CIDADANIA | Comissão debate papel dos povos indígenas na formação da cultura brasileira

A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu, nesta última terça (14), uma audiência pública, para debater o papel dos povos indígenas na formação da cultura brasileira. O evento que reuniu parlamentares, artistas, escritores, professores lideranças dos povos originários foi proposto pelo deputado Waldenor Pereira (PT-BA), presidente da CLP.
“Nossas verdadeiras raízes foram criadas por uma cultura que já ocupava o solo brasileiro muito antes da chegada dos estrangeiros. A cultura, os costumes, as expressões artísticas, os conhecimentos sobre a natureza, a música, os cantos, as danças e as festas populares indígenas são a origem da nossa identidade cultural”, contextualizou o deputado Waldenor Pereira abrindo a audiência.

De acordo com o Censo 2010, o Brasil tem 896,9 mil indígenas. São 305 povos diferentes e 274 línguas. A maior etnia é a Tikúna, com 6,8% da população indígena. Dos 786,7 mil indígenas de 5 anos ou mais, cerca de 33% falam uma língua indígena e 76,9% falam português.

Os participantes falaram das raízes culturais indígenas influenciando a língua portuguesa no Brasil, como as palavras ligadas à flora e à fauna, a exemplo de abacaxi, tatu, mandioca, caju. Também na cozinha, ingredientes específicos de diversos povos indígenas, estão na mesa dos brasileiros, como a mandioca ou macaxeira, coco, milhos e raízes. Assim como as redes, canoas, jangadas, armadilhas de caça e pesca e instrumentos musicais, utensílios de barro e palha, são exemplos de como a cultura indígena está presente em nosso cotidiano.

De acordo com o convidado Daniel Monteiro Costa, professor do povo indígena Munduruku do Pará, “se o Brasil quiser efetivamente avançar rumo àquilo que o ocidente chama de futuro, precisa muito se reconciliar com o passado. Não para voltar para trás, para ser atrasado. Pelo contrário, é como a natureza. Se dobrar em si mesmo, sobre o que te deu origem. Não tem imã chamado futuro, mas o que vivemos é o que nos lança para a frente”.

Além de professor, Daniel Costa é escritor premiado, autor de 54 livros e concorrente recente à Academia Brasileira de Livrose, além de graduado em histporia, filosofia e psicologia, Mestre e Doutor em educação e lingúistica. Ele acrescentou que “os indígenas têm feito um esforço grandioso para entender a sociedade brasileira, mas a sociedade brasileira faz pouco esforço para entender esses povos. Através da arte queremos ecoar essa voz ancestral que está em todos, é um patrimônio de todos os brasileiros”.

Um certo olhar

Olinda Tupinambá, do povo Tupinambá e Pataxó hãhãhãe, jornalista e cineasta, que fez a curadoria da série “Falas da Terra”, exibida pela TV Globo, afirmou que “o Brasil precisa reconhecer a cultura indígena e ver que ela deveria fazer parte da identidade nacional”. Ela destacou a aimportância da série televisiva em rede aberta, pela primeira com produtores indígenas. “Isso foi Importante para nossos povos e para sociedade toda. Cinema é falar de território, meio ambiente. Temos que usar essa ferramenta como se fosse um outro olhar, contar uma outra história, silenciada durante muitos anos”, disse Olinda.

Adriano Boro Makuda, especialista em direito ambiental, da etnia Bóe Boróro, do Mato Grosso, ressaltou que o modo de ser, fazer e viver dos indígenas não é respeitado, como também é despercebido pelo Estado. “Nosso modo de olhar uma árvore, o cair de uma folha é diferente para um indígena de uma pessoa que não é. Isso precisa ser respeitado, mas não acontece”.

Para o deputado Paulão (PT-AL) “tem uma guerra sutil, criada no estrangeiro, que é guerra cultural. No cinema americano, por exemplo, o herói era branco e os bandidos os povos indígenas. Isso foi ‘fazendo a cabeça’ das pessoas desde cedo, assimilando padrões”.

A escritora e procuradora de Justiça Márcia Cambepa exaltou a literatura indígena, que “transforma em letras o que pensamos, incentiva uma reflexão crítica sobre como vivem os povos originários. É importante que a literatura indígena exista, que possamos fazer da nossa arte a nossa forma de informar e repassar os conhecimentos dos nossos antepassados e de natureza. O rio que passa na nossa aldeia também corre dentro de nós, um rio de identidade, pertencimento e história”.

Outro tempo

Weibe Tapeba, do povo Tapeba e coordenador da Federação dos Povos e Organizações indígenas do Ceará lembrou que, em governos anteriores havia o que era chamado de linguagens culturais dos povos indígenas:

“Quando ainda existia o Conselho Nacional de Política Indigenista, tínhamos uma comissão de políticas culturais indígenas, comitês e outros espaços. Agora, há um distanciamento imenso de quem produz cultura no Brasil. Houve um desmantelamento dessas políticas públicas para a cultura. Não temos nem ministério, mas uma secretaria conservadora que não coloca recursos na produção cultural indígena, e muito menos controle social”.

Lembrou que “a CLP acolhe os indígenas do genocídio patrocinado pelo presidente da República contra os povos tradicionais, estimulando valores de recriminação desde o tempo dos colonizadores, mas a resistência existe com a ajuda da pressão social”.

Também participaram Célia Tupinambá, professora e artista do povo indígena Tupinambá da Bahia; Isabel Semani, do povo Tucano do Amazonas; Dário Kopenawa Yanimami, da Associação do povo Indígena Yanomami e outras lideranças indígenas; o líder do PT na Câmara, Elvino Bohn Gass (RS) e os deputados Joênia Wapichana (Rede-RR), Zé Ricardo (PT-AM), Marcon (PT-RS), Erika Kokay (PT-DF) e Nilto Tatto (PT-SP).


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