CONQUISTA | Injúria racial contra advogada ganha repercussão nacional; suspeita continua blindada

“Eu fiquei em estado de choque com o ocorrido”. É assim que a advogada e conselheira seccional da OAB – Subseção de Vitória da Conquista, Yldene Martins (imagem abaixo), descreve sua reação a uma série de ofensas racistas das quais foi vítima por volta do meio dia da última sexta-feira, 17.

Ela foi chamada de “macaca negra”, “urubu preto”, “negra vagabunda”, dentre outras injúrias raciais, por uma vizinha no Condomínio Residencial Vog Capriccio, onde mora, no bairro Boa Vista. A reportagem é do site Conquista Repórter.

“Todas as injúrias raciais e discursos de ódio voltados a mim começaram quando eu solicitei a retirada de um veículo que não é o meu da minha vaga de garagem. E a vizinha, de imediato, se negou a retirar o seu veículo e, a partir daí, começaram todas as ofensas lamentáveis e até mesmo tentativa de agressão [física], que só não ocorreu por conta do porteiro, que interferiu no momento”, contou Yldene.

A situação, testemunhada por outros moradores e funcionários e registrada por câmeras de segurança, fez com que a advogada entrasse em contato com a Polícia Militar (PM). Quando a PM chegou ao local, os agentes foram até o apartamento da agressora, mas ela não foi localizada. Logo depois, Yldene se encaminhou ao Distrito Integrado de Segurança Pública (Disep) e registrou boletim de ocorrência. “Pra mim, foi muito aterrorizante, uma vez que nunca passei por situações como essa. Foi a primeira vez. E isso me causou um choque fora do comum”, disse.

O caso veio à tona no sábado, 18, a partir de uma nota de solidariedade a Yldene divulgada pela OAB Conquista. A entidade repudiou o ocorrido e reiterou seu compromisso em combater o racismo em todas as suas manifestações, lutando pela promoção da igualdade racial e pela dignidade da pessoa humana.

“É inadmissível que no Brasil, maior nação negra fora do continente africano, tenhamos que conviver com práticas cotidianas de opressão que negam direitos e tentam rebaixar o ser humano pela cor da sua pele, origem, raça ou etnia. (…) Construir uma sociedade igualitária, cidadã e sem descriminação, é dever de todas e todos”, afirmou a Subseção, que está acompanhando a denúncia e prestando apoio a advogada por meio da sua Comissão de Promoção da Igualdade Racial.

De acordo com Yldene, até o momento, a administradora do Residencial Vog Capriccio não lhe prestou nenhum tipo de solidariedade, assim como o síndico responsável pelo condomínio. “Me senti ignorada (…) e eu também senti uma dificuldade por parte do condomínio em ter uma visão de que ocorreu naquele momento um crime, e não simplesmente uma discussão ou desavença entre vizinhos”, complementou.

Somente no final da manhã desta segunda-feira, 20, após a repercussão do caso na imprensa, a administradora do Vog Capriccio emitiu uma nota acerca do assunto, em formato de “comunicado interno”. “A Administração do Condomínio Residencial Vog Capriccio vem através deste, informar que repudia qualquer ato discriminatório de racismo ou de qualquer outra natureza, repudia também qualquer atitude de violência, seja ela física ou verbal, que possa ocorrer em qualquer circunstância”, diz o texto.

“Acreditamos na Justiça, através da ação direta da PM de Vitória da Conquista e do Poder Judiciário. Estamos certos de que, através dos órgãos competentes, essa ocorrência será devidamente apurada, investigada, testemunhas ouvidas e os culpados devidamente punidos”, conclui a nota.

Esta é a segunda vez, em menos de três meses, que um caso de racismo em um condomínio da cidade vem a público. Em abril deste ano, uma estudante do Curso de Cinema e Audiovisual da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) foi impedida de entrar no Residenvial Vog Fiori e também denunciou que foi vítima de preconceito racial.

Injúria racial e racismo

Ainda nesta segunda, 20, Yldene esteve na 1ª Delegacia Territorial de Vitória da Conquista, juntamente com representantes da OAB, para efetivar a queixa-crime contra a agressora. Vale lembrar que o crime de injúria racial ocorre quando a honra de uma pessoa é ofendida por conta de raça, cor, etnia, religião ou origem. Quando a ofensa é direcionada não a uma pessoa específica, mas à raça como um todo, ela se enquadra como crime de racismo.

Mesmo com essas diferentes bases legais, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no ano passado, por 8 votos a 1, que o crime de injúria racial pode ser equiparado ao de racismo e ser passível de punição a qualquer tempo. Em uma situação emergencial, na qual o crime esteja ocorrendo naquele momento, a Polícia Militar pode ser chamada pelo Disque 190.

Se o crime já aconteceu, deve-se procurar a autoridade policial mais próxima e registrar a ocorrência. Além disso, o governo federal tem o Disque Direitos Humanos – Disque 100, por meio do qual também é possível apresentar denúncias de racismo e discriminação.

“A denúncia é de extrema importância, uma vez que dará força para que outras pessoas sejam encorajadas a não se silenciar diante do racismo. O silêncio diante do racismo sofrido contribui para a sua manutenção perante a sociedade”, finalizou Yldene.


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