Parte do acervo de Glauber Rocha (1939-1981), maior nome do Cinema Novo, pode estar entre as perdas do incêndio na Cinemateca Brasileira.
Ex-funcionários colocam documentos do Tempo Glauber como possíveis itens destruídos. Em carta, antigos trabalhadores do local destacam ainda que pode estar afetada ou perdida “grande parte dos arquivos de órgãos extintos do audiovisual”.
No edifício, eles dizem, estão documentos da Embrafilme, estatal que funcionou entre 1969 e 1990, do Instituto Nacional do Cinema, entre 1966 e 1975, e do Conselho Nacional de Cinema, entre 1976 e 1990.
Segundo eles, esses documentos ficam nos depósitos climatizados do 1º andar, área mais atingida pelo fogo, que, segundo os Bombeiros, teria começado com a manutenção no ar-condicionado.
Os itens foram transferidos para o local após enchente em fevereiro de 2020.
Os ex-funcionários contam que houve essa mudança também de “parte do acervo de documentos oriundos do arquivo Tempo Glauber, do Rio de Janeiro, inclusive duplicatas da biblioteca de Glauber Rocha, e documentos da própria instituição”.
O Tempo Glauber foi para a Cinemateca em 2011, um ano depois de adquirido da família do cineasta pelo Ministério da Cultura.
Pode ter sido perdido ainda o acervo da distribuidora Pandora Filmes, de André Sturm, ex-secretário municipal da Cultura de São Paulo, que doou à Cinemateca 250 rolos com cópias de obras brasileiras e estrangeiras em 35mm.
Além disso, o edifício guarda “matrizes e cópias de cinejornais únicos, trailers, publicidade, filmes documentais, filmes de ficção, filmes domésticos, além de elementos complementares de matrizes de longas-metragens, todos estes potencialmente únicos”, diz o grupo, chamado Trabalhadores da Cinemateca Brasileira.
Perícia em andamento
As perdas podem ainda incluir parte dos acervos de filmes produzidos pela Escola de Comunicações e Artes da USP e de vídeos do jornalista Goulart de Andrade (1933-2016).
“Do acervo de equipamentos e mobiliário de cinema, fotografia e processamento laboratorial: além do seu valor museológico, muitos desses objetos eram fundamentais para consertos de equipamentos em uso corrente, pois, para exibir ou mesmo duplicar materiais em película ou vídeo, é necessário maquinário já obsoleto e sem reposição no mercado”, descrevem os trabalhadores, que foram demitidos em agosto de 2020, quando o governo federal retirou a OS que gerenciava a Cinemateca.
As rescisões contratuais e os salários atrasados não foram pagos até hoje, afirmam.
A dimensão exata do prejuízo com o incêndio só virá com a perícia da Polícia Federal. Ontem, o local foi liberado para os trabalhos de levantamento de danos e possíveis causas do ocorrido. Alguns ex-funcionários tentavam entrar, sem sucesso, para começar um resgate dos itens atingidos.
— É importante começar logo, porque depois do incêndio vem a água e, quando os filmes ficam úmidos, se deterioram muito rápido — diz Tiago Castro Gomes, que trabalhou na Cinemateca de 2016 a 2020.
Em nota, o Ministério Público Federal afirma que “devem ser priorizados o salvamento do material restante e a prevenção de nova tragédia”.