CARTA ABERTA | Advogados e professores conquistenses elaboram documento contra ataques de propaganda partidária contra a população carcerária

Os professores universitários Fábio Ramos Barbosa, Cláudio Carvalho e os advogados Florisvaldo Jesus Silva e Luciana Santos Silva, que também assina o documento como professora, emitiram uma carta aberta à população, cobrando providências das autoridades eleitorais brasileiras contra o discurso de ódio, racista e eugenista em desfavor da população carcerária. As peças veiculadas nas inserções dedicadas a disputa à Presidência da República tratam com ironia e descaso a preferência de determinado grupo de eleitores, a despeito dos seus direitos constitucionais de votarem e serem votados, embora em cárcere. A íntegra do documento está a seguir.

“Nos últimos dias fomos surpreendidos pela propaganda em horário político, acerca da população carcerária. Importante tratar, de início que tal propaganda partidária foi veiculada utilizando do acesso gratuito ao rádio e à televisão, ou seja, de espaço publicitário custeado por recursos públicos.

No bárbaro odioso publicitário se percebe um discurso desumanizante com um alto grau de discurso supremacista, eugenista e racista. Para a propaganda a população carcerária é composta por pessoas sem lugar no mundo, e por que não dizer, sujeitos sem quaisquer direitos e, até mesmo, matáveis. O discurso que estimula o ódio, hostilidade aos que ali estão, é evidente.

Vale dizer que esse tipo de divulgação nada tem a ver com uma disputa democrática. Democracia, dentre outros aspectos, é lastreada pela livre escolha informada, ou seja, o eleitor deve ter acesso a informações fidedignas para a formação da sua convicção. Fazer propaganda partidária com afirmações que contrariam as proteções constitucionais, convencionais e legais que a população carcerária tem direito, ainda mais num espaço financiado pelo conjunto da sociedade, apenas tem o condão de erodir a própria democracia.

Bom dizer que a Constituição Federal assegura aos presos o respeito à sua integridade física e moral, sendo certo que cabe ao Estado a proteção, o respeito e a promoção desse direito fundamental. Não bastasse, a Declaração Universal dos Direitos Humanos prescreve que ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Tal proteção é confirmada no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, na Convenção Americana de Direitos Humanos e, como não poderia ser diferente, no texto da Constituição Federal.

Tais disposições estão previstas também nas REGRAS DE MANDELA, que trata de REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O TRATAMENTO DE PRESOS: “Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. ”

O Decreto n. 592 de 1992, que promulgou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, estabelece que toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana. A mesma proteção está prevista na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 678, nos seguintes termos: “Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.

No ambiente doméstico, a Lei de Execuções Penais aponta que a execução penal, dentre outras coisas tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, apontando para o fato de que, ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, vedando qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.

Ocorre que, mesmo com toda essa proteção jurídica doméstica, regional e global, o próprio Supremo Tribunal Federal, tendo em vista violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, concluiu o julgamento de medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 347/2015) em que definiu a configuração do chamado “estado de coisas inconstitucional” do sistema prisional brasileiro.

Frente aquele cenário de precariedade, em maio de 2017 o Brasil foi ouvido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já havia declarado a existência de problemas estruturais no sistema penitenciário brasileiro, definindo questões a serem respondidas pelo Brasil, enfatizando, inclusive, os casos de tortura nesses espaços.

Não bastasse a absurda situação em que são encarcerados, vem agora uma propaganda partidária lhes trazendo mais crueldade e estimulando uma hostilidade ainda pior da que já enfrentam.

Os presos possuem direito a proteção estatal, e, o Estado brasileiro falha, e muito, em permitir propaganda eleitoral desta natureza! Ainda bem que a Defensoria Pública da União já buscou providências junto ao TSE, mas, não podemos nos limitar a essa representação, precisamos levar para as ruas toda nossa indignação”.


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