Em seu perfil numa rede social, Jean Franco Silva, 45 anos, ostenta fotos com uma equipe médica e participando de procedimentos na UTI (Unidade de Terapia Instensiva). Até essa terça (23), todos acreditavam que ele era o anjo de muitos pacientes que foram atendidos no Hospital Cristo Redentor, na cidade de Itapetinga, na região do Centro-sul Baiano.
No entanto, o que ninguém imaginava é que o jaleco impecável encobria um falsário que agia há um ano na unidade. Após denúncias, ele foi autuado pela Polícia Civil por exercer ilegalmente a profissão de médico e sua conduta pode estar relacionada com dezenas de mortes no hospital.
O caso ganhou repercussão nacional após ter sido revelado pelo Núcleo de Jornalismo Investigativo do Sudoeste Digital (NJI), em reportagem que logo ganhou manchete nos principais meios de comunicação do Brasil. Logo após as denúncias, os vereadores Sibely, Tiquinho e Valdeir, solicitaram ao prefeito Rodrigo Hagge (MDB) informações a respeito dos contratos firmados com as empresas prestadoras de serviços de saúde, sobretudo com a Fundação José Silveira.
“Requeremos ainda a totalidade dos valores repassados até o momento para o combate a Pandemia, causada pela COVID 19, e a destinação destes recursos”, reforçou a vereadora Sibely. “Estarei protocolando hoje (ontem) ainda um requerimento para a instauração de uma CPI da Saúde aqui no município”, completou. (RELEMBRE O CASO).
A polícia descobriu a farsa através de várias denúncias, que foram posteriormente comprovadas quando os agentes chegaram no Hospital Cristo Redentor. Em seu depoimento, Jean disse que é estudante do curso de Medicina no Paraguai e que no hospital trabalhava na função administrativa. Ele foi ouvido e responde pelo crime em liberdade.
“Não encontramos nenhum documento que comprove que ele cursa Medicina. Porém, recebemos mais de 10 denúncias de parentes de pessoas que morreram na UTI sob suspeita de imperícia dele. Se for comprovado apenas um óbito devido à conduta, ele vai responder por homicídio culposo. Mas, se for comprovado mais um caso, será homicídio doloso, porque entendo que ele tinha o conhecimento do risco (morte) e pedirei a prisão dele”, declarou o delegado Roberto Júnior, coordenador da 21º Coordenadoria do Interior (Coorpin/Itapetinga).
A direção do Hospital Cristo Redentor ainda não foi ouvida pela polícia. “Precisamos ter acesso aos prontuários médicos e as escalas de plantões para cruzar informações dos pacientes das denúncias que foram a óbito. Já solicitamos tudo e amanhã toda essa documentação será apresentada no depoimento”, disse o delegado. A unidade médica é gerida pela Fundação José Silveira, que por sua vez, segundo a polícia, informou que uma empresa foi contratava para gerir a UTI da unidade. “Vamos intimar também o proprietário”, pontuou o delegado.
O Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) tomou conhecimento do fato e instaurou uma sindicância para apurar se há algum tipo de acumpliciamento por parte da direção da instituição. Toda a investigação na instituição é em segredo de justiça.
No mês passado, veio à tona outro caso de exercício ilegal da função de médico. Na cidade de Conceição de Feira, Arley Diego Carneiro de Lima, 29, atuava de forma irregular como plantonista no hospital da cidade. Formado em Medicina na Bolívia, ele não havia feito o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), realizado anualmente para validar diplomas médicos expedidos por universidades de fora do Brasil
Flagrante
Na manhã de terça, policiais civis foram até o Hospital Cristo Redentor em Itapetinga apurar as inúmeras denúncias. Os agentes foram até a UTI e constataram que Jean de fato estava no interior do setor restrito aos profissionais da saúde, trajando um jaleco branco, comumente utilizado por médicos, com a inscrição “Medicina”. Na hora, Jean negou ser médico, afirmando ser estudante de medicina no Paraguai e que ali se encontrava exercendo uma função administrativa, passando o dia todo lidando com planilhas e cuidado da escala da equipe médica.
Ainda no local, os demais profissionais de saúde da UTI foram intimados para prestarem depoimento. Ao serem questionados sobre a função de Jean, entraram em contradição, ora afirmando ser da função administrativa ora como estagiário de medicina, mas que todos se referiam a ele como “doutor”.
Fotos
Logo após Jean ter sido ouvido pela Polícia Civil, fotos do perfil dele do Instagram começaram a circular em grupos do aplicativo de WhatsApp. Apesar de negar que exercita a função de médico, as imagens que ele mesmo postou indicam o contrário.
Em uma delas, Jean aparece na UTI, usando trajes apropriados e manuseando um instrumento cirúrgico. Em outra, ele aparece ao lado de um médico durante um outro procedimento. Numa terceira imagem, ele está com a equipe médica na campanha “Nós estamos aqui por vocês. Fiquem em casa por nós”, para conscientizar a população a entrar em quarentena voluntária para evitar a propagação do coronavírus. Ele segura a inscrição “ESTAMOS”.
“Ao que tudo inda, na foto ele aparece reunido com um grupo de profissionais de saúde, visivelmente paramentado como tal. Se aproximar a foto em que ele aparece fazendo um procedimento, vai ver que na roupa tem o logotipo da Fundação (José Silveira). Já na terceira imagem, é ele está num centro cirúrgico com um médico, mas não posso afirmar que é no hospital (Cristo Redentor). De fato, é que todas essas imagens serão incluídas no inquérito”, declarou o delego.
Prefeitura
Diante da situação, a reportagem procurou o prefeito de Itapetinga, Rodrigo Hagge (PMDM), que disse que prefeitura não tem nenhum tipo de gerência sobre o hospital. “ A prefeitura apenas está contratando o serviço do hospital. Lá é uma Santa Casa e é gerida pela Fundação José Silveira. O município é apenas o contratante. Vamos aguardar a conclusão das investigações da Polícia Civil para, então, adotar as medidas com a fundação”, declarou.
Ele comentou sobre a possibilidade de os óbitos estarem relacionados à conduta do falso médico. “É um absurdo, mas todas as denúncias têm que ser investigadas pela polícia para que possamos emitir uma opinião mais aprofundada. Uma coisa é certa: não é permitida a entrada de uma pessoa numa UTI que não saiba atuar”, disse.
Hagge disse que a prefeitura não contrata leitos de UTI, onde o acusado atuava. Os leitos de UTI são de responsabilidade do Governo do Estado. “A UTI atende todo o estado. Todos os pacientes são submetidos a central de regulação de leitos do estado. Ou seja, não necessariamente os leitos são ocupados por pacientes da cidade”, finalizou.
Procurada, a Fundação José Silveira afirmou que Jean Franco Silva nunca fez parte do quadro de profissionais contratados pelo Hospital Cristo Redentor e que não tem conhecimento de nenhuma pessoa sem diploma de medicina atuando como médico nas dependências da UTI da unidade. Em nota, a Fundação disse que todos os seus profissionais são devidamente habilitados e que todos os seus médicos contratados são inscritos no Conselho Regional de Medicina.
“A escala médica da UTI é integralmente composta por profissionais médicos devidamente habilitados e o referido senhor nunca compôs tal escala. Não temos nenhum registro de atuação do referido senhor”, disse a Fundação José Silveira.
De acordo com a Fundação, Jean Franco Silva é funcionário do setor administrativo, contratado por uma outra empresa, que presta serviços médicos à UTI no Hospital. A instituição afirmou que, para a prestação de serviços na unidade, “são contratados apenas profissionais ou empresas médicas formalmente aptos para o desempenho das atividades”.
Por fim, a Fundação José Silveira alega que não tem conhecimento sobre o conteúdo do inquérito e está à disposição para prestar qualquer informação. | com informações do Correio e colaboração do repórter Vinícius Nascimento.