A corrida eleitoral para o governo da Bahia sofreu uma reviravolta nos últimos dias por causa de uma polêmica racial. Depois de meses em larga vantagem nas pesquisas, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil) perdeu 5 pontos percentuais no último levantamento do Datafolha, enquanto o petista Jerônimo Rodrigues subiu 12 pontos.
Se confirmado o viés de queda, a eleição, que caminhava para ser decidida no primeiro turno, com vitória do ex-prefeito, agora pode vir a ter uma segunda rodada.
Observadores da política local atribuem a guinada a um movimento politicamente desastroso: depois de se declarar pardo à Justiça Eleitoral, ACM Neto compareceu a uma entrevista na TV local exageradamente bronzeado e questionou os critérios do IBGE para classificação de raça no Brasil.
Desde que se declararam pardos à Justiça eleitoral, em agosto, ACM Neto e a vice, a empresária Ana Coelho (Republicanos), vinham sendo acusados de fraude.
Embora não haja cotas ou fundos especiais para negros, como os partidos tradicionalmente privilegiam homens e brancos no rateio dos recursos, colocar uma candidatura competitiva de um governador “negro” em um dos maiores colégios eleitorais do País pode servir à narrativa de que aquela legenda cumpriu o critério racial e não escanteou negros na divisão do dinheiro.
ACM Neto já havia se declarado pardo em 2016, mas na ocasião não houve polêmica a respeito. Desta vez, a vice Ana Coelho recuou e mudou sua declaração de cor para branca, mas ACM Neto manteve o status de pardo, que buscou justificar na entrevista concedida à TV Globo local na segunda-feira (12).
A emenda, porém, saiu pior do que o soneto. Além de surgir com um bronzeado destoante do seu tom de pele natural – o que levou os adversários a acusarem o ex-prefeito de ter feito bronzeamento artificial para aparecer na TV – , ele se enrolou ao dizer que jamais se consideraria negro.
“Eu me considero pardo. Você pode me colocar ao lado de uma pessoa branca, há uma diferença bem grande. (Agora) Negro, não. Não diria isso, jamais”, declarou ACM.
Só que, pelos critérios do IBGE, são considerados negros os pardos e pretos. Questionado sobre isso pelos jornalistas, ACM respondeu: “Então é erro do IBGE, não é meu. Simplesmente isso”.
Um detalhe: o DEM, partido que deu origem à União Brasil na fusão com o PSL, foi autor de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as cotas raciais em universidades públicas, o que também tem sido explorado contra o adversário.
A Bahia é o estado com a maior proporção de negros no Brasil. Em Salvador, cidade em que ACM Neto tem mais força eleitoral, 80% dos habitantes se declaram negros.
Até a entrevista, o episódio vinha sendo explorado pelo PT e outros adversários, mas sem grande repercussão. Depois, as declarações de ACM Neto se tornaram o assunto dominante na campanha.
O nome do ex-prefeito ficou nos trending topics do Twitter por três dias consecutivos, e as imagens da entrevista – especialmente as que ressaltam o tom do bronzeado – se tornaram alvo de memes e vídeos satíricos.
“É o ACM Negro deliberando melanina com a chave de Wakanda na mão”, ironiza um dos vídeos, em referência ao país fictício no qual é ambientado o filme Pantera Negra.
Outro vídeo faz paródia de um material institucional da prefeitura soteropolitana. “Para entender melhor sua descendência africana, pesquise no site da prefeitura o nosso projeto ‘ACM: Black or White?’, que explica que o que importa é o que você acha e pau no c* do IBGE!”, brinca o humorista Daniel Ferreira.
Três dias após a entrevista, a coligação do candidato petista passou a exibir uma peça de propaganda no horário eleitoral em que populares criticam a postura de ACM Neto.
Nela, o ex-prefeito é acusado de “apropriação racial”, de “impedir que pessoas negras entrem na política” e de ser “um homem branco, cheio de privilégios”. “Você acha isso correto?”, provoca o narrador do vídeo petista.
A ofensiva levou a campanha do União Brasil a acionar três vezes o Tribunal Regional Eleitoral baiano para retirar o vídeo do ar, mas todos os pedidos foram negados.
Nós procuramos a equipe de ACM Neto, que enviou uma nota negando ter tido qualquer prejuízo com a polêmica racial. “A campanha faz diversos grupos qualitativos em todo o estado e nada leva a crer que a população tenha sido impactada por esse ataque da oposição, que inclusive levou o tema para a propaganda eleitoral.”
A nota, porém, não explica o que teria provocado a queda no Datafolha. Pelo contrário. De acordo com ela, as pesquisas têm oscilado de acordo com o instituto, mas todas mostram ACM vencendo com “aproximadamente 60% dos votos válidos” – não é o caso do Datafolha.
Já o PT considera que o episódio será seu passaporte para a vitória, e por isso pretende continuar explorando a alegada negritude de ACM Neto em seus programas eleitorais.
Levantamento digital feito por adversários de ACM Neto aponta que, no universo de menções à entrevista, 93% dos comentários foram negativos, 5% neutros e apenas 2% positivos. Os termos mais associados ao ex-prefeito de Salvador foram “bronzeamento facial”, “piada”, “pardo”, “oportunismo” e “IBGE”.