A pressa em executar a cobrança da chamada “Taxa do Lixo”, após a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento instituiu um dispositivo para pressionar os municípios a cobrarem uma tarifa ou taxa voltada para o custeio da gestão dos resíduos sólidos pode punir os mais pobres e beneficiar os mais ricos. É o que prevê um estudo inédito do Sudoeste Digital, publicado nesta quarta-feira, 28.
A reportagem teve acesso a um Guia da Concessão, como foi nomeado, elaborado no âmbito de um acordo de cooperação técnica firmado entre a Associação Brasileira de Empresas de Tratamentos de Resíduos e Efluentes (Abetre) e o Ministério do Meio Ambiente.
Ele inclui um método de cálculo para as taxas e tarifas de forma a garantir que as contas fechem, isto é, que seja arrecadado mais do que se gasta com o serviço. Também traz um passo a passo para a implementação de uma concessão.
A prefeitura de Vitória da Conquista, por exemplo, encaminhou à câmara municipal um projeto de lei que prevê uma taxa anual variando entre R$130 e R$234 para residências. Na semana passada, os vereadores de Guararema (SP) aprovaram uma tarifa que deve levar em conta a área construída do imóvel.
Projeto similar também já tramita em Dourados (MT), mas nada está sendo feito em Vitória da Conquista, por exemplo, o que fará com que os mais ricos paguem menos que os mais pobres.
A Prefeitura de Conquista ainda não detalhou sobre o que fará com recursos excedentes da taxa, apesar da possibilidade de se organizar um modelo economicamente sustentável de gestão de resíduos sólidos, como criação de cooperativas para recicláveis. Em vez disso, utiliza mídias que mais confundem do que explicam a população.
A experiência de Joinville (SC) é apresentada como exemplo. Desde 2002, o serviço é explorado na cidade pela empresa Ambiental Limpeza Urbana e Saneamento. A opção do município permitiu aumentar em 176% o volume de resíduos recicláveis coletados, estender em 19 anos a vida útil do aterro sanitário, criar oito galpões de triagem usados por cooperativas e investir em ações de educação ambiental nas escolas.
RICOS X POBRES – O guia da Abetre sugere que a tarifa leve em conta a frequência de coleta, as categorias de usuários conforme o volume produzido, o custo da manutenção do serviço e a capacidade de pagamento dos moradores.
Também apoia que a cobrança seja feita por habitante ou por domicílio mediante autodeclaração. A proposta é que uma norma municipal estabeleça as faixas de volume de resíduos sólidos. Caberia aos moradores informar em qual delas está incluído.
“A cobrança por autodeclaração é cidadã, pois o contribuinte escolhe uma das faixas de produção média previstas por lei específica”, diz o guia lembrando que outros tributos, como o Imposto de Renda, também são aferidos por autodeclaração.
Segundo a edição de 2020 do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), elaborado pela consultoria PwC Brasil e pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb), quase metade dos municípios brasileiros (49,9%) ainda faz uso lixões. Mesmo onde há aterro sanitário, a destinação nem sempre é adequada.
“É preciso tratar os resíduos, em vez de simplesmente enviá-los passivamente ao aterro sanitário”, alerta o guia da Abetre. Para custear o serviço, muitas cidades já cobram taxas ou tarifas há alguns anos. Em alguns casos, elas são incorporadas ao boleto do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), como é o caso do Rio de Janeiro.
Segundo o ISLU, 41,5% das prefeituras adotam a cobrança de taxas ou tarifas. Mas nem sempre os valores arrecadados têm sido suficientes para cobrir todas as despesas do serviço. A possibilidade de instituir estas taxas ou tarifas já havia sido prevista na Lei Federal 11.445/2007, que ficou conhecida como Lei do Saneamento.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, que designa a Lei Federal 12.305/2010, estabeleceu que a forma de cobrança dos serviços deveria ser incluída no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos.
Em seu artigo 35º, o Marco Legal do Saneamento também aumentou a pressão para que as prefeituras instituam as tarifas. Ele estabeleceu que, caso o município não elabore um proposta de cobrança em 12 meses, ficaria configurada renúncia fiscal. Conforme a legislação brasileira, há apenas duas condições em que as renúncias fiscais não são passíveis de penalidade.
Uma delas é quando são consideradas na estimativa de receita orçamentária e fica demonstrado que elas não afetam as metas fiscais previstas. Outra possibilidade é elas estarem acompanhadas de medidas de compensação, isto é, a criação de alternativas de arrecadação. No entanto, o impacto negativo que a criação de novas cobranças causa junto ao eleitorado gera receio entre os prefeitos.
O prazo de 12 meses estourou no último dia 15 de julho. Diante da pressão legal, alguns municípios têm anunciado alguns passos para avançar na discussão.
A Agência Nacional de Águas (ANA) divulgou há alguns meses uma versão preliminar de uma Norma de Referência, segundo a qual o órgão deverá, após 31 de dezembro de 2021, oficiar os municípios que não tenham instituído a cobrança.
Eles seriam convocados para comprovar em 60 dias que a omissão não configura renúncia de receita. Diante dessa informação e preocupada com as prefeituras que ainda não formularam uma proposta, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) emitiu em abril uma nota técnica com orientações.
“Após diálogo com a ANA, a CNM recebeu a orientação de que a data-limite de 15 de julho de 2021 é para a proposição de instrumento. Sendo assim, o gestor municipal não precisa ainda ter a lei já em vigor nem a efetiva cobrança nesta data. Por outro lado, é necessário propor o instrumento de cobrança, o que significa, por exemplo, no caso de taxa, enviar projeto de lei sobre a cobrança para a Câmara de Vereadores”, diz o documento. | com informações adicionais do Dinheiro Rural.