CRISE – Saiba como o império Sant’Ana de 103 farmácias ruiu

A mais tradicional das cinco unidades das farmácias Sant’Ana no interior da Bahia, fechadas no final de janeiro deste ano, deve ser reaberta com uma empreendimento do mesmo ramo, porém com controle diferente do antigo dono.

Ela fica na esquina da Alameda Ramiro Santos com a Rua Maximiliano Fernandes, centro comercial de Vitória da Conquista, a 509 km de Salvador.

A história da Sant’Ana começa em 1945, com a inauguração da primeira farmácia em Itaberaba pelo médico José de Lemos Sant’Ana. A segunda drogaria da cidade da região da Chapada Diamantina é vendida quando o pojuquense decide se mudar, com a esposa, para Salvador.
Na capital, funda a primeira Sant’Ana, na segundo metade dos anos 50, no bairro das Mercês. Pouco tempo depois, já é a maior rede de drogarias na Bahia. Mas, bastou um intervalo de três meses para destruir todo o patrimônio da Sant’Ana.
Na madrugada do dia 20 de dezembro, um incêndio atinge o galpão central da Sant’Ana na Avenida Paralela, onde era armazenado o estoque da drogaria. Vinte dias antes, a Sant’Ana do bairro da Graça já havia sido consumida pelo fogo. “Ele [Zezinho, filho de Seu José] não sabia muito o que fazer, principalmente depois disso. Tinha medo de que as coisas não voltassem ao normal. Cheguei a alertá-lo: é melhor vender”. O atendimento a essa sugestão demorou. Só veio depois do grupo se reerguer e chegar a 103 lojas no início desta década.
A Brazil Pharma, criada em 2009 pelo banco BTG Pactual, então decide investir justamente no mercado farmacêutico. O grupo oferece, em fevereiro de 2012,  R$ 350 milhões para comprar a rede de farmácias criadas por José. O negócio parecia realmente promissor: ao assumir a gestão, a Brazil Pharma planejava abrir mais 83 lojas no estado, expandir o negócio já bastante sólido. 
O passar dos anos revelou o contrário. A crise se torna pública em janeiro de 2018: naquele mês, a empresa ajuíza um processo de recuperação judicial, com dívida de R$ 1,3 bilhão. Na lista das estratégias apresentadas pela empresa: a venda de todos os pontos comerciais da Farmácia Sant’Ana e da Big Benn. 
Histórica como a antiga residência de Castro Alves
Zeltman, 57, e Márcia Rabelo, 54, são atraídos pela impressão de velhos tempos da Sant’Ana. Compravam lá desde a adolescência. O grisalho Zeltman relembra, ao sair da farmácia: “Tinha um diferencial. Uma farmácia da terra, com preços baixos. A gente só comprava nela”. Naquela tarde, durante compras na Avenida Sete, perceberam a proximidade do fim. “Minha última entrada na Sant’Ana”, prevê Márcia, na despedida.
Outro também já saudoso acompanhou até os passeios sabáticos de Seu Sant’Ana em direção à sua menina dos olhos: é o porteiro Anderson Correia, 45. Sentado em uma cadeira giratória estofada, observou, num prédio vizinho, quase 40 anos da loja.
“Farmácia? Nem existia outra. Ou era a Sant’Ana ou era a Sant’Ana. Quando eu cheguei aqui, as prateleiras eram todas cheias, não faltava remédio nenhum”, conta.
Natural de Vitória da Conquista, ele é porteiro justamente do prédio que carrega o nome do pai de José Sant’Ana, Raymundo. No ano de 1854, o edifício, na época um casarão, foi a residência do poeta Castro Alves, conforme anuncia uma placa de pedra fixada ao lado da portaria lateral. Mais de um século mais tarde, em 1978, José fez do casarão um prédio de quatro andares e decidiu homenagear o pai. Um ano antes, também por iniciativa de José, ganhou forma o Edifício Totônia, homenagem a sua mãe. O beco contíguo à Sant’Ana é o beco da família Sant’Ana.
O sol finalmente se põe, é noite em Salvador. Da Praça da Piedade, vê-se o letreiro colorido de vermelho, azul e branco da farmácia. A história da Bahia revela-se na placa tricolor. Amanhã será outro dia. Talvez o último da vida da farmácia. Da velha Sant’Ana, escondida sob as sombras do passado glorioso, não restou nada.
Fernanda Lima (Correio)*
Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier e do editor João Gabriel Galdea

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