade de ensinar tudo o que passei para que outras pessoas não sofressem o mesmo. Eu contava as minhas ‘burradas’ e isso criava empatia nas pessoas, que me contavam as histórias delas”, relembra. “Eu já sabia todos os meios que funcionavam e os que não.”

Patrícia nunca mais parou de escrever sobre o tema. Continuou por três anos no blog da amiga, que sugeriu que ela criasse um site só seu para falar de finanças pessoais. Depois disso, veio o primeiro livro sobre finanças pessoais, as mentorias online para pequenos empreendedores online, que também viravam conteúdo para o blog, palestras, produtos e ferramentas para ensinar as pessoas a lidarem melhor com o dinheiro.

“Finanças pessoais não é uma ciência exata, mas humana. Tem mais a ver com comportamento do que matemática”, explica. “Se você não mudar sua cabeça, o resto não muda. As pessoas não são disciplinadas, estão acostumadas a que algo ou alguém faça as coisas por elas.”

Sobre empreender, Patrícia reconhece que não é fácil. “Nenhum negócio dá dinheiro, você precisa fazer dinheiro a partir de um negócio”, afirma. “Você vai viver o negócio 24 horas por dia”. Mas, depois da primeira experiência desastrosa, ela aprendeu. Hoje, seus cinco livros são best sellers, já tem um novo pronto (o primeiro para o público infantil) e, ano que vem, lança outro sobre os fundamentos da economia, com um pouco de política e de histórias de onde as coisas vêm, como o dinheiro.

E não para por aí. Os projetos da jornalista incluem ampliar a presença da educação financeira na TV aberta brasileira, onde ela já atua. “Temos que desenvolver didáticas, meios e ferramentas para fazerem as pessoas entenderem sobre finanças pessoais”, conclui.

Confira aqui o vídeo na íntegra:

00:03:10 Quando a gente aprende finanças desde pequeno, é muito mais natural e fácil
00:06:40 Adultos só falam de dinheiro com crianças quando ele falta
00:08:01 Tudo que se fala sobre dinheiro se fala de forma negativa ou se usa a culpa
00:23:30 Tudo tem um caminho e começar como CLT é uma oportunidade de aprender ganhando
00:24:05 Às vezes você entra sem o conhecimento necessário para um trabalho, mas vai aprender na prática
00:26:00 Eu fazia toda a produção de merchandising do programa da Ana Maria Braga: 32 ações por dia
00:28:58 Eu resolvi da noite para o dia que ia sair da comunicação, onde trabalhei por 20 anos, e abriria meu próprio negócio, mas não estudei para aquilo
00:30:30 Apareceu uma loja de lingerie e assumi o negócio
00:31:15 Comecei a me enrolar financeiramente porque, acostumada com o salário, achei que o faturamento era meu
00:34:50 Cheguei a dever 80 cheques sem fundo e me disseram que, com 60, 70 cheques sem fundo você já pode ser acusada de estelionato. Eu podia ir pra cadeia por causa disso
00:35:33 Peguei dinheiro com agiota, pois perdi cartões de crédito, estourei limite das contas pessoal e da empresa
00:36:15 Em nove meses adquiri uma dívida de 150 mil dólares
00:37:26 Eu devia conta de água de R$ 20. E não falava para ninguém por vergonha
00:37:47 Já no quinto mês eu já estava quebrada e aguentei mais quatro meses
00:38:10 Eu não me conformava de como trabalhei tão bem para os outros e o meu dá errado
00:38:18 Quando chegou no sexto mês, acabaram as carências de pagamentos que eu tinha no shopping (aluguel, fundo de promoção, condomínio), mas eu não havia me capitalizado
00:39:05 Do quinto mês em diante eu fiquei doente, não dormia e não tinha dinheiro para comer. Dava desculpa para não ir almoçar com as funcionárias, pois não tinha como pagar uma coxinha
00:39:29 Eu perdi 10 quilos. Pesei 37 quilos. Tomava só água e café quando me davam
00:40:30 Eu devia R$ 48 mil para o shopping e precisava pagar para poder fechar a loja
00:40:52 Como não tinha esse dinheiro, aceitaram que eu assinasse uma pilha de notas promissórias
00:41:14 Pensei: vou fechar a torneira e começar a enxugar o chão
00:42:30 Você um dia tem um Audi 0km e no outro não tem dinheiro para pagar o ônibus
00:44:08 Era uma realidade muito diferente: de quem nunca tinha devido para uma pessoa que, agora, devia para todo mundo
00:44:15 Recomecei muito abaixo de zero
00:45:40 Aprendi a fazer malabarismos para as pessoas conseguirem me achar e não pensar que deixaria de pagar. Atendia telefone até de madrugada
00:45:55 Um dia, às 7h da manhã, o telefone tocou e recebi uma ameaça de um credor. Foi quando eu acordei
00:48:41 Eu parei de pensar no que eu não tinha para pensar no que eu tinha: tempo e dívida (meu nome estava nos 14 cartórios de protestos de São Paulo, devia a banco e a 21 fornecedores)
00:49:27 Resolvi estudar essas dívidas para ver como saí delas. Juntei todas, anotei em um caderno
00:50:53 Pensando na consequência de não pagar cada uma, então separei as contas de juros altos e as de consequências graves, como água, luz e as do shopping e equilibrei. As outras, negociava
00:54:13 Esse aprendizado da negociação foi uma faculdade espetacular, um aprendizado na prática
00:55:00 Demorou 11 meses e 20 dias para colocar a casa em ordem
00:57:52 O empreendedor é um resolvedor de problemas
00:58:30 Fiquei meses sem ir ao supermercado. Minha mãe que levava comida para mim
01:01:43 Comecei a fazer freela para o antigo empregador e vendia a pé o estoque que tinha sobrado da loja. Assim entrava algum dinheiro
01:02:52 Pensei: nunca mais vou empreender na minha vida. Isso não serve pra mim, não tenho perfil, não quero.
01:04:15 É muito caro você limpar o seu nome: você paga taxa sobre o valor que deve.
01:05:35 As pessoas não acreditavam que eu tinha pagado.
01:10:00 Perder o crédito foi sensacional. Aprendi a viver com o dinheiro que eu tinha.
01:12:51 Depois de anos, eu ainda carregava a ideia de que eu era um fracasso com o dinheiro, apesar de já não ter mais problemas financeiros
01:14:58 Uma amiga sugeriu escrever sobre o tema
01:16:29 Percebi que era uma oportunidade de ensinar tudo o que passei para que outras pessoas não passem
01:18:48 Eu contava as minhas “burradas” e as pessoas tinham empatia e contavam as delas.
01:19:30 Eu já sabia todos os meios que funcionavam e os que não
01:26:05 Finanças pessoais não é uma ciência exata, mas humana. Tem mais a ver com comportamento do que matemática
01:28:40 As pessoas não são disciplinadas, estão acostumadas a que algo ou alguém faça as coisas por elas
02:00:55 Tenho um novo livro já pronto, agora infantil, que explica na linguagem das crianças ferramentas para lidar com o dinheiro
02:01:40 Ano que vem lanço um livro que falará sobre os fundamentos da economia, um pouco de política e de onde as coisas vêm, como o dinheiro
02:03:46 Temos que desenvolver didáticas, meios e ferramentas para fazerem as pessoas entenderem sobre finanças pessoais


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