ARTIGO – A Raposa e o principezinho (Padre Carlos)*

Outro dia fui convidado para falar para uma turma que estava concluindo o ensino médio. Depois que eu concluir a palestra, um aluno me perguntou o que eu entendia por cativar. Olhei com ternura aquele jovem e respondi: falar em cativar me lembra do diálogo entre a Raposa e o Principezinho, quando este lhe pergunta reiteradamente o que significa “cativar” e ela responde que se trata de algo esquecido no mundo, mas que significa criar laços.
E, a partir dali, estabelece todo um diálogo entre o sábio bicho e o pequeno príncipe que termina, assim: “Você não é nada para mim, há não ser um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. 

E eu tenho certeza que não preciso de você. E você também tem certeza que não necessita de mim. Para você, eu não passo de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se você me cativar, nós teremos necessidade um do outro. Você será para mim único no mundo. Eu serei para você única no mundo (…)”. E o diálogo prossegue com uma profundidade que disserta sobre as relações que se estabelecem nesta enorme casa comum, como se não houvesse amanhã.
     

Este diálogo me fez pensar duas coisas: e se não houver amanhã? Por que não temos coragem de cativar e de se deixar ser cativado? 


Por que o medo de se sentir dependente da amizade e do sentimento do outro? Só desarmando o nosso coração poderemos dizer: “se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz.”.

 
Esta semana é igual a que passou e muito provavelmente a que se seguirá, estaremos nos mesmos lugares, nas mesmas escolas e praças, mas não notaremos a existência das pessoas que estarão a nossa volta. Por que somos condicionados a não demostrar nossos sentimentos, somos educados a não demostrar afetividade e cativar é uma forma de se mostrar para o outro.

Ao contrário da Raposa e do Principezinho, que compreenderam que é bom criar relação; que assim aumenta as nossas possibilidades enquanto humanidade e que quanto melhor forem às relações mais possibilidades há de diálogo e de superar as nossas diferenças.
      

Desta forma, quando cativamos terminamos conhecendo e aceitando o outro nas suas etnias e culturas, valorizando e respeitando essa diferença. 


Só repudiamos a discriminação baseada em diferenças de raça, religião, classe social, nacionalidade e sexo quando aceitamos o outro. 


Reconhecer as qualidades da própria cultura, exigir respeito para si e para os outros nos torna mais humanos.       


Por que temos tantas dificuldades para cativar e se deixar ser cativado? Talvez porque “o essencial é invisível aos olhos, e só se pode ver com o coração.” O mundo em que vivemos precisas se reconciliar e repactuar com todas as culturas e classes, precisamos ser mais humanos.  


É por não querer cativar e por faltar mais diálogo entre os homens é que as raposas estão caçando as galinhas e os homens, caçando as raposas. 

SOBRE O AUTOR E O CONTEÚDO POSTADO
* (Padre Carlos Roberto Pereira, de Vitória da Conquista, Bahia, escreve semanalmente para esta coluna)

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