ARTIGO | Privacidade Hackeada e o Brasil (Padre Carlos)


Já escrevi outras vezes sobre estas questões, mas, volto a repetir, porque é de fundamental importância para entendermos as condições necessárias da sobrevivência da nossa democracia.

Como professor de filosofia, não poderia perder a oportunidade de explicar o assunto através de um silogismo simples: 1) a democracia pressupõe liberdade; 2) a liberdade pressupõe conhecimento e cultura; logo, 3) a democracia pressupõe conhecimento e cultura. Não é um conceito burguês: ela foi criada assim mesmo, e não dá para voltar atrás.
 
N.R.: Silogismo é um termo filosófico com o qual Aristóteles designou a conclusão deduzida de premissas, a argumentação lógica perfeita. É um argumento dedutivo constituído de três proposições declarativas que se conectam de tal modo que, a partir das duas primeiras, é possível deduzir uma conclusão. 


A chave está no início da frase 2) do silogismo: de fato, só com conhecimento e cultura é que posso fazer escolhas livres e assim, bem informadas, terei instrumentos de análise e de crítica que poderão permitir separar o joio do trigo, e saber se, ou até que ponto, está sendo enganado/ influenciado/ condicionado nas minhas escolhas – o que em política é determinante.

O que vou dizer aqui incomodará muita gente, mas corresponde exatamente ao que penso sobre o assunto e o que a realidade mostra cada vez mais, todos os dias. E o que realmente mostra esta realidade? Ela revela cada vez mais, que a ignorância está se generalizando, crescendo cada vez mais e se espalhando em um ritmo assustador – e em particular no domínio mais essencial da democracia: a comunicação.
 
A maioria dos nossos jovens já não consegue ler um livro, a não ser que seja forçado e não tem o hábito de ler jornais (e quando o fazem é no celular, em uma tela onde cabem pouco mais do que os títulos: o texto fica muito pequeno e é uma chatice aumentar a tela e corrê-la com os dedos para poder ler um texto completo); e o que é pior, “informam-se” nas redes sociais – o mais poderoso veículo de propagação de mentiras e distorções da realidade que jamais tivemos notícias desde a invenção da escrita.

Não é por acaso que os políticos cada vez mais, se dedicam à comunicação através das redes sociais, contratando especialistas, quando não abertamente hackers e peritos na dark web, capazes das mais incríveis manipulações da realidade.

Se já ouviu falar de deep fake (vídeos falsos elaborados com recurso de inteligência artificial, tão perfeitos que parecem absolutamente reais e verdadeiros – eu “vi” um com o Reron Clinton dizendo as maiores barbaridades, feito com tão espantosa manipulação e realismo da cara, boca e expressões faciais dela que torna absolutamente” real” aquelas imagens e aquelas palavras), assim percebemos até onde a loucura chegou e pode chegar.

Agora é só imaginar porque os grandes poderes (Estados Unidos, China, Rússia) estão investindo a fundo nestas formas de “comunicação” para vocês terem uma ideia do grau que tudo isto pode atingir e ferir de morte as democracias – estão armazenando cada vez mais informação sobre praticamente tudo o que nos diz respeito, obtida precisamente através dos smartphones de uso intensivo e constante.

Informação que podem permitir e controlar e criar “informação” (falsa) destinada precisamente a cada um de nós da forma mais eficaz possível, pois corresponde ao nosso “perfil” exaustivamente traçado e estudado.

Diante de todas estas informações, como poderemos defender a nossa democracia? Só agora poderemos entender, porque a educação o conhecimento e a cultura são tão desprezados para os novos governos autoritários. Mas, como é que estas pessoas medíocres vão saber que é medíocre, se é medíocre? Parece engraçado se não revela-se uma triste realidade.
   
Os milhões que elegeram Trumps, Bolsonaros, Orbáns, Salvinis e os mais que com certeza aparecerão (e estou aqui só me referindo os que são declarados de extrema-direita prontinhos para darem o golpe de misericórdia na democracia), esses milhões não dispõem de ferramentas – falta nesta gente, discernimento: conhecimento e cultura – que lhes permitam perceber como foram enganados/influenciados/condicionados nas suas escolhas.

Portanto, afinal é muito fácil matar a democracia: basta deixar a ignorância espalhar-se e, pelo controlo das redes sociais, levar os eleitores a votarem naqueles que a irão extinguir Não podemos esquecer que fato semelhante já aconteceu nos anos 1930 com Hitler; e todas as aberrações chegaram ao poder pelo voto.

SOBRE O AUTOR E O CONTEÚDO POSTADO
* (Padre Carlos Roberto Pereira, de Vitória da Conquista, Bahia, escreve semanalmente para esta coluna)

Sudoeste Digital reserva este espaço para seus leitores. Envie sua colaboração para o E-ail: [email protected], com nome e profissão.
Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do site, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.

COMPARTILHAR