“CONQUISTENSE” | Da terra de Glauber Rocha, Edmundo tem conquistado festivais pelo mundo

Edmundo Lacerda Campos, de 72 anos, esperou mais da metade de uma vida para realizar seu maior sonho de criança: fazer cinema. Mas o que antes era apenas uma fantasia guardada no fundo da sua imaginação se tornou realidade em 2021, quando “O Sonho de Zezinho” saiu do roteiro para as telas. Hoje, Edmundo vê seu filme, concebido em Vitória da Conquista (BA), rodar em festivais nacionais e internacionais de cinema, como o 6º Festival de Cinema de Muriaé, em Minas Gerais, e o Toronto Multicultural Film Festival 2022, no Canadá.

“O Sonho de Zezinho” narra a trajetória de um menino do interior da Bahia que, embalado pelo desejo de virar cineasta, inventa uma maneira única de fazer cinema ao escrever histórias mirabolantes e representar os personagens em frente a uma câmera de brinquedo. Esse menino era o próprio Edmundo.

Tem sonhos que não nos deixam e tem sonhos que não desgrudam de você. No meu caso, foi o cinema que ficou aqui na minha cabeça.

Edmundo Lacerda Campos, cineasta

No média-metragem, narrado em forma de flashback, Zezinho reúne amigos para ver seu primeiro filme intitulado “A Grande Batalha”. A história ganha vida com desenhos feitos à mão e com um projetor construído com lâmpada, espelho e caneta. O mergulho nos 20 minutos da obra transparece diversas referências cinematográficas adquiridas por Edmundo ao longo de sua trajetória. Algumas delas, inclusive, aparecem com rápidas inserções de cena em “O Sonho de Zezinho”.

O diretor destaca sua admiração por Charles Chaplin, roteirista e ator que consagrou obras como “Tempos Modernos (1936)” e “O Garoto (1921)”. Além disso, Edmundo também revela uma série de filmes que o ajudaram a construir sua própria identidade cinematográfica, como “Ladrões de Bicicleta (1948)”, do diretor italiano Vittorio De Sica, e o filme britânico “O homem de Kiev (1968)”, dirigido por Bernard Malamud.

Ele se refere ainda com muita consideração a “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, dirigido por Glauber Rocha em 1964. O filme é uma das principais obras do cineasta que nasceu e cresceu em Vitória da Conquista, no Sudoeste da Bahia, antes de ganhar o mundo como um dos maiores expoentes do Cinema Novo. Na mesma cidade, Edmundo viveu a maior parte da sua vida e começou a construir sua carreira no audiovisual.

Um sonho adormecido
Nascido em Jordânia (MG), Edmundo foi para Vitória da Conquista com sua família quando tinha apenas um ano de idade. Aos 11 ficou órfão de pai e precisou trabalhar para ajudar a sustentar a mãe e o irmão. Engraxou sapatos e até carregou compras dos vizinhos em troca de algumas moedas, mas não sobrava nada para ir às matinês que aconteciam diariamente no cinema da cidade.

Já que não podia frequentar as sessões, o garoto decidiu que faria as próprias filmagens com uma câmera improvisada. A máquina, feita com uma caixa de vela e um furo no meio, dava vida às histórias inventadas por Edmundo. “A câmera não filmava nada, mas eu achava que estava fazendo cinema”, brinca.

Apesar de sua notável disposição para a sétima arte, o sonho de Edmundo ficou adormecido por mais de 60 anos. Esse cenário só mudou em 2021, quando decidiu apresentar sua história para Daniel Leite Almeida, diretor-executivo da produtora de conteúdos audiovisuais Ato 3 Produções. Na época, Daniel ficou tão admirado que decidiu não apenas investir na produção do média-metragem, como também ensinar a Edmundo noções fundamentais sobre roteiro e direção. “Eu percebi que havia uma força grande no filme, e já vislumbrei todo o caminho que ele poderia fazer e que conseguimos que fizesse”, afirma Daniel.

Não à toa, “O Sonho de Zezinho”, produzido em meio à pandemia de covid-19 com recursos da Lei Aldir Blanc, se tornou um dos grandes expoentes do cinema regional e baiano, conquistando não somente públicos de diversas regiões do Brasil como também de várias partes do mundo. “Eu não esperava que fosse tão longe, mas o filme foi em muitos festivais”, diz Edmundo, repleto de alegria. E foi assim que, em 2022, recebeu o prêmio de melhor produção na categoria média e longa-metragem do 8° CINI – Festival de Cine para Ninos, em Lima, Peru.

No mesmo ano, a obra foi exibida no II International Film Festival for Children and Youth Hero, na Rússia; na Mostra Rio Branco Infantojuvenil da 5ª edição do Curta Caicó e na 5ª Mostra Sesc de Cinema – Panorama Bahia.

Em busca de formação
Mesmo antes de “O Sonho de Zezinho” despontar como um grande sucesso, Edmundo entendeu que, para se sentir completo na carreira, precisava dar um passo ainda maior para dar continuidade ao seu trabalho como cineasta. “Eu estava estacionado no cinema do meu tempo.” Para isso, com o apoio de Daniel e da equipe de filmagens, ainda em 2021, Edmundo se matriculou no curso de Cinema e Audiovisual na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).

“Muitas pessoas em lugares que a gente nem imagina vão poder ver os nossos cenários, as nossas paisagens geográficas e humanas. Também vão conhecer o nosso sotaque, as nossas cores, a maneira como a luz incide e como a vida é possível nesse lugar”, conta Rogério Luiz Oliveira, ex-professor de Edmundo.

Quero que esse filme continue sendo exibido, mas não só pra dizer que fui eu quem fiz, mas para dizer que as crianças precisam sonhar e continuar. Mesmo não sendo fácil, eles poderão chegar aonde sonham ao se dedicarem.

Edmundo Lacerda Campos, cineasta

Seu próximo projeto, intitulado “O Barquinho de Papel”, já está em andamento e também será fruto de suas vivências e memórias. | UOL


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