SUDOESTE DIGITAL (Da redação) – A reitoria da Universidade estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) designou uma Comissão de Sindicância, após 17 dias da denúncia apresentadas junto à Ouvidoria do Estado, de prática de assédio moral e de violação de sigilo de comunicação, supostamente ocorridas no Sistema Uesb de Rádio e Televisão Educativas (Surte) contra profissionais lotados no setor.
Um detalhe que chama à atenção é que a portaria nº143, de 14 de março de 2023, que designa os docentes sindicantes, foi publicada no Diário Oficial somente nesta sexta-feira, 17, coincidentemente após repercussão estadual em uma emissora de TV da capital.
A portaria retroativa não informa sobre o afastamento da direção do Surte, como assegurado em carta aberta divulgada pela Uesb, dia 7 deste mês, e assinada pelo reitor Luís Otávio de Magalhães. LEIA AQUI.
Os docentes nomeados são Monalisa Nascimento dos Santos Barros, presidente da comissão sindicante; Marisa Oliveira Santos e Flávio Antônio Fernandes Reis. A comissão tem prazo de 30 dias úteis para apresentação do relatório final. A reportagem tenta contato com a reitoria da Uesb e o conteúdo será atualizado assim que houver o posicionamento da instituição.
ENTENDA O CASO ¹ – Após o Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) solicitar investigação do caso, em 1º de março, a reitoria da instituição rechaçou as denúncias. Diversas entidades se pronunciaram em favor dos jornalistas.
“Eu me sinto estuprada moralmente”, desabafou Andréa Póvoas, uma das quatro jornalistas que denunciaram, ao Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba), casos de assédio moral na Assessoria de Comunicação (Ascom) e no Sistema de Rádio e Televisão Educativas (Surte) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
As denúncias vieram a público no dia 1º de março de 2023, quando a entidade sindical pediu investigações por parte da reitoria da universidade.
A jornalista, natural de Eunápolis e formada em 2004 pelo curso de Jornalismo da Uesb, estava na sua terceira passagem pelo Surte, onde desempenhava diversas atividades, entre as quais a produção do UniverCiência, um programa com foco na divulgação de pesquisas científicas.
Em 24 de fevereiro, Andréa foi surpreendida pela sua demissão “por remanejamento de equipe”, no mesmo dia em que a jornalista Aline Ferraz foi transferida de setor porque ela “seria mais feliz na Proex [Pró-reitoria de Extensão]”.
Somente quando se encontraram na sala da redação, para arrumarem os pertences e deixarem o local, compreenderam o que estava acontecendo. Durante a sua conversa com o diretor do Surte, o jornalista e professor, Rubens Sampaio, e outros dois colegas, Aline foi questionada se ela lembrava de um diálogo que havia tido no WhatsApp com uma pessoa nos últimos três meses. Acontece que, antes de sair para o recesso de Carnaval, no dia 16 de fevereiro, Andréa esqueceu a versão web do aplicativo de mensagem aberto no computador que utilizava para realizar o seu trabalho cotidiano.
“Era um ambiente que me deixava realmente triste e esse era o teor das minhas conversas com Aline”, relembra Andréa. “Mas a minha preocupação eram as minhas conversas privadas, da minha vida íntima, meus relacionamentos”, completa. “Naquela sexta-feira à noite [24 de fevereiro], eu recebi o baque de pessoas entrando em contato comigo, questionando algumas coisas que só eu saberia e aí eu tive a comprovação de que outras conversas também foram violadas. Foi assim que começou o meu drama.”
“Que liderança é essa?”
Aline Ferraz se formou em jornalismo pela Uesb em 2004. Foi professora, assessora de comunicação sindical, parlamentar, empresarial, trabalhou em rádio e TV. Em 2018, se inscreveu na Seleção Simplificada aberta pela universidade pelo Edital 001/2018 e foi uma das 14 aprovadas e escaladas para exercer a função de jornalista na equipe do Surte.
“Participei de uma seleção Reda em 2018, em um momento delicado da universidade, que estava há muito tempo sem concurso público”, explica. Naquele período, quem ocupava o cargo de reitor da Uesb era Paulo Roberto Pinto, que logo foi substituído pelo professor Luiz Otávio de Magalhães, que venceu a eleição em abril do mesmo ano. Nesse momento, também houve mudanças na direção do Surte e da Assessoria de Comunicação, cargos que passaram a ser ocupados pelo professor do curso de Jornalismo, Rubens Sampaio.
“O que mais me entristece é que esse mesmo chefe foi meu professor, é um jornalista”, diz Aline ao lembrar dessa informação e das situações que afirma ter sido submetida no local de trabalho, como o silenciamento de algumas pessoas e assuntos.
“Eu entendo que na TV e Rádio educativas você tem a função muito importante de dar voz e vez à comunidade. Quando a gente começou a perceber que vozes estavam sendo silenciadas, que pessoas estavam deixando de ter acesso ao Sistema por interesses partidários, por interesses pessoais, a gente começou a se sentir incomodado e questionar: Por que pessoas não podem vir? Por que pessoas não podem participar?”
Para Aline, esses questionamentos foram o motivo dela começar a ser isolada e do início dos assédios. A jornalista era conhecida por comandar o programa Roda de Conversa, na Rádio Uesb, mas era impedida de convidar “professores, professoras, coordenadores da própria universidade e pessoas ligadas à sociedade civil organizada”.
Além do isolamento, ela explicita que o seu chefe imediato sempre afirmava que conhecia a vida de quem trabalhava com ele. “Eu tive momentos em que a minha vida financeira, a minha vida pessoal, foram expostas dentro do trabalho”, explica Ferraz. “O que importa dentro do trabalho é a minha função laboral, a minha vida pessoal de nada interessa ao meu chefe imediato ou à instituição.”
A jornalista ainda expõe que “a gente começou a ser visto como aquela parte do processo que não interessa, que incomoda, que não condiz com a cartilha do chefe, que sempre relembrava que ali existe hierarquia e a gente tem que respeitar. O tom de ameaça sempre se deu nessa narrativa de que lá [o Surte e a Ascom] é o maior centro de contratação de profissionais de comunicação [em Vitória da Conquista]”.
Essas situações não se restringiram às profissionais já citadas nesta reportagem. O jornalista Luiz Pedro Passos é outro denunciante que foi transferido de setor, há ainda mais tempo, em julho de 2022. O profissional também é formado pelo curso de Jornalismo da Uesb, em 2014, e antes de ser contratado via Reda em 2018, atuou no Surte como estagiário.
A perseguição, segundo ele, começou em 2020, quando decidiu se candidatar a vereador do município de Itambé, onde nasceu. Inicialmente, os seus superiores não se incomodaram, porém, conta que um dia recebeu um aviso. “Faltavam 15 minutos para eu entrar no jornal [Uesb Notícias 1ª Edição], a coordenadora de Jornalismo me chamou para conversar, perguntei se poderia ser depois e ela disse ‘tem que ser agora’. Então ela perguntou se eu seria candidato a vereador, eu respondi que sim e ela disse ‘se você se candidatar, será demitido’”.
O jornalista explica que já tinha pesquisado acerca da jurisprudência e identificou que não haveria problema com a candidatura, desde que se afastasse da apresentação do jornal. Quando Luiz recebeu o aviso da coordenadora, um professor presenciou o ocorrido e levou a situação para a reitoria, que respondeu pedindo que o mesmo entrasse em contato com a Procuradoria Jurídica da Uesb. O setor deu a Passos a mesma informação que ele já havia encontrado em suas pesquisas.
A partir daquele momento, as pessoas começaram a tratá-lo de maneira diferente, de acordo com ele. “Eu chamei o professor [Rubens Sampaio] para conversar e ele disse que estava chateado porque o caso chegou à reitoria”. O jornalista se candidatou e tirou férias no período de campanha.
“Mas o ano de 2022 foi muito pior”, relembra Luiz Pedro. Em abril, a sua mãe, que tem um quadro de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), foi internada após uma gripe, na cidade de Itambé, em um domingo, e só foi liberada na quarta-feira, e o jornalista foi acompanhá-la. Ele já havia avisado aos seus superiores da situação. Quando retornou, apresentou o atestado de acompanhante, mas ainda assim recebeu faltas nesse período. Segundo ele, seu então chefe afirmou que ia dar “falta por uma questão de justiça”.
Quando recebeu o contracheque do mês seguinte, além de constar uma falta a mais, havia um grande desconto. O jornalista recebeu cerca de R$100 naquele mês. Apesar do erro ter sido revisto no mês seguinte, a falta que chegou a mais não foi retirada.
Outra situação vivenciada pelo jornalista foi em junho de 2022, quando foi veiculada uma matéria sobre pessoas em situação de rua em Conquista, com um casal identificado como sendo de Itambé, informação que foi retificada na época pelo assessor da atual gestão do município.
Luiz tentou mediar a situação, mas, de acordo com ele, a coordenação do Surte teria tratado mal a equipe de assessoria da Prefeitura de Itambé, que visitou o Sistema de Rádio e Televisão Educativas (Surte) em busca de retratação. Segundo Luiz, apenas após o constrangimento e o envio de um ofício pela assessoria do município, o Executivo itambeense conseguiu a retratação.*
Após esse ocorrido, segundo o jornalista, o gestor do setor enviou uma mensagem no grupo de WhatsApp da equipe, afirmando que “para a atual gestão da Uesb, a relação pessoal, a convivência com respeito e humildade, está acima da capacidade de trabalho. Insubordinação, empáfia, exposição do trabalho do outro e da instituição, intrigas e desrespeito, não serão toleradas. Sem distinção entre o vínculo com a Uesb: não trabalharão comigo e não terão espaço na nossa gestão. Estamos atentos e, na hora certa, teremos desdobramentos para os fatos recentes”.
Logo em seguida, Luiz Pedro Passos foi transferido para o Nais (Núcleo de Assistência Integral ao Servidor), onde presta serviços de assessoria e design gráfico. “Fizeram a transferência em um ato arbitrário, unilateral e desconsideraram a minha aptidão profissional”, explica o jornalista.
Dois pesos, duas medidas
Entre os três jornalistas há muitas semelhanças no tratamento que recebiam, não apenas no tipo de transferência que aconteceram com Luiz Pedro e Aline Ferraz. Eles eram habitualmente questionados sobre a dinâmica do trabalho e recebiam tratamentos diferenciados em relação ao restante da equipe. Aline conta que “eram muitos privilégios para uns e exclusão para outros” e que o Surte se tornou um ambiente de trabalho tóxico. Andréa Póvoas também relata situações em que foi isolada, a partir do momento que algumas pessoas suspeitaram que ela pleiteava um cargo dentro do setor.
“Eu era bem próxima da direção até que começaram a suspeitar que eu pleiteava algum cargo lá dentro. As relações foram mudando e senti uma rejeição. Eu já não era mais convidada para algumas reuniões como era antes, e a minha opinião deixou de ser importante”, disse Póvoas. Foi então que ela se aproximou de Aline, de quem foi colega de faculdade e chegou a morar junto, e começaram a comentar situações que ocorriam dentro do Surte, como a transferência de Luiz Pedro.
Isolamento, burburinhos e tratamentos diferentes fizeram parte da rotina de trabalho dos jornalistas, que foram compreendendo que sofriam assédio aos poucos. “O medo imperava lá dentro”, caracteriza Aline Ferraz, que também utiliza essa afirmativa para explicar como se sentiu ao ler a carta publicada ainda na noite do dia 1º de março, quando as denúncias de assédio moral vieram a público.
O documento, em defesa da Gestão da Assessoria de Comunicação e do Sistema de Rádio e Televisão Educativas da Uesb, foi assinado por jornalistas e técnicos contratados, colegas de trabalho dos denunciantes. Póvoas explica que a maior problemática da carta é o questionamento em relação à atuação do Sinjorba (Sindicato dos Jornalistas da Bahia). “A gente tem visto o compromisso do sindicato em favor da nossa categoria”, ressalta.
A denúncia
No dia 1º de março, o Sinjorba protocolou um documento em que solicita à reitoria da Uesb a investigação sobre as denúncias de profissionais que teriam passado por situações constrangedoras, isolamento e silenciamento no local de trabalho. Apesar das situações acontecerem há pelo menos dois anos, o que motivou o pedido de investigação foi a demissão de Andréa Póvoas e a transferência de setor de Aline Ferraz, comunicados no dia 24 de fevereiro.
“Toda vez que o sindicato recebe uma denúncia de assédio moral, a gente fica muito preocupado e triste. Trata-se de uma das mais odiosas práticas existentes hoje na relação patrão-empregado”, enfatiza Moacy Neves, presidente do Sinjorba. “Nós sempre pedimos aos colegas que nos chegam com denúncias de assédio moral que procurem criar provas para que a gente possa tipificar esse crime do trabalho.” A partir daí, a entidade entra com pedido de investigação junto à empresa, no caso, à Uesb e, logo depois, ao Ministério Público do Trabalho (MPT). No caso das denúncias relacionadas à Ascom e ao Surte, também houve uma denúncia junto à Ouvidoria do Estado e está em curso uma queixa-crime.
Antes mesmo da denúncia que aconteceu neste ano, segundo Moacy, já havia dois protocolos na Ouvidoria do Estado, números 19100975 e 25326005, relacionados a casos de assédio no Surte. “Um de uma colega contra outro, que eles não resolveram. Pelo contrário, colocaram os 2 para trabalhar na mesma sala. E um outro, com denunciante não divulgado, que tratava de assédio moral”, especifica.
De acordo com o Código Penal, assédio moral é crime. “Além da indenização que a vítima pode requerer, a atitude de reparação de danos a sua honra, sua imagem, ao constrangimento que sofreu em decorrência desse assédio moral, do ponto de vista penal, no Art. 216 do Código Penal, em decorrência da relação hierárquica de trabalho, a pena é de até dois anos”, explica Victor Gurgel, advogado do Sinjorba.
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
“A reitoria responde os questionamentos por meio de sua assessoria e quem está à frente da assessoria?”, questiona Andréa.
No dia 3 de março, a reitoria divulgou o Ofício 040/2023, respondendo o Sinjorba. O Conquista Repórter solicitou nota da Reitoria e do Assessor Geral de Comunicação, o professor Rubens Sampaio. Às duas solicitações, a assessoria de comunicação da Uesb respondeu com o mesmo documento enviado ao sindicato.
Além de explicar o que é o Sistema, o documento explica que “a direção do Surte é, hoje, exercida pelo jornalista Rubens Jesus Sampaio, docente do curso de Jornalismo da Uesb, doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Uesc; já a direção da Ascom é exercida pela jornalista Cíntia Garcia, profissional de extensa experiência profissional, publicamente reconhecida em Vitória da Conquista e região.”
Em resposta à solicitação do Sinjorba, a reitoria da Uesb reitera que:
É fato, ocorreram, nos últimos anos, no âmbito do Surte e da Ascom/Uesb, mudanças de lotação de servidores jornalistas, casos de desligamento de servidores Reda e de profissionais contratados de empresa que presta serviços para a Uesb e, sim, ocorreram, e ainda continua a ocorrer, casos de afastamento temporário por motivos de saúde, mediante comprovações legais e laudos médicos.
No entanto, esclarecemos, desde logo, que os casos relatados no referido Ofício desse Sindicato, reunidos de forma a construir um cenário de permanente “perseguição, alienação profissional, intimidação” remetem, na verdade, a situações distintas, em contextos e momentos distintos que exigiram, da Direção do Surte e da Reitoria da Uesb, a adoção de medidas que visaram preservar a legalidade de seus atos e também a manutenção de um ambiente desafiador – tendo em vista a luta pela construção de uma comunicação pública pautada na ética e nos interesses coletivos – e, ao mesmo tempo, respeitoso para com os seus trabalhadores da comunicação.
Importante, ainda, salientar que as decisões adotadas pelo Surte/Ascom, na gestão de seu pessoal técnico-profissional – e ora questionadas por esse Sindicato – tiveram o conhecimento prévio e o respaldo da administração superior da Uesb. E, mais, estas decisões foram adotadas em sintonia não com o desejo ou o agrado dos diretores e gestores, mas com avaliações técnicas e avaliações profissionais construídas em conjunto com a equipe do Surte/Ascom.
Os esclarecimentos vêm logo a seguir:
Assim, esclarecemos:
1. os diferentes casos que envolveram não atendimento de demandas, caos de relotação e de desligamento de profissionais ocorreram, em momentos distintos, e foram avaliados a partir da constatação de elementos como:
a) incompatibilidade entre demandas apresentadas para afastamento para concorrer a cargos eletivos e as obrigações de servidores contratados temporariamente, para atender a “excepcional interesse público”;
b) exercício de atividades em outros vínculos, incompatíveis com a carga horária prevista no regime de contratação na Uesb;
c) incompatibilidade entre as atividades exercidas no Surte e atividades desempenhadas e remuneradas junto a órgãos e empresas privadas;
d) adoção sistemática de condutas pessoais resultantes em desconforto e constrangimento na equipe de trabalho;
2. a Uesb sempre respeitou as condições de saúde de seus trabalhadores e jamais impôs, a qualquer pessoa, o desempenho de funções a servidores afastados por razões médicas; quaisquer reclamações ou denúncias, desde que identificadas e fundamentadas, que indiquem desrespeito a tais condições serão devida e respeitosamente avaliadas;
3. rechaçamos categoricamente as insinuações de que na Uesb, ou no Surte/Ascom, exista qualquer orientação, por parte de seus diretores, de se admitir a prática de “violação” de correspondências como parte do trabalho de gestão e como forma de acesso a informações que fundamentariam decisões administrativas; na administração pública, decisões não se baseiam em “fofocas” e muito menos em violação de correspondências privadas;
Logo em seguida, o documento assinado pelo reitor Luiz Otávio de Magalhães cita a carta assinada por jornalistas e técnicos que compõem a equipe do Surte e da Ascom, argumentando que não existia assédio naquele ambiente de trabalho. Além disso, explica que a instituição é contra assédio moral, relativizando que “o repúdio ao assédio moral, no entanto, tem como referência o respeito à dignidade das pessoas e do trabalho, e não a leniência frente a toda forma de comportamentos individuais – mesmo aqueles que atentam contra as instituições e contra o bem-estar de outras pessoas e trabalhadores.”
Na manhã desta segunda-feira, 6, o Sinjorba publicou uma nota explicitando que a reitoria da Uesb atacou o sindicato e se recusou a abrir uma investigação para os casos de assédio moral, conforme foi solicitado através do Ofício 010/2020. “A resposta é um arrazoado textual repleto de elogios aos setores citados e seus gestores, e tenta imputar ao Sinjorba suposta atitude antiética e antiprofissional, como se fosse o sindicato uma empresa jornalística.”, diz a nota.
O Sindicato dos Jornalistas da Bahia ainda explica que:
Por fim, a resposta da Reitoria deixa claro que a UESB não vai abrir investigação para ouvir as denúncias e apurá-las. O Sinjorba cumpriu seu papel. Procurou a Universidade e relatou a situação. Como se trata de um órgão da instituição, caberia a esta instalar uma sindicância para confirmar ou descartar a alegada prática de assédio moral. Como, pelo texto, a opção foi não tomar qualquer medida, a Reitoria repassou, por omissão, um papel que lhe cabia por dever de transparência. Nesta segunda-feira (06), uma representação será protocolada no Ministério Público do Trabalho (MPT).
“A gente já vai ter apurações independente da Uesb”, diz Andréa Póvoas
Andréa Póvoas conta que a solicitação feita à Uesb foi para que acontecesse uma apuração “imparcial dos fatos”. “Quem a gente tem que combater? O sindicato ou o assédio moral?”, questiona a jornalista. Já Luiz Pedro lembra que “não é um caso isolado. Somos quatro jornalistas atingidos pelas mesmas práticas” e reitera que “o que ocorreu na Uesb é apenas a pontinha do iceberg”.
De acordo com Aline, a denúncia foi feita por eles e todos aqueles que ainda têm medo. “São coisas que não podemos aceitar dentro de uma universidade que prega o respeito, a formação de profissionais como os que nós nos tornamos”.
Entidades cobram investigação
Diversas entidades da sociedade civil organizada solicitaram, por meio de notas, que a administração da Uesb investigue as denúncias. Dentre elas, o Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista (SIMMP), o Movimento Correnteza, o Centro Acadêmico do Curso de Jornalismo da Uesb, a Clínica de Direitos Humanos da Uesb (CDH/UESB) e o Centro Acadêmico Ruy Medeiros (CARM/UESB), o Grupo de Trabalho de Políticas de Classe para questões Étnico-raciais de Gênero e Diversidade Sexual da Associação dos Docentes da Uesb. Egressos do curso de Jornalismo da Uesb também divulgaram uma carta em apoio aos jornalistas.
Parlamentares municipais, como a vereadora Viviane Sampaio (PT), também comentaram as denúncias. “Tomei conhecimento da situação e espero que a denúncia seja devidamente apurada pela Universidade. Irei acompanhar o caso como presidente da Comissão da Mulher da Câmara e também por meio do Conselho Municipal da Mulher”, afirma.
O Conquista Repórter também procurou a gestão do Colegiado de Jornalismo da Uesb, já que são quatro ex-alunos do curso e também um professor do seu quadro de docentes envolvidos no caso. A gestão atual assumiu oficialmente, nesta segunda-feira, 6, com as professoras Carmen Carvalho e Flávia Mota, respectivamente nos cargos de coordenação e vice.
Segundo Carmen, ainda não foi possível convocar uma reunião de Colegiado. “Enquanto professora do curso de Jornalismo, a minha posição é que o caso seja investigado pela Uesb de forma rigorosa e transparente. Não é possível que a denúncia de fatos tão graves seja ignorada pela instituição. Também ressalto a importância do respeito às vítimas de casos como esses, tão difíceis de serem denunciados.”
O assédio deixa marcas
“Foi um susto muito grande, uma pessoa que nunca teve nenhuma advertência, nunca recebeu nenhuma reclamação. Sempre exerci as minhas funções dentro do meu horário de trabalho e sempre fui elogiada e reconhecida”, reitera Aline sobre toda a situação. Nenhum dos jornalistas tinham advertências formais registradas na instituição.
“Eu estou desde a última sexta-feira [24 de fevereiro] sem dormir, fazendo uso de medicamentos e ansiolíticos, a minha vida perdeu totalmente o rumo e o equilíbrio”, desabafa Ferraz. Luiz Pedro diz ainda que não denunciou quando as situações ocorreram porque estava sozinho “e psicologicamente muito abalado”. A quarta denunciante, que também foi aluna da Uesb, não concedeu entrevista ao Conquista Repórter pelas questões psicológicas que a afastaram das atividades laborais.
“Um ambiente de trabalho tóxico pode afetar muito a saúde psicológica do trabalhador. Existem estudos recentes, a partir de 2017, que mostram que o paciente pode apresentar transtorno pós-traumático, ansiedade, depressão, estresse; o que prejudica a vida do trabalhador não só no contexto de trabalho, mas também na sua vida pessoal”, segundo a psicóloga Rosângela Rezende.
Andréa Póvoas, após os eventos citados no início desta reportagem, passou a sofrer com o Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT). “A minha vida se tornou ir atrás de sindicato, de ouvidoria, reuniões, sessões com psiquiatra e agora vou começar terapia. Toda vez que se toca no assunto eu tenho vontade de chorar, é horrível porque a gente quer se mostrar uma mulher forte, trabalhadora. A minha psiquiatra disse que isso vai permear a minha vida por muito tempo.”
A psicóloga Rosângela explica ainda que o TEPT é “um distúrbio que tem como característica a dificuldade de superar um evento traumático. Esse evento é particular de cada um e as consequências desse distúrbio são bastante importantes no dia a dia, visto que impacta no sono, na alimentação, na ansiedade, sonhos repetitivos, depressão, podendo levar, inclusive, ao suicídio”.
Para evitar o adoecimento de profissionais no ambiente de trabalho, é preciso, segundo a psicóloga, que a instituição invista em treinamento entre as lideranças para que “sejam líderes empáticos e saibam pontuar na hora e da maneira certa e promova uma integração entre a equipe para que essas pessoas se sintam bastante seguras no ambiente de trabalho”. | reportagem produzida pelo site Conquista Repórter¹ e *atualizada às 22h44 da segunda-feira, 6 de março de 2023.