DELAÇÃO PREMIADA | Em meio a novos nomes no esquema, PF revela como se dava o superfaturamento de contratos em Itapetinga

A PF oferecerá delação premiada a empresário que citou ACM Neto por pagamentos da prefeitura
Marcos Moura foi preso durante a Operação Overclean, acusado de liderar um esquema de fraudes em licitações públicas que envolvia recursos de emendas parlamentares.A Polícia Federal (PF) pretende oferecer um acordo de colaboração premiada ao empresário Marcos Moura, conhecido como “rei do lixo”, preso na semana passada durante a Operação Overclean. Moura é acusado de liderar um esquema de fraudes em licitações públicas que envolvia recursos de emendas parlamentares. As informações são do colunista da CNN Brasil, Caio Junqueira.

Investigadores e integrantes do governo federal avaliam que o caso pode se tornar uma “nova Lava Jato”, devido à extensão política das fraudes, que envolvem figuras influentes no cenário nacional. Como o vereador eleito de Campo Formoso (BA), Francisco Nascimento (União Brasil-BA), que é primo do deputado federal, Elmar Nascimento (União Brasil).

Marcos Moura é estreitamente ligado ao ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, que o indicou para o diretório nacional do União Brasil, partido do qual é integrante. Vale ressaltar que ACM Neto não foi alvo de qualquer medida da PF na operação, nem é investigado diretamente no inquérito. No entanto, seu nome aparece citado nos relatórios da PF. Em nota, o ex-prefeito afirmou que as investigações não encontraram “qualquer diálogo” seu nem “citação direta” ao seu nome, afirmando que “existem apenas inferências, que, ainda assim, não estão relacionadas a qualquer ato ilícito”.

O esquema criminoso dos irmãos Alex e Fábio Parente, investigado no âmbito da Operação Overclean, se estendeu até a cidade de Itapetinga, no sudoeste baiano. Por meio de contratos, superfaturados de R$ 6,003 milhões anuais, das empresas Allpha Pavimentações e a Qualymulti Serviços com o município, a dupla cooptou um vereador e um secretário da prefeitura através de propinas para conseguir beneficiamentos nas execuções contratuais, seguindo a estratégia utilizada em Campo Formoso, Jequié, Juazeiro e Barreiras.

Conforme a investigação da Polícia Federal (PF) que o Bahia Notícias teve acesso, o secretário de governo da prefeitura de Itapetinga, Orlando Santos Ribeiro e Diego Queiroz Rodrigues, conhecido como “Diga Diga”, vereador eleito pelo PSD em Itapetinga, recebiam pagamentos ilícitos em troca de favorecimentos e prorrogações dos contratos firmados com as empresas supracitadas.

Orlando utilizou um assessor da sua própria pasta, Cloves Filho, para receber um montante total de R$ 83.500,00 (em seis transações), entre 23/12/2022 a 29/02/2024, dos investigados BRA TELES e FAP PARTICIPACOES, segundo documento da PF. Inclusive, o conteúdo das conversas pelo whatsapp mostram que Alex enviava os comprovantes de pagamento a Orlando e pedia que as mensagens contendo os dados bancários fossem apagadas.

O outro facilitador do esquema criminoso, Diga Diga, que também é servidor público no Detran-BA, cobrava recorrentemente a Alex o pagamento de propinas, que são feitas no valor de R$ 800,00, com a utilização dos dados bancários de Valkelly Silva Modesto.

Ao todo, Valkelly, que é beneficiária de programa assistencial do Governo Federal, recebeu o montante de R$ 13.000,01 (depósitos e transferências). Já Diego Queiroz recebeu R$ 3.300,00 (em seis transações), de 03/05/2018 a 02/10/2023, dos investigados Fábio Parente e Clebson Cruz.

A conversa entre os irmãos Parente, presente nos autos, deixa claro que Diego era peça importante para os planos do grupo. No diálogo, Fábio questiona Alex o motivo de novo pagamento, já que o contrato com o município havia acabado e este responde que “Podemos precisar dele”.

O esquema de superfaturamento, ao longo do tempo que esteve em vigor, sofreu aditivos que aumentaram significativamente os custos para os cofres públicos, sem que houvesse uma justificativa plausível. Assim, o município arcou com gastos superiores aos postos em contrato (R$ 6.003.231,49,56 anuais) com as empresas Qualymulti Serviço e a Allpha Pavimentações entre os anos de 2018 a 2024.

Após prisão de vereador que jogou R$ 200 mil pela janela, PF mira fraudes com emendas

O esquema de desvio de emendas parlamentares investigado pela Polícia Federal na Operação Overclean não ficou restrito à Bahia. Após um ano de investigação, as autoridades acreditam que o mesmo grupo tenha envolvimento em fraudes em outros Estados. As suspeitas mais concretas envolvem contratos públicos em municípios do Tocantins, Amapá, Rio de Janeiro e Goiás.

A Polícia Federal analisa o material apreendido para verificar se há políticos e agentes públicos, incluindo parlamentares federais, envolvidos nas fraudes. Se for encontrado algum indício de envolvimento de autoridades com prerrogativa do foro, a investigação precisa ser transferida ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a depender do cargo.

Dois personagens-chave conectam as suspeitas. São os irmãos Alex Rezende Parente e Fábio Rezende Parente, donos da Allpha Pavimentações e Serviços de Construções. Eles foram presos pela PF. A defesa alega que não teve acesso pleno aos autos e por isso não vai se manifestar sobre a operação.

Os policiais federais apreenderam R$ 1,5 milhão com Alex em um jatinho que saiu de Salvador para Brasília. Ele é apontado como líder do esquema, responsável por coordenar as fraudes nas licitações, negociar com servidores públicos e organizar o pagamento de propinas. Já Fábio agiria como o braço financeiro do grupo, cuidando da transferência dos recursos aos aliados.

Os empresários assumiram um CNPJ ativo no mercado, registrado em 2017, aumentaram o capital social da empresa de R$ 30 mil para R$ 1 milhão e mudaram a área de atuação, do comércio de produtos alimentícios para a construção civil. Para a Polícia Federal, essa foi uma manobra pensada para não chamar a atenção das autoridades. Uma empresa nova vencendo licitações robustas poderia levantar suspeitas.

A estratégia não foi suficiente para blindar a empresa. As primeiras suspeitas em torno da Allpha Pavimentações surgiram depois que auditores da Controladoria-Geral da União (CGU) identificaram indícios de superfaturamento em uma licitação de quase R$ 112 milhões, vencida pela empresa, para pavimentar avenidas e estradas urbanas e rurais em municípios da Bahia.

Depois disso, relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificaram dezenas de operações financeiras suspeitas envolvendo a Allpha Pavimentações e seus sócios, os irmãos Alex Rezende Parente e Fábio Rezende Parente. Eles também controlam outras três empresas usadas no esquema – Larclean Saúde Ambiental, Qualymulti Serviços e Rezende Serviços Administrativos. A investigação aponta que os empresários movimentaram grandes quantias usando notas fiscais frias para simular serviços inexistentes.

A licitação que deu origem ao inquérito é de responsabilidade do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, autarquia (DNOCS), autarquia federal vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.

O elo entre a empresa e o DNOCS era o advogado Lucas Maciel Lobão Vieira, ex-coordenador do departamento na Bahia. Ele é suspeito de direcionar licitações à Allpha Pavimentações em troca de propinas. A “comissão” era repassada, segundo a Polícia Federal, presencialmente ou por depósitos fracionados na conta dele e de seus familiares.

A Polícia Federal afirma que, mesmo após ter sido exonerado do cargo, em setembro de 2021, em meio a suspeitas de irregularidades, Lobão Vieira continuou a usar a influência nos bastidores para facilitar a aprovação de contratos de interesse da empresa. Os investigadores acreditam que ele seja, na verdade, uma espécie de sócio oculto dos irmãos Parente. A defesa do advogado alega que não teve acesso ao inquérito e, por isso, não vai se manifestar.

Outro aliado seria o empresário José Marcos Moura, conhecido como “rei do lixo”, dono de empresas de limpeza urbana. A PF afirma que ele tem uma ampla rede de contatos e influência política que usaria para facilitar o andamento de contratos e ampliar o esquema. O empresário também foi preso.

Vereador que jogou dinheiro pela janela é suspeito de receber mais de R$ 100 mil em propinas

Ao analisar outros contratos fechados pelas empresas dos irmãos Alex e Fábio Parente, fora do DNOCS, a Polícia Federal chegou ao ex-secretário executivo de Campo Formoso, na Bahia, o vereador eleito Francisco Manoel do Nascimento Neto, conhecido como Francisquinho Nascimento (União-BA), que teria recebido propina de mais de R$ 100 mil em troca de contratos.

Antes de ser preso pela PF, na semana passada, o vereador tentou se livrar do dinheiro que mantinha em casa. Ele jogou uma sacola de dinheiro pela janela. Na sacola, segundo a PF, havia R$ 220 mil. Ele declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 213 mil. O Estadão pediu posicionamento da defesa.

Em uma conversa recuperada pelos investigadores, o vereador pede a Alex que deixe “algo para o pregoeiro” Márcio Freitas dos Santos. “O cara é parceiro e ajudou”, escreveu o então secretário municipal.

A Allpha Pavimentações recebeu cerca de R$ 57 milhões da Prefeitura de Campo Formoso entre novembro de 2023 e setembro de 2024. O prefeito é Elmo Nascimento (União), irmão do deputado federal Elmar Nascimento, líder do União Brasil na Câmara dos Deputados, e primo de Francisquinho Nascimento.

A prefeitura afirma que “conduz suas contratações dentro das melhores práticas” e informou que abriu uma investigação interna para verificar se houve irregularidades nos contratos.

Servidor da prefeitura de Salvador é exonerado após prisão

Com o avanço da investigação, a Polícia Federal conseguiu autorização judicial para a quebra do sigilo de mensagem de Alex Parente. O passo seguinte foi identificar seus interlocutores. Foi assim que os investigadores chegaram a Flávio Henrique de Lacerda Pimenta, diretor-geral da Direção Administrativa da Secretaria de Educação de Salvador.

Nas conversas, o servidor compartilha informações privilegiadas e combina detalhes de um pregão para desalojamento e controle de infestação de pombos e morcegos.

Pimenta foi preso na última quarta, 11, na Operação Overclean. Ao tomar conhecimento da prisão, a prefeitura de Salvador exonerou o servidor. A empresa Larclean, dos irmãos Parente, recebeu R$ 67 milhões da prefeitura.

Os investigadores suspeitas ainda de contratos para obras e serviços nas cidades de Jequié, Lauro de Freitas e Itapetinga, todas na Bahia.

Sobrinho de ex-governador é investigado no Tocantins

O ex-secretário de Parcerias e Investimentos do Tocantins, Claudinei Aparecido Quaresemin, sobrinho do ex-governador Mauro Carlesse (Agir), foi preso preventivamente na investigação. Ele é suspeito de receber R$ 805 mil dos irmãos Alex e Fábio Parente para direcionar licitações. A empresa Larclean fechou R$ 59,2 milhões em contratos com o governo estadual desde 2021.

‘Fatos e fortes indícios’

Ao dar sinal verde para a PF deflagrar a Operação Overclean, o juiz Fábio Moreira Ramiro, da 2.ª Vara Federal Criminal de Salvador, apontou a “materialidade dos fatos” e “fortes” indícios de autoria.

“Os investigados fazem do crime seu meio de vida, atuando há muito tempo no ‘ramo’ da fraude a licitações e desvios de recursos públicos, com prática de crimes de corrupção ativa e passiva, assim como de lavagem de ativos financeiros. Assim, há fortes evidências de que, em liberdade, permanecerão na prática delitiva”, escreveu.

“Medidas diversas da prisão não serão suficientes para interromper a atuação dos investigados, que forma organização bastante estruturada há muitos anos, com atuação fortíssima na Administração Pública de várias unidades da Federação, bem assim diversos municípios”, segue o magistrado.

Diálogos interceptados pela PF flagraram dois investigados conversando sobre a destruição de provas e documentos relacionados ao inquérito. Eles combinam a exclusão de conversas no WhatsApp e a substituição dos aparelhos celulares. Esse foi outro motivo para o juiz determinar as prisões.

“As conversas interceptadas revelaram uma operação coordenada e sistemática de destruição de provas, que incluía a utilização simultânea de três máquinas trituradoras operando continuamente”, justificou o magistrado.

Segundo a PF, o grupo suspeito teria movimentado cerca de R$ 1,4 bilhão, incluindo R$ 825 milhões em contratos com órgãos públicos só em 2024. Foram cumpridos 17 mandados de prisão preventiva e 43 mandados de busca e apreensão na Operação Overclean.

COM A PALAVRA, OS CITADOS

Até a publicação deste texto, a reportagem não havia conseguido contato com as defesas de todos os citados. O espaço está aberto para manifestação. ([email protected]).


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