CIDADANIA – Jornalistas da Revista Gambiarra narram o drama dos desabrigados em Conquista

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A Revista Gambiarra visitou a ocupação Cidade Bonita a fim de ouvir as histórias de famílias que buscam o seu direito à moradia

Medo e instabilidade. Estas são as palavras mais utilizadas pelos moradores da ocupação Cidade Bonita desde a tentativa de despejo da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista (PMVC) no último dia 25 de março.
A área, que fica no bairro Nova Cidade, é ocupada há quatro anos e em janeiro recebeu mais uma leva de moradores, chegando a abrigar 530 pessoas. Segundo a PMVC, os terrenos fazem parte de uma unidade de conservação ambiental, criada pela lei nº 1410/2007.
Munidos de tratores e guardas patrimoniais e sem autorização judicial, a Prefeitura destruiu boa parte dos barracos montados. Mesmo com a ofensiva do poder público, a resistência do movimento garantiu a permanência no local.
“O primeiro ato desta gestão que pudemos presenciar foi essa desocupação, vinte dias após a posse do prefeito, sem ordem judicial, sem comunicado, sem diálogo com a população”, indigna-se Iranilde Marinho (Nilde), eleita representante do movimento de ocupação.
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Nilde / Foto: Rafael Flores
Pouco antes da ação truculenta, a PMVC reuniu-se com os moradores da Cidade Bonita e da Maravilhosinha (outra comunidade que sofreu desocupação em março deste ano). Na ocasião, a vice-prefeita e secretária de Desenvolvimento Social Irma Lemos se prontificou a encaminhar os ocupantes aos programas de assistência social do município.
No entanto, Nilde afirma que este foi o único momento de diálogo estabelecido entre eles e o poder público. “A assistência social do município não tem funcionado no nosso caso. A proposta que a vice-prefeita deu foi de desapropriar centenas de casas irregulares do “Minha Casa Minha Vida e disponibilizar pras ocupações. Não vamos aceitar que tirem a moradia de outras pessoas”, conta.
“A Assistência Social não tem funcionado para nós, a prova é que nós ainda estamos aqui. Ela tem funcionado muito bem apenas pra desocupar e tirar as pessoas de suas moradias à força”, completa.
Em nota a Prefeitura afirma que  “continuará a monitorar os processos de ocupação, fazendo as devidas notificações e recorrendo aos procedimentos que julgar necessários, valendo-se do amparo legal que lhe confere a Lei de Ordenamento e Uso do Solo, que confere ao poder público municipal a prerrogativa de impedir qualquer tipo de ocupação e construção em áreas de preservação ambiental e poder de polícia diante de construções consideradas clandestinas”.
Segundo o professor doutor Cláudio Carvalho, do Núcleo de Assistência Jurídica Popular (Naja), o número de ocupações (contando com assentamentos) em Vitória da Conquista ficam em torno de 14. Dessas, não se sabe ao certo quantas estão em área de proteção ambiental – a PMVC afirma estar realizando levantamento.
Ainda segundo o professor, há dúvidas se a área em que se encontra a ocupação Cidade Bonita esteja mesmo sob proteção ambiental. Junto aos ocupantes, o Naja defende que a área é institucional e que pode vir a ser destinada para programas de habitação popular.

Quem são eles?

Conversando com sua vizinha sobre a iminência de uma ordem de despejo da casa onde morava no bairro Veloso, Rosilândia Oliveira ouviu falar pela primeira vez da ocupação Cidade Bonita em janeiro.
Víuva, desempregada e sem conseguir dinheiro para o aluguel e para as despesas de alimentação dos seus três filhos, ela se viu obrigada a arregaçar as mangas e erguer o próprio barraco.
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Rosilândia / Foto: Rafael Flores
Rosilândia afirma ter votado no atual prefeito e diz incessantemente que está ali por necessidade, não por vontade própria, -além de já mostrar revolta com as primeiras ações da gestão Herzem Gusmão (PMDB).
“Eu gostaria de saber por que tanto ódio, logo sobre a gente que elegeu o prefeito Herzem e colocou ele onde ele está sentado hoje. Trate a gente como a gente te trata, com respeito!” – brada.
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Moradores se protegem da chuva em um dos barracos da ocupação Cidade Bonita/ Foto: Ana Paula Marques
Nestas últimas semanas chuvosas, a luta tem sido mais árdua. Com idosos e crianças no local, a noite é de correria, sempre procurando um barraco que proteja um pouco melhor e pendurando em pregos nas paredes o que restou dos colchões.
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Eliane / Foto: Rafael Flores
“Estamos correndo pra lá e pra cá pra se esconder da chuva, pelo favor que fizeram passando as máquinas em cima de nossas casas e materiais”, narra Rosilândia.
Sem lugar para dormir e desempregada, Eliane da Silva procurou a ocupação no dia 02 de janeiro deste ano também por não ter condições de arcar com o valor do alguel. Lia, como é chamada, tem três filhos (uma das filhas está grávida) e três netos (um deles recém-nascido).
“Isso aqui é nosso por direito, o prefeito tem que dar condições pra gente viver. As creches não tem vaga, estão preenchidas pelos filhos dos condomínios. A única opção é fazer um barraco e entrar debaixo”, desabafa.
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Rodrigo / Foto: Rafael Flores
Rodrigo Alves dos Santos também chegou em janeiro, logo depois de Rosilândia e Lia. Eu “era um cara desabrigado, sem trabalho e necessitando de um canto pra ficar, vimos que aqui só acumulava lixo, insetos, essas coisas. Nós temos que lutar pelo que é nosso, essa terra aqui tava sem usar”, defende.
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Zé / Foto: Rafael Flores
Zé Francisco antes morava de favor e agora mostra no falar uma genuína felicidade de ter o seu próprio lar, mostrando com orgulho cada canto de seu barraco, construído às próprias mãos.
“Agora eu tenho meu barraquinho, né? Mas foi muito difícil, é difícil, pra conseguir uma casa, até pra conseguir dormir, não é fácil. Não é por que eu quero, é por que eu preciso do meu lugar pra dormir”, relata.
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Charliton / Foto: Ana Paula Marques
Charliton Oliveira Matos é mais um que morava na casa de outros: vivia em um puxadinho com a esposa e o filho. Ele consegue tomar banho na casa da sogra, mas volta sempre muito rápido para manter a segurança da ocupação.
“Eu tava dormindo com minha esposa e meu filho e eles (prefeitura) chegaram. Eles agrediram uma senhora, foi absurdo. Nós fica com medo, por que nós não sabe a reação deles, a gente tem que ficar de madrugada atento pra caso eles cheguem” – alerta.
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Léo / Foto: Rafael Flores
Leandro Souza Damasceno, o Léo,  chegou na primeira leva da ocupação, em 2013. Com cerca de cem pessoas na mesma situação, o grupo chegou na área  que segundo eles servia de despejo de lixo das empreiteiras – fruto das construções dos condomínios no bairro Nova Cidade.
“Neste governo, eles vieram nos abusar, agindo covardemente, vindo na madrugada, derrubando as construções da gente. Gente que tá tirando da boca dos filhos pra construir uma moradia. Aí eles vieram aí e a gente vai resistir, não vamos sair, vamos ficar até o final”, afirma.
(Por Rafael Flores) Publicado originalmente em REVISTA GAMBIARRA

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