DENÚNCIA | Secretária do governo Herzem acusada de beneficiar parentes com cessão irregular de lotes em projeto de reforma agrária

O Projeto Casulo “Fazenda Bela Vista da Serra”, criado em 2000 para fins específicos de reforma agrária em Vitória da Conquista, a 509 km de Salvador, está sendo utilizado para beneficiar parentes de primeiro, segundo e terceiro graus da secretária de governo da gestão Herzem Gusmão (MDB), Geanne Oliveira (imagem abaixo), incluindo irmã, cunhado e sobrinhos.

É o que sustentam denúncias de famílias de lavradores assentados na área, região da Pedra Branca, às margens da BR-116. Segundo os beneficiários, o Projeto Casulo, com 40 lotes, criado com fins específicos para assentar 40 famílias cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 2017, foi descaracterizado e se transformou em fruto de especulação imobiliária.

Os lavradores assentados estariam perdendo suas terras para especuladores. Em vez de lavouras, como exige o projeto original, os invasores do projeto constroem casas de médio padrão para fins de revenda ou de lazer. Além de desvio de finalidade, há ainda denúncias de desvios de verbas e máquinas agrícolas federais, como um trator que desapareceu do projeto.

“Quem se arrisca a denunciar essa invasão e assédio às famílias para entregar os lotes está sofrendo ameaça de morte”, contou um morador, sob anonimato. “Tem gente sendo seguida por pessoas estranhas, em carros e com medo de ter a casa incendiada ou ser morto diante das ameaças em grupo de whatsapp“.

Na transação ilegal, que envolve milhões, além de coagir as famílias os especuladores forjam documentos de compra e venda e adquirem lotes por valores em torno de R$50 mil e repassam a terceiros por até R$300 mil.

Foi o que aconteceu com a lavradora Aulenice Maria de Jesus (acima e abaixo), 70 anos, que vendeu, ilegalmente, por R$50 mil, uma área de 100 metros quadrados à familiares de Geanne Oliveira.

Segundo ela, logo após ficar doente e muito debilitada os compradores identificados como o casal Sílvio Azevedo da Silva e Bene, cunhado e irmã de Geanne, se aproveitaram do seu estado de saúde debilitado, em 2018 e a fizeram assinar um documento para a cessão das terras. As filhas da lavradora intermediaram a negociata. A reportagem tenta contato com o casal.

Ainda segundo a denunciante, que assim como os demais assentados legalmente possuía uma área individual de 3 hectares (equivalente a 3 campos de futebol), em vez dos 100 metros quadrados acordado na venda os compradores se apossaram de 17 mil metros quadrados

O Decreto Federal nº 59.428 de 27 de Outubro de 1966 proíbe fracionamento do lote, mesmo em caso de sucessão. O Ministério Público Federal (MPF) já tem conhecimento das denúncias, por meio da Sala de Atendimento ao Cidadão e deve solicitar diligências da Polícia Federal.

“Sei que estou errada em ter vendido, mas eles também estão, por isso procurei a polícia para registrar um boletim e estou sendo atendida pela Defensoria Pública para ter minha terra de volta”, contou a lavradora, relatando ameaças verbais. “Eu temo pela minha vida, tenho medo de ser morta”, desabafou.

Apesar de configurar crime federal, por se tratar de área sob a tutela financeira do Incra, não é raro se encontrar placas de venda em lotes. Para que o projeto se tornasse realidade, o governo Federal, por meio do Incra, disponibilizou créditos de implantação, destinados á alimentação, ao fomento e a habitação.

Tudo estava sendo cumprido à risca, segundo o ex-presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais dos Assentados no Projeto Casulo da Fazenda Bela Vista da Serra, Lourivaldo de Jesus Silva, mas depois da intervenção de Geanne, com a nova diretoria, teve início a descaracterização do projeto para que fosse transformado em loteamento urbano, burlando o projeto original do assentamento.

Para assegurar o que os assentados consideram fraude e ainda ampliar o número de lotes, de 40 para 171, Geanne teria contado com a anuência do prefeito Herzem Gusmão, que – sem conhecer o teor da situação envolvendo as denúncias – publicou o Decreto nº19.989, em 23 de dezembro do ano passado, tornando pública, “para fins de regularização fundiária rural, a lista de beneficiários que serão contemplados com o título de domínio sobre os imóveis rurais localizados na Fazenda  Bela Vista da Serra”.

Mesmo sem passar por auditoria, perícia ou fiscalização, o prefeito declara no decreto que “os possuidores de imóveis rurais da Fazenda Bela Vista da Serra cumprem todos os requisitos normativos para serem contemplados com o título de domínio previsto no artigo 19 do Decreto federal 9.309/18“.

Será transferido aos beneficiários, incluindo os ilegais, por meio do referido título de domínio, o direito real de propriedade sobre os imóveis resultantes do desmembramento da área total da Fazenda Bela Vista da Serra, que possui 371 hectares.

Assessores, secretários e políticos ligados ao prefeito teriam recomendado ao chefe do executivo a revogação do decreto a fim de evitar desgastes e eventuais problemas com investigações. 

Para se isentar de responsabilidade jurídica, no decreto a Prefeitura enfatiza que “a lista das pessoas que serão contempladas com o título de propriedade” fora elaborada com o auxílio e a chancela da Associação dos Trabalhadores Rurais dos Assentados no Projeto Casulo da Fazenda Bela Vista da Serra, “que acompanhou todo o  procedimento  e  é  corresponsável  pela  veracidade  das  informações  contidas na lista”.

Não é o que foi apurado pela reportagem do Sudoeste Digital. Dentre os possuidores de imóveis, adquiridos ilicitamente, estão empresários e pessoas que não se encaixam no perfil do projeto, conforme estabelecido pelo Decreto Federal nº 59.428 de 27 de Outubro de 1966, tais como: proprietários de estabelecimento de indústria ou comércio; funcionários públicos; residir com sua família na parcela, explorando-a direta e pessoalmente.

O atual presidente da associação, Paulo Novais, é ligado à Geanne, conforme consta em denúncia dos lavradores. Ele não foi localizado pela reportagem, que continua tentando contato.

Dos 113 contemplados pelo decreto (CLIQUE AQUI) , pelo menos sete teriam laços familiares com Geanne, os sobrinhos Pietro e Rafael Oliveira da Silva Azevedo, filhos de Sílvio e Bene. A secretária de governo só se manifesta por meio da Secretaria de Comunicação. (LEIA ABAIXO).

Nas denúncias protocoladas pelos denunciantes está configurado peculato, crime que consiste na subtração ou desvio, mediante abuso de confiança, de bens para proveito próprio ou alheio, por funcionário público que os administra ou guarda.

312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

O QUE DIZ A PREFEITURA:

– A reportagem solicitou posicionamento da Prefeitura de Conquista sobre o assunto. A pedido da Secretaria de Comunicação a reportagem informou sobre o teor da reportagem, mas mesmo diante da gravidade das denúncias envolvendo a secretária de Governo, Geanne Oliveira, nenhum reposta foi encaminhada, contrariando a propaganda de “primeira colocada na região Nordeste e quarta no país no ranking de transparência na gestão pública”.


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