* Por João Paulo[1] e Herberson Sonkha[2] – Os logradouros como espaços públicos de Vitória da Conquista, como
em qualquer outro município desse estado, por questões culturais sempre foram
nominados de acordo a conveniência política da ala majoritariamente de direita
no legislativo municipal. Com algumas exceções sabe-se que, via de regra, a
finalidade sempre foi eternizar famílias tradicionais no imaginário ou
inconsciente coletivo para facilitar a lembrança na hora de escolher os nomes
para comandar politicamente a cidade.
Nem sempre essas pessoas podiam ser consideradas de notório saber,
referência em boas práticas de gestão, exemplo de humanidade ou de
comportamentos éticos em sua vida pública. O único critério possível era
pertencer e desfrutar das benesses das velhas aristocracias conquistense conservadora
de direita.
Nem todas foram injustas, com raríssimas exceções mesmo
pertencendo a famílias ricas da cidade, destacamos Jadiel Matos, José Pedral
Sampaio e Raul Ferraz, destes três só desfrutamos da presença entre nós do
advogado, ex-prefeito e ex-deputado Raul Ferraz. Por isso, nenhuma avenida
importante de Vitória da Conquista tem nome de pessoas do povo, gente simples,
sem títulos nobiliárquicos, cargos importantes e endinheiradas. Bartolomeu de
Gusmão, Regis Pacheco, Olivia Flores, Gerson Sales, Juracy Magalhaes e tantas
outras revelam a intenção de manter o controle das famílias aristocráticas sobre
os espaços públicos.
Esse processo de “escolha” arbitrário sempre serviu para
invisibilizar líderes e personalidades respeitáveis oriundas das camadas medias
e populares urbanas, quase sempre de esquerda. Os logradouros da cidade foram
nominados tradicionalmente por pessoas com sobrenome pomposo de gente rica, de
coronéis latifundiários das velhas oligarquias conquistenses ou ainda de
generais de linha dura do alto comando das forças armadas da sanguinária
ditadura civil-militar (1964-1985).
Qual é o município que não tem uma única praça ou importante
avenida da cidade chamada Castelo Branco (1964-67), Costa e Silva (1967-69),
Medici (1969-74), Geisel (1974-79) e Figueredo (1979-85)? A história dos
logradouros de Vitória da Conquista não é diferente, pois prevaleceu ao longo
do tempo a história simbólica da velha aristocracia conquistense (baiana e
nacional), nomes de figuras bastante conhecidas por serem ríspidas, ranzinzas,
perversas, perseguidoras da população pobre. Conservadores latifundiários de
famílias tradicionais que mandavam e desmandavam na cidade, essas pessoas eram
chamadas de coronéis e a linha histórica de Vitória da Conquista é repleta
deles que vão do Brasil Império (1840-1889) à última república.
A tradicional política conquistense teve duas divergências que
fogem a regra geral. O engenheiro e ex-prefeito José Pedral Sampaio e o médico
fazendeiro Jadiel Matos. José Pedral foi à última representação institucional
na municipalidade que descende da linhagem do colonizador português João
Gonçalves da Costa, segundo pesquisas historiográficas da historiadora e
professora Maria Aparecida Silva de Souza publicada em sua obra “A
conquista do Sertão da Ressaca: povoamento e posse de terra no interior da
Bahia”.
O historiógrafo Aníbal Lopes Viana, da Revista Histórica de
Conquista (1983) e José Mozart Tanajura na obra “Crônicas de uma cidade” (1991)
fizeram um histórico da Vitória da Conquista, desenhando uma linha do tempo de
prefeitos eleitos e intendentes que vai de figuras ligadas a aristocracia
imperial como Fernandes de Oliveira 1840-1844 (Joaquim Correia-1892-1895, Lima
Guerra-1904-1906, Sá Barreto- 1906-1908, Maximiliano Fernandes-1908-1911,
Coronel Gugé-1912-1915, Ascêndino Melo-1919-1920, Paulino Fonseca-1922-1922,
Justino Gusmão-1923-1926, Paulino Fernandes-1926-1928, Otávio Santos-1928-1930,
Bruno Bascelar-1930-1930, Deraldo Mendes-1931-1933, Joaquim Caires-1937-1938,
Regis Pacheco-1938-1946, Gerson Gusmão-1951-1955, Edvaldo Flores-1955-1959,
Nelson Gusmão-1959-1959, Orlando Leite-1964-1967, José Pedral
Sampaio-1963-1964, Fernando Spinola-167-1971, Nilton Gonçalves-1971-1973,
Jadiel Matos-1973-1977, Raul Ferraz -1977-1982, Gildásio Cairo-1982-1983,
Murilo Mármore-1989-1993) ao neto do coronel José Fernandes de Oliveira, o
engenheiro José Pedral Sampaio.
Pedral foi um socialdemocrata que emerge numa coalização de
partidos às vésperas do Golpe civil-militar contra João Goulart. Pedral nasce
na Praça Barão do Rio Branco em setembro de 1925 pelas mãos do médico varguista
Régis Pacheco que viria a ser seu padrinho político no futuro próximo. O bem
nascido engenheiro José Pedral, abrolhado em berço oligárquico, após se graduar
como engenheiro civil (11/11/1949) pela Escola Politécnica da Universidade da
Bahia em Engenharia volta para Vitória da Conquista e, um pouco mais que uma
década depois, JPedral ascende na política institucional conquistense pelo
Partido Democrata Cristão (PDC) nas eleições de 1963, contra o temido
latifundiário Coronel Gugé que controlava com mãos de ferro a municipalidade há
duas décadas.
O médico Jadiel Viera Matos era da cidade de Nova Canaã, estudou
ensino médio em Salvador, no Colégio 2 de julho, graduando-se em medicina pela
UFBA em 1958. Veio de São Paulo, onde fora diretor do Hospital das Clínicas,
fundou como sócio majoritário e presidiu o Hospital Samur. Foi prefeito de
Vitória da Conquista eleito pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em
1972-1976, deputado estadual pelo mesmo partido 1979-1983, eleito vereador pelo
Partido Socialista Brasileiro (PSB) 1996-1999, deixou o parlamento para assumir
a Secretaria Municipal do interior em 1998.
Num artigo primorosamente memorável publicado no Blog de Paulo Nunes
(26/06/2012) o cronista Carlos Costa escrevera sobre a simplicidade e afeição
de Jadiel Matos às pessoas mais comuns. Costa disse “(…) muitas vezes o
sisudo doutor se aproximava do muro e nos dava umas deliciosas balas ou pedaços
de rapadura e tijolo. Apesar de sisudo e calado Jadiel era uma pessoa muito
carismática e simples”. Duas figuras quem fogem a regra geral da tradicional e
ultraconservadora política conquistense, mesmo tendo nascidos em berços
esplêndidos.
Ainda nesse início de século XXI os velhos hábitos de nominarem os
logradouros públicos com nomes dos caciques originários das oligarquias locais
parece não ter sido extinto em nossa cidade. A proposta feita por um grupo de
“cidadãos de bem” de colocar o nome do ex-prefeito que faleceu
recentemente, vitimado pela covid19, na Estação de Transbordo, obra começada em
sua gestão e que está em fase de conclusão, acredito até que por boa intenção,
deixa explicito que o nosso povo ainda não se libertou dessa mentalidade subserviente.
É evidente que é preciso respeitar a memória do prefeito Herzem
Gusmão. É uma vida perdida e certamente a família, amigos sentiram a perda do
ente querido. Mas, não se apaga a história em função da morte de alguém. Por
que não pôr o nome de Dona Ni, que teve seu trabalho destruído na calada da
noite por obra da gestão do ex-prefeito? Por que não colocar o nome de um dos
moradores que tiveram os barracos derrubados sem aviso algum numa destas
madrugadas truculentas da gestão passada?
Não dá pra fazer de conta que os últimos quatro anos foram
maravilhosos para nossa cidade. Não dá para esconder o descaso com a população
periférica da cidade. Não dá para negar que a gestão governou para apenas 30%
da população municipal. Não dá para negar que a gestão anterior desmontou capciosamente
o sistema de transporte público da cidade. Não dá para esquecer que o
ex-prefeito foi reeleito em função das maiores ilegalidades eleitorais e o
maior esquema de compra de votos, ao velho estilo do coronelismo das antigas oligarquias
de nossa região.
A Estação de Transbordo não pode repetir os mesmos erros de uma
Casa Legislativa controlada por vereadores ultraconservadores, que a torna
omissa e conivente com a destruição criminosa do Sistema Municipal de
Transporte Público. Essa destruição consciente do ex-prefeito visava favorecer
aos seus apaniguados para honrar acordos espúrios com o transporte clandestinos
de passageiros.
Todos os vereadores possuem carro, por isso não pegam transporte
público e esse é um dos principais motivos pelos quais eles desconhecem a
péssima qualidade dos serviços prestados à população. Mas, vergonhosamente
optam por fechar os olhos para a classe trabalhadora que precisa chegar na
empresa no horário combinado com o patrão, sob o risco de ter sua renda
diminuída ou demitido por chegar sempre atrasado.
A omissão e cumplicidade da maioria dos edis na Câmara Municipal, um
dos três poderes soberanos do Estado, órgão detentor do poder de legislar com a
prerrogativa legal de fiscalizar os atos administrativos do gestor, contribuiu
para criminosa negociação que precarizou e sucateou o Sistema Municipal de
Transporte, permitindo a inoperância do ex-prefeito com o sistema que continua prejudicando
quem faz uso diário desse serviço público.
Não há como negar que a intenção por detrás desse silêncio e
omissão sempre foi a de se beneficiar eleitoralmente com apoio da maioria de
vanzeiros clandestinos e de empresários donos de empresas de ônibus irregulares,
é inaceitável. Numa sociedade dirigida por pessoas sérias, em que seus
organismos jurídicos e as engrenagens administrativas sociais são diariamente
lubrificadas pela força da lei e fiscalizados pelo controle social,
acompanhados e pressionados pelos munícipes, esse comportamento não só já teria
sido punido nos rigores da lei como jamais teria sido cogitado a infeliz ideia
de nominar a Estação de Transbordo com o nome de seu principal algoz. | imagem: arquivo/redes sociais.
[1]
João
Paulo Pereira é historiador e professor aposentado da rede estadual de ensino
da Bahia e da rede municipal de ensino do município de Anagé. Especialista em
Gestão Escolar, foi diretor do Colégio Estadual Dr. Orlando Leite. Militante
histórico do Partido dos Trabalhadores (PT) é membro fundador do Coletivo Ética
Socialista (COESO).
[2] Herberson
Sonkha foi professor de Filosofia e Sociologia de cursinhos da rede privada em
Vitória da Conquista. Estudou Ciências Econômicas na Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB), mas não concluiu. Foi gestor administrativo lotado no
Hospital de Base de Vitória da Conquista. Foi do Comitê Gestor da Secretaria
Municipal de Educação de Anagé. Presidiu o Conselho Municipal de Educação de
Anagé. Coordenou o Programa Municipal Mais Educação e a Promoção da Igualdade
Racial do município de Anagé. Foi Vice-Bahia da União Brasileira de Estudante
(UBES) e Coordenador de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas
de Vitória da Conquista (UMES). Militante e ex-dirigente nacional de Finanças e
Relações Institucionais e Internacional dos Agentes de Pastorais Negros/Negras
do Brasil. Membro dirigente do Coletivo Ética Socialista (COESO) organização
radical de esquerda do Partido dos Trabalhadores. Atualmente é militante do
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é dirigentes municipal e estadual da
corrente interna Fortalecer.