DIREITO | Os perigos da plea bargain no Brasil

Temos visto o célebre juiz Sergio Moro defendendo medidas polêmicas contra a corrupção, como o uso de provas ilícitas no processo penal e a adoção do sistema de plea bargain no ordenamento jurídico brasileiro.

Mas no que consiste realmente esse sistema? Ele ajudaria, efetivamente, no combate à corrupção sem ferir princípios garantidos em nossa Constituição Federal?

Plea bargain é um instituto com origem nos países de sistema common law e se traduz em um acordo entre a acusação e o réu, através do qual o acusado se declara culpado de algumas, ou todas, acusações, em troca de uma atenuação no número de acusações, na gravidade das mesmas, ou, ainda, na redução da pena recomendada.
Consistindo em um verdadeiro contrato entre a acusação e o acusado, caso o réu não cumpra com sua parcela do acordo, a acusação não precisará manter aquilo que foi estabelecido entre eles; já se o descumprimento ocorrer por parte da acusação, o arguido será socorrido pelo magistrado, que irá cancelar a confissão do réu, forçar a acusação a cumprir o contrato ou, ainda, aplicará outro remédio para garantir a realização dos termos firmados.
Todavia, parte da doutrina norte-americana vem tecendo críticas à plea bargain por entender que o instituto suprime direitos fundamentais do acusado, uma vez que ao aceitar o acordo o réu abre mão de garantias referentes ao julgamento, como o julgamento por um júri imparcial e o direito de não se autoincriminar.
Ainda, a possibilidade de responder por um crime mais grave pode fazer com que o réu se sinta pressionado a aceitar o acordo mesmo sem ser culpado, existindo uma grande disparidade de forças entre as partes acordantes, chegando a ocorrer coerção, por parte da acusação, em determinados casos.
Ademais, por ser firmado em um cenário privado, o “contrato” acaba deixando a vítima do crime de fora da conciliação, criando, assim, uma desilusão com a justiça, uma vez que a sociedade deixa de ter acesso às negociações entre acusador e acusado, além do fato de ocorrer desigualdade no tratamento dos réus, contrariando o princípio da isonomia e deixando a impressão de que aqueles que possuem mais contatos são beneficiados com acordos mais brandos.
Já os defensores do instituto alegam que o mesmo traz benefícios para ambas as partes, garantindo a condenação, evitando altos gastos estatais com o julgamento, diminuindo a quantidade de casos nas Cortes, possibilitando a concentração dos acusadores em casos mais complexos, e, ainda, faz com que o réu deixe de passar pelo constrangimento de um julgamento, não precisando arcar com todas as despesas do processo, e estabelece uma pena mais leve.
Seguindo esse entendimento, a Suprema Corte dos EUA tem se posicionado a favor da plea bargain desde que cumpridos todos os procedimentos formais e garantida a espontaneidade do réu, sem que tenha havido qualquer forma de coerção.
Entretanto, para defendermos a inclusão do instituto em nosso ordenamento, não podemos esquecer das inúmeras diferenças entre o sistema jurídico norte-americano e o brasileiro.
Inicialmente, vale ressaltar a diferença entre nosso Ministério Público e a acusação dos Estados Unidos. Enquanto temos nossos promotores aprovados através de concursos públicos, os norte-americanos são eleitos através do voto popular, o que, por si só, já garante um maior controle da sociedade em relação a seus atos e suas políticas públicas.
Como poderíamos ter controle em relação aos acordos firmados pelo MP brasileiro sendo que eles possuem todas as garantias do emprego público? Não teríamos meios para desaprovar as ações tomadas pelos promotores, enquanto que nos EUA a sociedade pode se posicionar através do voto.
Outrossim, difícil imaginarmos nosso Ministério Público como formulador e executor de políticas criminais, com toda a independência funcional prevista em nosso País. Com a inserção da plea bargain em nosso ordenamento correríamos o risco de criarmos um “super órgão” sem controle político e amplos poderes nos futuros da justiça criminal. A população ficaria à mercê das vontades e ideais dos promotores.
E, também, estaríamos diante de grande desconfiança da sociedade quanto aos acordos. Em um País onde grande parte da população não confia na isonomia do Judiciário (de acordo com o relatório ICJBrasil apenas 29% dos entrevistados afirmaram que confiam no Poder Judiciário), o que pensar de acordos feitos com as portas fechadas?
Todavia, não podemos ignorar o fato de que as negociações no processo penal ajudam, e muito, na diminuição do inchaço do judiciário, auxiliando na celeridade dos processos e economizando dinheiro estatal.
Diante disso, encontramos na transação dos Juizados Especiais Criminais medidas semelhantes à plea bargain, assim como percebemos, no Anteprojeto do Código de Processo Penal em trâmite no Congresso Nacional (PL nº 8.045/2010), um novo procedimento com negociação entre as partes, o rito de imediata aplicação de pena mínima ou reduzida.
Com algumas semelhanças com o instituto norte-americano, mas com uma oportunidade regrada, estabelecendo limites no espaço de consenso, o Ministério Público e o réu confesso podem dispensar todo o trâmite processual, optando por um procedimento abreviado em determinados casos.
Tanto na Lei 9.099/95, quanto no Anteprojeto, observamos a possibilidade de negociação em casos de crimes mais simples (no caso do Anteprojeto, crimes com pena aplicável até oito anos), sendo que, no caso do novo rito, havendo confissão do acusado, e acordo entre as partes, com a presença do magistrado, o réu será condenado nos limites mínimos que poderiam ser atingidos no rito tradicional. Com isso, garantiríamos a condenação, maior celeridade processual e benefícios aos réus que poderiam, em julgamento, ser condenados com penas maiores mesmo após todos os gastos e dificuldades apresentadas em juízo.
A medida é interessante em um País onde os tribunais encontram-se inchados, contanto que não ocorra coerção para a prestação da confissão, e que o acordo seja firmado perante o juiz responsável e advogado do réu. Estaríamos, portanto, agindo conforme os princípios fundamentais do Direito Penal e garantindo uma justiça mais eficaz.
Diante de todo o exposto, não podemos concordar com a aplicação do instituto da plea bargain, similar aos Estados Unidos, com o MP possuindo ampla discricionariedade para agir, sob risco de contrariarmos princípios como o da ampla defesa, da isonomia, e, ainda, obtermos a confissão, muitas vezes, por meio de coação pelos amplos poderes da acusação.
Não obstante, desde que com condições regradas ao Ministério Público, estabelecendo limites nas negociações, garantindo a presença de magistrado e advogado para celebração da confissão, acreditamos que as negociações no Direito Penal tendem a reduzir a morosidade do judiciário, garantindo maior eficácia jurisdicional. Dessa forma, o novo rito apresentado no Anteprojeto do CPP, mesmo com algumas características similares à plea bargain, nos parece providencial e de extrema necessidade diante do inchaço dos nossos tribunais.
Fonte: Por Murilo Marques /Canal Ciências Criminais

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