Babá baiana relata racismo e humilhação após abordagem em loja da PBKids em SP

Noelia Vicente dos Santos, 48, babá que relata racismo em loja de shopping em São Paulo

Assim que adentrou a loja de brinquedos em um
conhecido shopping na zona oeste de São Paulo, a
babá Noelia Vicente dos Santos, 48, baiana de Maracás (sudoeste da Bahia) teve mais uma
vez na vida a sensação incômoda de estar sendo
observada com desconfiança, como se fosse fazer
algo errado ali. Isso devido à sua pele negra. Não
estava enganada.

Já fora do shopping Eldorado, depois de procurar
sem sucesso um presente para a filha bebê de uma amiga, Noelia foi abordada
por um segurança da PBKids. Na porta do elevador, ele pediu que ela
informasse onde havia colocado um boneco que tinha retirado de uma
prateleira.

“Gostei de um boneco de joaninha, que fazia um barulhinho. Peguei e andei
com ele pela loja, mas desisti de comprar porque achei caro, R$ 40. Devolvi
em uma estante qualquer e fui embora”, diz a babá, que há 18 anos deixou a
baiana Maracás para trabalhar “em casa de família” na capital paulista.

Noelia afirma que ficou menos de meia hora dentro da loja e que, ao notar
que um segurança a “vigiava” com os olhos, resolveu criar uma empatia com
ele para evitar mais constrangimentos.

“Perguntei se ele sabia onde eu encontraria uma boneca qualquer. Ele foi
atencioso e chamou uma vendedora. Senti que tinha algo estranho naquele
olhar, coisa que as pessoas negras sempre passam. Para evitar mais um
constrangimento na minha vida, tirei o cartão de crédito e fiquei com ele mão.”

Após sair da loja, por volta das 16h30, foi abordada pelo mesmo segurança
que a observara nas dependências da PBKids. “Ele perguntou, sem
agressividade, onde eu havia colocado o brinquedo. Fiquei surpresa, mas
disse que tinha devolvido à prateleira. Ele retrucou que não tinham
encontrado e me pediu para voltar à loja e indicar onde estava.”

Babá narra momentos de pânico e humilhação após ter sido abordada por segurança

Em nota, a PBKids negou qualquer postura preconceituosa da empresa e de
seus colaboradores, diz que apura o caso e “lamentou profundamente” o
ocorrido com Noelia.

Muito nervosa, chorando e observada por clientes e funcionários da loja, a
babá diz que não conseguia se concentrar para lembrar onde havia colocado o
boneco.

“Liguei para o meu marido em pânico, pedindo ajuda. Estava me sentindo
humilhada, arrasada. Foi aí que o segurança piorou tudo falando ‘e aí, cadê?’.
Joguei tudo que havia na minha bolsa no chão e gritei que não era ladra, que
aquilo era preconceito.”
Depois de alguns minutos, ainda pressionada pelo segurança, segundo o
relato da babá, ela pediu um tempo para respirar e se acalmar.
Foi então que lembrou­se exatamente de onde tinha deixado a joaninha, em
uma prateleira perto da saída.

“Estava lá, à vista de qualquer um. O segurança pediu desculpas e escondeu o
crachá. Logo veio a gerente e também me pediu desculpas, mas disse que não
tinha nada mais o que fazer. Não senti nela um acolhimento, parecia algo
corriqueiro. Foi a maior humilhação da minha vida. Por causa de R$ 40.”

JUSTIÇA 

“Nonô”, apelido da babá que já trabalhou para personalidades como Rita Lee
e Fernanda Young, prepara agora uma ação por danos morais. Ela será
representada pela advogada Heloisa Bloisi.

“Já fiz o que a Nonô fez em lojas centenas de vezes e nunca fui abordada. É
normal, mas é normal porque sou branca? O reparo não resolve a questão, mas pode representar algum alívio de que houve justiça”, diz a defensora.
O boletim de ocorrência a respeito do caso, ocorrido no último dia 4, será
refeito nesta sexta­feira (12), por isso não é possível dizer ainda se haverá
encaminhamento de investigação pela polícia por injúria racial, cuja pena máxima é de três anos e multa.

“Fui à delegacia de Pinheiros [14º DP] no mesmo dia. Depois de duas horas
de espera, fui orientada a fazer a denúncia pela internet. Fiz, mas foi
devolvido alegando inconsistência de dados. Vou novamente com a
advogada.”

Moradora do Grajaú, na zona sul, a babá afirma que resolveu se expor e entrar
na Justiça para tentar “mudar o mundo”. Mas admite que ficou vários dias
perdida, confusa, sem entender porque tinha passado pela situação.
“Não posso ser barrada nos lugares por causa da minha cor, e os negros não
podem ficar acuados por irem onde bem entenderem. Se a gente não se
expuser, não fizer algo, nada muda. Tem preconceito sim. Tem preconceito o
tempo todo, em todo lugar.”

OUTRO LADO 

A PBKids, uma das maiores empresas varejistas do ramo de brinquedos do país, informou por meio de nota que está apurando o fato relatado pela babá
Noelia Vicente dos Santos e que considera o caso “inusitado”, descartando
qualquer possibilidade de ter havido preconceito racial.
A rede informou que adota políticas afirmativas e, inclusive, comercializa
produtos que evocam a diversidade, lamentando “profundamente que a
senhora Noelia tenha se sentido constrangida” em uma das lojas.

Na nota, a PBKids declarou que não tolera qualquer tipo de discriminação em
suas lojas, “não só racial, mas de gênero, idade, credo e ideias”.

“Estimulamos a diversidade no quadro de colaboradores onde mais de 45%
são negros ou pardos. Inclusive, o funcionário mencionado no caso é um
senhor pardo com 64 anos e há 17 anos trabalhando na PBKids.”

Ainda segundo a nota, “o respeito às pessoas faz parte do nosso DNA e, em
mais de 20 anos de existência, não tivemos nenhum caso de discriminação de
clientes ou colaboradores na PBKids”.

E continua: “Até em nossa linha de produtos defendemos a diversidade racial.
Em dezembro passado, lançamos, em parceria com o Baobá ­Fundo para
Equidade Racial­ e a Estrela, a nova coleção exclusiva de bonecas negras
Adunni, que em nígero­congolês Yorubá, significa ‘a doçura chegou ao lar'”.

Por fim, o texto informa que, “de forma alguma”, o ocorrido tem relação com
preconceito racial, “pois isso é algo que não faz parte da nossa cultura
empresarial e dos nossos valores”.

Texto: Jairo Marques
Fonte e fotos: Folha de São Paulo


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