Os filhos do falecido procurador-geral de Justiça Wanderlino Nogueira Neto ingressaram com uma ação judicial, nessa terça-feira (17/8), para impedir que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, participem da inauguração da Comunidade de Atendimento Socioeducativo (Case) que levará o nome dele.
A cerimônia está prevista para o próximo dia 27 de agosto, em Vitória da Conquista, na Bahia.
Wanderlino Nogueira Neto morreu em fevereiro de 2018, aos 72 anos, em Salvador (BA) – mesma cidade onde nasceu. Ele foi procurador do Ministério Público da Bahia (MPBA) e ficou conhecido por defender direitos das crianças e adolescentes.
Os três filhos do ex-procurador-geral, Maria Laura, Mariana e Pedro José Brasil Nogueira, alegam, na petição, que tanto o chefe do Executivo federal quanto a ministra de Estado têm atitudes contrárias aos ideais do homenageado.
“[…] O primeiro ponto para tal dissonância é o fato de que o presidente e a ministra, condenavelmente, são negacionistas quanto à pandemia, pelo que se viu durante todo o período pandêmico, inclusive receitando medicamentos sem nenhuma eficácia comprovada para tal doença e negando a própria eficácia das vacinas, confrontando todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) como uso obrigatório de máscaras e de não aglomeração”, alegou a família, na ação.
“Além disso, ambos possuem posicionamentos contra os direitos das crianças e adolescentes, especialmente no tocante ao tema da redução da idade penal, sobre o qual o presidente da República, em diversas oportunidades, afirmou que ‘a redução da maioridade penal vai proteger a sociedade’, além de promoverem o esvaziamento institucional do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda)’”, prosseguem os filhos.
A nova unidade da Case será administrada pela Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac), da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS) da Bahia. O empreendimento contou com recursos dos governo federal e estadual.
Na ação, os autores pedem que, se não for possível evitar a presença dos representantes da União, o governo baiano não compareça à referida data e faça uma nova inauguração, posteriormente, sem a presença de Bolsonaro e Damares, para que os filhos participem.
“O Wanderlino Nogueira foi um dos criadores do Estatuto da Criança e do Adolescente e sempre lutou contra as situações de vulnerabilidade social para esse segmento infanto-juvenil. A família tem o direito de honrar pela preservação da memória dele. A presença do presidente e da ministra caracterizaria uma tentativa de ressignificação de sua trajetória pública em defesa dos direitos humanos. Ambos têm valores opostos aos defendidos pelo homenageado”, avaliou o advogado Carlos Nicodemos, do escritório Nicodemos & Nederstigt Advogados Associados, que assessora os familiares do ex-procurador-geral.
Perfil
Wanderlino Nogueira Neto foi procurador-geral de Justiça no estado da Bahia, diretor-geral do Tribunal de Justiça da Bahia, professor de Direito Internacional Público, coordenador do Núcleo Direito Insurgente da Fundação Faculdade Livre de Direito da Bahia.
Ele também foi um dos fundadores e primeiro presidente do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (Cedeca Bahia), articulador da Rede Nacional de Centros de Defesa e de núcleos de estudos do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (FNDCA), secretário nacional do Fórum Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, consultor para o Unicef, supervisor de projetos da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores e Defensores Públicos para a Infância e Juventude (ABMP).
Wanderlino Nogueira também atou como secretário-executivo da Anced-DCI, coordenador do grupo de monitoramento da situação da infância e adolescência no Brasil para o Comitê de Genebra (ANCED-DCI/Coligação da Sociedade Civil).
Ainda, atuou como membro do Comitê de Direitos da Criança da ONU, recebeu o Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos, categoria Cidadania, concedido pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes e o Prêmio Direitos Humanos 2011, categoria Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, concedido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), entregue pela própria presidente Dilma Rousseff (PT).
Outro lado
Procurado, o Ministério da Mulher afirmou causar estranhamento a iniciativa da referida ação judicial e as alegações que a motivam. “Primeiramente pelo fato de um equipamento público homenagear, com seu nome, um ilustre procurador-geral de Justiça não faz com que esse equipamento deixe de ser público. Portanto, é lamentável que cidadãos queiram, em um país democrático, demandar que a Justiça lhes conceda o direito de dispor de um aparelho público como se fosse privado”, explicou.
“A Case de Vitória da Conquista, viabilizado com recursos da União para o atendimento de jovens em conflito com a lei, corrobora o compromisso desta administração com o atendimento da Constituição Federal no atendimento às políticas da adolescência”, prosseguiu.
A pasta alegou também que a obra, pactuada entre o estado da Bahia e o governo federal ainda em 2015, estava comprometida “em razão do atraso de repasses das administrações anteriores”.
“O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em uma articulação que destinou recursos ressarcidos ao Tesouro Nacional por meio da Operação Lava Jato para investimento nas ações socioeducativas, priorizou quitar todos os repasses da União para que a obra fosse, enfim, concluída e pudesse atender à sua finalidade de um atendimento adequado à comunidade, a redução da violência e da infração juvenil e o oferecimento de condições salubres e adequadas aos servidores do sistema”, assinalou a pasta, no comunicado.
Portanto, prosseguiu o órgão, “os valores que orientam as ações deste Ministério e do governo federal são, essencialmente, baseados no que determina a Constituição Federal e a lei que consolida diretrizes para o atendimento das políticas públicas”.
“Valores estes que nos conduziram a dar prioridade em resolver os problemas de segurança e sociais causados pela infração juvenil em um município notoriamente violento, além de tratar essa política com o devido discernimento: uma política de Estado e não de governo que, em tempo algum, fez qualquer ingerência, por exemplo, no nome que o governo da Bahia, gestor do programa de atendimento, sugeriu pra batiza-la”, disse, ao salientar, por fim, que a ministra Damares Alves “jamais adotou orientações negacionistas durante a pandemia, ou mesmo em oposição à eficácia da vacina contra Covid-19, e que as afirmações da ação neste sentido não passam de invencionice”.